A defesa feroz da submissão eterna aos Estados Unidos não pode ser apenas uma paixão ideológica.
Eduardo Vasco
No mês passado, uma delegação do governo se encontrou com altos funcionários chineses em Pequim. A delegação incluía o ministro Rui Costa, Celso Amorim, a ex-presidente Dilma e o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, entre outros.
Os opositores da reaproximação do Brasil com a China aproveitaram a oportunidade para pressionar o governo contra acordos fundamentais para o país, em especial a entrada do Brasil na Nova Rota da Seda. No final de setembro, o jornal O Estado de S. Paulo, acompanhando os constantes desdobramentos, alertou em editorial: “é preciso refletir se isso é realmente necessário e se o custo geopolítico de tal alinhamento com a China não será muito alto”.
O jornal O Globo já havia sinalizado preocupação semelhante sobre a possibilidade. “Promessas de investimento precisam ser analisadas com cuidado, e só fazem sentido se canalizadas para projetos transformadores”, escreveu um colunista em abril de 2023.
Em agosto, o presidente Lula disse, em evento na Confederação Nacional da Indústria (CNI), que “os chineses querem discutir a Rota da Seda conosco” e que, por isso, “nós discutiremos a Rota da Seda”. O interesse do presidente é absolutamente legítimo, considerando que a Iniciativa do Cinturão e Rota (outro nome para o empreendimento chinês) é nada menos que o mais importante projeto de integração econômica da história mundial.
Ao contrário do Plano Marshall – o principal projeto econômico internacional dos Estados Unidos, implementado para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial – a BRI não visa apenas um continente, mas, dez anos após seu início, já está presente em todos os cantos do mundo. Há 150 países participantes até agora e o mais importante é que envolve a integração de países com desenvolvimento econômico atrasado e cuja principal tarefa é, portanto, desenvolver suas economias (particularmente o setor produtivo) e estabelecer interconexão.
É curioso que o BRICS tenha começado como uma iniciativa focada principalmente na economia, mas tenha se tornado inegavelmente um projeto mais geopolítico do que simplesmente econômico. E que a Nova Rota da Seda tenha assumido o papel de impulsionar a integração e o desenvolvimento econômico dos países do chamado “Sul Global”. Assim, o BRI é para a economia o que o BRICS é para a política internacional.
O imperialismo, especialmente o imperialismo americano, estremece ao ver a China realizando projetos de infraestrutura extensivos por toda a África. Este continente amaldiçoado, que até hoje não sabe o que é a verdadeira independência e cuja enorme riqueza foi confiscada por quase 600 anos pela Europa e pelos Estados Unidos.
Claro, eles ficam chocados ao pensar que países pobres podem querer deixar de ser seus escravos e, juntos, buscar um caminho de verdadeiro desenvolvimento. É por isso que uma das principais acusações contra a BRI é que ela não passa de uma “armadilha” para a China endividar países parceiros, financiando projetos que ninguém poderá pagar. Ora, não são os Estados Unidos que fazem exatamente isso, por meio do FMI e do Banco Mundial? Não são eles os principais responsáveis pela dívida externa do Brasil, estimada em cerca de US$ 50 bilhões?
A Nova Rota da Seda já financiou mais de 5.000 projetos, estimados em até 2 trilhões de dólares. Na América Latina, 21 países já fazem parte da iniciativa, tendo recebido 12 bilhões de dólares em investimentos. Somos apenas 9% dos países participantes da BRI, embora 70% da América do Sul já tenha aderido. Os únicos que ainda não aderiram são o Paraguai (que não tem relações diplomáticas com a China), a Colômbia (que veio de governos completamente controlados pelos EUA) e o próprio Brasil. Por outro lado, o Peru foi um dos principais destinos de investimentos da BRI em 2023, por ser um ponto estratégico para as rotas comerciais marítimas do continente com a China.
De fato, o Brasil não pode deixar de aderir de uma vez por todas à Nova Rota da Seda, porque isso seria sabotar até mesmo nossos vizinhos. A iniciativa chinesa visa investir em portos, ferrovias, estradas, aeroportos e na infraestrutura de comunicações e internet do país. Isso representa uma grande contribuição aos esforços de reindustrialização do Brasil após quase quatro décadas de devastação neoliberal. E esses projetos de infraestrutura, especialmente na área de transporte, estariam vinculados a projetos no Peru e outros países vizinhos. Em outras palavras, a BRI é um caminho mais curto para a tão esperada integração da América do Sul e Latina, que o presidente Lula defende. Zhu Qingqiao, embaixador da China no Brasil, explicou recentemente à CNN que, além de receber projetos de infraestrutura cruciais para reindustrializar o país, o Brasil também poderia melhorar a qualidade de suas exportações para a nação asiática. O imperialismo americano sempre impediu que o Brasil se desenvolvesse e deixasse de ser uma semicolônia exportadora de commodities. Bem, agora o Brasil pode dar um grande salto à frente. Atualmente, nossas exportações para a China giram principalmente em torno de soja, minério de ferro e petróleo. Após ingressar na BRI, o embaixador declarou que a China facilitará as exportações brasileiras de produtos de alto valor agregado, que podem chegar a 110 bilhões de dólares. Isso tende a aumentar o superávit existente na balança comercial com a China, enquanto a balança comercial com os Estados Unidos é deficitária. Importamos produtos manufaturados dos EUA e exportamos produtos de baixo valor agregado – somos tratados como uma colônia.
Mas há quem ame ser tratado como colônia. Além dos grandes jornais da burguesia brasileira, parlamentares de direita não se cansam de agir contra os interesses nacionais. Eduardo Bolsonaro, o ursinho de pelúcia de Donald Trump, lidera a oposição às aspirações do Brasil por maior independência. Mas, como se não bastasse a oposição de extrema direita agindo contra os interesses nacionais, dentro do próprio governo há setores que não querem largar o mastro da bandeira dos EUA. Segundo a CNN Brasil, são membros do Itamaraty (os mesmos que estão sabotando as relações com a Venezuela e os BRICS?) e do Tesouro (os que estão tentando agradar os banqueiros cortando gastos?).
É claro que essa defesa ferrenha da eterna submissão aos Estados Unidos não pode ser apenas uma paixão ideológica. Quando o Representante Comercial dos EUA, no final do mês passado em São Paulo, aconselhou abertamente o Brasil a não aderir à Nova Rota da Seda, ficou claro para qualquer um de onde vem todo esse medo de fazer parte do maior projeto geoeconômico da história. Afinal, quem ainda governa o Brasil é o Tio Sam. Lula luta contra elementos antinacionais guiados pelo poder imperialista e o encontro que terá neste mês com Xi Jinping em Brasília pode ser um passo decisivo para quebrar essa resistência reacionária e mostrar que ele e a maioria do povo brasileiro, que o elegeu, devem governar o país.
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