Em uma perspectiva histórica, a pesquisadora analisou as políticas públicas e as noções quanto à fome que eram adotadas no início dos anos 1990. No início da década, 25 milhões de brasileiros estavam subalimentados, segundo relatório sobre segurança alimentar das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês).
De referência mundial no combate à fome, o Brasil vive hoje um processo de “involução” ao adotar políticas semelhantes às já superadas há décadas e ignorar o que o levou a deixar o vergonhoso Mapa Mundial da Fome da ONU, em 2014. É o que alerta a historiadora e pesquisadora do programa de pós-doutorado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Denise De Sordi, à agência brasileira de notícias Rede Brasil Atual (RBA), nesta sexta-feira.
Em uma perspectiva histórica, a pesquisadora analisou as políticas públicas e as noções quanto à fome que eram adotadas no início dos anos 1990. No início da década, 25 milhões de brasileiros estavam subalimentados, segundo relatório sobre segurança alimentar das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês). De acordo com Denise, a mobilização em torno do problema era diferente do que o país tem agora, porém, também se aproximava em alguns aspectos por alinhar a ideia de que o “desenvolvimento econômico, por si só, em algum momento vai trazer soluções automáticas para essas questões”.
Fome Zero
O que se via no período era um combate via ações individuais, campanhas cívicas e filantrópicas, como a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Havia ainda programas sociais em nível local, mas no sentido de moralização da pobreza e desresponsabilização de certa forma do papel do Estado – presente nas políticas do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).
Dados da ONU mostram que perto de 3,5 milhões de brasileiros deixaram de passar fome nos anos 1990. Mas o maior avanço, contudo, só ocorreu na década seguinte, quando a fome e a pobreza passaram a ser compreendidas como problemas estruturantes do Brasil. Nos anos 2000, o país passou a ser uma referência por conta do programa Fome Zero, implementado no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Auxílio Brasil
O processo, no entanto, acabou interrompido pelo governo de Michel Temer, em 2016, seguindo até a atual gestão de Bolsonaro, com as reformas trabalhista e previdenciária e o fim da política de valorização do salário mínimo, entre outras medidas. A “síntese” desse processo, de acordo com a pesquisadora, foi o encerramento do Bolsa Família. O programa de destaque para a superação da pobreza, dentro do Fome Zero, que terminou sendo substituído pelo Auxílio Brasil.
— Um retrocesso na rede de proteção social. Ele aparece como síntese de todas essas ações de desmanche. O Auxílio Brasil tem um foco completamente voltado para ações individuais, retoma essa ideia de que um suposto desenvolvimento econômico, de recuperação que estava prometida e não estamos vendo, vai resolver a questão — concluiu pesquisadora.