Como Bolsonaro perdeu o trono para o recém-chegado Marçal

Marçal já fez algo que todos os políticos brasileiros considerariam um milagre: destronou Bolsonaro.

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© Foto: Redes sociais

Bruna Frascolla

Antes que a notícia da proibição do Twitter e da VPN pelo “ ditador ” Alexandre de Moraes caísse como uma bomba na política brasileira, o assunto mais quente era a reconciliação entre os bolsonaristas e Pablo Marçal. Podemos esperar o desenrolar da questão do Twitter para comentá-la, e não podemos deixar a reconfiguração da direita brasileira passar despercebida.

Conforme explicado mais detalhadamente em artigo anterior , durante anos o Brasil foi inutilmente polarizado entre PT e PSDB, dois partidos que governavam como neoliberais, com o primeiro representando a “esquerda” e o segundo a “direita”. Em 2018, esse cenário sofreu uma mudança radical com o fenômeno Bolsonaro. Ele era um líder carismático com retórica anti-establishment e sua campanha era feita por meio das mídias sociais. Embora estivesse na política há décadas, Bolsonaro não tinha influência em partidos, e estava sempre cortando e mudando. Antes da campanha de 2018, ele era um político de relevância eleitoral apenas para o Rio de Janeiro. Às vezes, seu anticomunismo o levava a alguma ação estranha que o colocava nas manchetes. Ele era o que chamamos no Brasil de deputado folclórico (como se costumássemos eleger algumas criaturas estranhas como duendes). A habilidade com as mídias sociais pertencia a seu filho Carlos Bolsonaro.

Encurralado pela Justiça e impedido de concorrer a um cargo, Bolsonaro negociou sua influência política com donos de partidos. O bolsonarista Ricardo Salles, ex-ministro de seu governo, retirou sua candidatura à prefeitura de São Paulo – a maior metrópole da América Latina – para que Bolsonaro emprestasse sua força eleitoral a seus aliados não ideológicos. Assim, Bolsonaro e os bolsonaristas, em tese, deveriam apoiar a reeleição do atual prefeito, o indefinido Ricardo Nunes, que assumiu o cargo porque o prefeito morreu de câncer e ele era o vice-prefeito.

As coisas já começaram a dar errado quando militantes de direita investigaram a administração de Nunes e descobriram coisas que eram diretamente contrárias à sua agenda, como a imposição de vacinas contra a Covid em sua força de trabalho e o uso de linguagem neutra em materiais voltados para LGBTs. No Brasil, a esquerda woke vem dizendo “bom dia a todas, todos e todes” e está comprometida em colocar essa “gramática” nas comunicações oficiais. Ao contrário do inglês, o português e o espanhol frequentemente marcam o gênero em substantivos e adjetivos: uma mulher é bonita , um homem é bonito e não há neutro para não binários. Então, nos EUA, pessoas de ascendência hispânica inventaram que são “Latinx” em vez de “Latino”, para evitar o uso da palavra masculina. Como isso é impronunciável em português e espanhol, alguém inventou colocar um E no lugar do X, para ser o neutro, e se você não usa regularmente, você quer pessoas LGBT mortas. E esse nem foi o único caso em que a linguagem neutra apareceu nessa campanha: num comício de Boulos, o principal candidato de esquerda, ao qual Lula compareceu, uma cantora “negra” usando um turbante enorme achou que seria uma boa ideia cantar o hino nacional em linguagem neutra. A cena foi engraçada: ela, completamente desafinada, cantando “ des filhes deste solo és mãe gentil” (em vez de “dos filhos”, num verso que quer dizer “tu [Brasil] és mãe gentil dos filhos desta terra”) e Lula se assustou. Virou meme na hora, foi constrangedor e a assessoria de Boulos tirou o vídeo do ar.

Bom, voltemos à direita. Embaralhando os cálculos dos bolsonaristas e seus aliados, entrou em cena Pablo Marçal, autointitulado “ex-técnico”, que aos 18 anos já participava de uma quadrilha liderada por um pastor evangélico, criando malwares para assaltar bancos. Evangélico ele mesmo, ele protagoniza cenas como essa , em que ordena, sem sucesso, que uma mulher paralítica volte a andar. No dia 2 de setembro, entrevistado pelo prestigiado programa Roda Vida, foi questionado se continuaria a ir a velórios para ordenar que os falecidos se levantassem. Ele confirmou. No mesmo programa, ele diz que acabará com a pobreza mudando a mentalidade dos brasileiros, assim como ele próprio saiu da pobreza mudando sua mentalidade. Hoje ele tem incontáveis ​​milhões de dólares.

Embora nada de concreto tenha sido descoberto, sua relação com pessoas ligadas ao tráfico de drogas levanta suspeitas, amplamente utilizadas na campanha de sua adversária Tabata Amaral. De fato, desde o caso Cariani (quando um rico médico-influenciador foi flagrado desviando material para a produção de cocaína e crack), é prudente suspeitar que influenciadores ricos lavam dinheiro do tráfico. Cariani, em especial, era amigo e sócio de Marçal.

Sua vida de influenciador lhe causou um problema específico até agora: foi descoberto que ele tem uma comunidade no Discord na qual ele paga quem produz as melhores edições de vídeo (ou seja, as que têm mais audiência), e isso foi considerado crime eleitoral. Por isso, a Justiça Eleitoral suspendeu os perfis de Marçal nas redes sociais. Assim, deu a ele ampla oportunidade de se vitimizar e parecer alguém que é perseguido pelo sistema. Bolsonaro, por outro lado, seria um membro do sistema, pois apoia Nunes. Mais: Bolsonaro estaria interessado na suspensão de suas redes e no verdadeiro culpado por elas. Os bolsonaristas correram para o Twitter para dizer que são contra censurar qualquer pessoa. No entanto, o estrago já estava feito. Aqui no interior da Bahia, em um município rural a 1.900 quilômetros de São Paulo, um morador me disse que se opunha ao que Bolsonaro estava fazendo contra Marçal. Para os bolsonaristas, não havia outra alternativa senão uma reconciliação pública, algo que até o filho Carlos Bolsonaro, que havia sido insultado por Marçal, teve que fazer.

Então, se ainda não ressuscitou ninguém, nem fez uma paralítica caminhar , Marçal já fez algo que todos os políticos brasileiros considerariam um milagre: destronou Bolsonaro.

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