Socialismo e democracia na Coreia Popular

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do site Write to Rebel ( tradução: Leonardo Griz Carvalheira)

A República Popular Democrática da Coreia (RPDC) é continuamente tratada como um vilão na política internacional. O “reino eremita” é pintado como tirânico, repressivo e dinástico. Neste ensaio, quero argumentar o oposto: a Coreia do Norte é um país profundamente democrático, e isso reflete seus valores socialistas.

Ao contrário da crença popular, eleições acontecem de fato na RPDC. A mídia burguesa, como a AJ English [a seção em inglês do canal Al Jazeera], admite isso. Contudo, eles retratam as eleições de uma forma incrivelmente desonesta. Uma reportagem alegou que as eleições consistem somente num voto sim/não num único candidato selecionado pelo partido, depositado à vista do público e com a abstenção exigindo uma explicação por escrito [1]. Isso é na melhor da hipóteses uma meia-verdade e, na pior, totalmente fabricado. Aqui, irei argumentar que a RPDC é democrática, e uma das razões para isso são suas eleições.

Democracia

Antes de seguir, entretanto, devemos nos dotar de uma definição do que realmente é democracia. Em minha opinião, devemos retornar à própria palavra. Demos quer dizer povo, enquanto -krata é usado como governo [ou domínio]. Democracia, portanto, deve significar governado pelo povo. É assim que o sítio dictionary.com define o termo. Eles dizem que democracia é “governo pelo povo; a forma de governo em que o poder supremo reside no povo e é exercido por ele ou por seus agentes eleitos sob um sistema eleitoral livre” [2]. Uma democracia é uma sociedade na qual a maioria do povo possui a habilidade de tomar decisões sobre sua vida política e social. Minha escolha em usar o dicionário aqui não pressupõe que dicionários são a autoridade suprema das definições. É simplesmente para evitar acusações de que minha definição de democracia é ideológica. Eu não inventei uma definição de democracia que inclui a RPDC para forçar o leitor a considerá-la democrática. Usei uma fonte tradicional cuja agenda política é oposta à minha.

A RPDC tem eleições distritais, municipais e provinciais para as assembleias populares locais, assim como eleições nacionais para a Assembleia Popular Suprema (APS), seu órgão legislativo. Elas acontecem a cada cinco anos.

Candidatos são escolhidos em reuniões de massa presididas pela Frente Democrática para a Reunificação da Pátria, que reúne os partidos políticos da RPDC. Cidadãos podem concorrer sob esses partidos ou como independentes. São escolhidos pelo povo, não pelo “partido” (na verdade, o parlamento da RPDC consiste em três partidos separados, como, nas últimas eleições, o PTC – Partido dos Trabalhadores da Coreia, o Partido Social-Democrata da Coreia e o Partido Chondoísta Chongu) [3].

O fato de haver apenas um candidato na cédula é por já haver um consenso alcançado sobre quem deve estar apto para a nomeação pelo povo nas reuniões de massas, para aquela posição. Esse é um arranjo verdadeiramente democrático, que põe o poder diretamente nas mãos do povo ao invés das dos “representantes” ricos que não têm ideia de como a maioria vive. De acordo com um relatório, a renda média de um membro do congresso dos EUA é 14 vezes maior que a de um cidadão médio [4]. É simplesmente impossível eles conhecerem as lutas das massas. Na RPDC, ao contrário, as massas advogam por si mesmas diretamente. Elas entendem seus próprios interesses e são capazes de avançar abertamente em sua defesa. É isso que a verdadeira democracia implica.

A RPDC permite observadores estrangeiros nas suas eleições. As pessoas votam sozinhas numa sala separada e gozam de privacidade. As reuniões de massa exigem a contribuição das massas populares, então elas não são secretas, nem deveriam ser, já que isso impediria o processo democrático e tornaria mais difícil para os deputados atenderem diretamente às necessidades e demandas do povo. Elas são mais que votos e cédulas, são reuniões onde o povo tem voz e o poder de impactar o sistema político de forma significativa.

O Comitê Central Eleitoral é composto por vários membros da APS, do PTC e do Presidium [colegiado eleito pela APS]. É formado por uma votação do Presidium. A RPDC demonstra uma estabilidade política extensiva e eu desconheço qualquer candidato escolhido pelo povo sendo repreendido por qualquer parte do processo democrático. As eleições são efetivamente salvaguardadas de qualquer corrupção do processo democrático que ocorre durante as reuniões de massa. É de se esperar, portanto, que o resultado conte com apoio absoluto porque um não-voto indica que as reuniões de massa falharam em chegar num consenso com apoio popular [5].

Aqui, vemos a profunda diferença das eleições na RPDC e nos Estados Unidos. As eleições americanas são desenhadas meramente para dar a ilusão de participação popular no governo. Cidadãos têm que escolher, efetivamente, entre dois candidatos que ambos representam os interesses dos grandes negócios. É virtualmente impossível fugir do sistema bipartidário, a não ser para alguém independentemente rico. Ross Perot, por exemplo, só foi capaz de concorrer contra bilionários por causa do seu status de bilionário [6]. Ele só conseguiu fugir do sistema bipartidário imposto pelo capitalismo corporativo porque ele próprio encarnava o capitalismo corporativo. Vez após vez, vemos que é o candidato com mais dinheiro que ganha as eleições nos Estados Unidos [7]. Na formulação das políticas, são os grupos de interesse endinheirados que conseguem o que querem, não as pessoas comuns da classe trabalhadora [8]. Apesar da veneração à democracia adotada pelos EUA, é na verdade uma ditadura da classe capitalista. Não há alternativa genuína aos interesses do capital (que são na realidade os interesses de uma minoria de donos de negócios) e portanto não há democracia real.

Na RPDC, contudo, a democracia floresce. Como vimos, é desenhada com o objetivo explícito de dar poder às massas populares. A votação do não é resultado direto disso. Não é a evidência da monopolização do poder nas mãos do Partido, mas uma evidência do poder do povo. Os votos não crescem quando as discussões das massas se tornam muito contenciosas. Em certo sentido, as massas às vezes têm poder demais. As eleições existem para mediar isso e chegar a conclusões verdadeiramente democráticas, nas quais a vontade da maioria é decretada. As eleições não são uma barreira para a democracia, mas uma expressão dela.

Os cidadãos nos países capitalistas tipicamente só ficam cientes de um aspecto do processo eleitoral na RPDC. São levados a acreditar que apenas um candidato aparece na cédula, e isso é usado para pintar a RPDC como ditatorial. O mesmo método de informação seletiva pode ser usado para deturpar os sistemas “democráticos” ocidentais. Se a mídia cobrisse apenas o colégio eleitoral durante uma eleição americana, por exemplo, podem afirmar facilmente que apenas 538 americanos puderam votar para presidente. Isso revela a importância de pesquisa rigorosa sobre a RPDC. Embora possa haver elementos verdadeiros nas informações ocidentais sobre a RPDC, eles nunca revelam a imagem completa. É vital que descubramos por conta própria e que nos recusemos a confiar na mídia burguesa dos Estados Unidos.

Democracia e Economia: o sistema de trabalho Taean, cooperativas e comitês de fábrica

Eleições, no entanto, não são o único indicador pelo qual se pode determinar uma democracia. Os Estados Unidos têm eleições, mas eu acabei de demonstrar que são antidemocráticas. Isso deve significar que as arenas para além do parlamento (ou órgãos similares) também cumprem um papel na classificação de um país como democrático ou não. Na minha visão, um campo importante a se considerar quando se fala em democracia é a economia. É a economia que determina se ficamos vivos ou não, sem falar nas formas políticas que adotamos. Seria virtualmente impossível passar um dia teorizando sobre política se alguém tivesse que se preocupar se comeria ou não naquela noite. Assim, a questão sobre quem controla a economia é importante. Se uma pequena minoria de indivíduos controla a economia, então se segue que este mesmo grupo tem a palavra final na política, na arte e na cultura de uma sociedade particular. Isso pode ser visto nos Estados Unidos. A minoria da população é feita de proprietários ricos, que exercem uma enorme parcela de controle sobre as políticas. Eles só sustentam esse poder político porque têm dinheiro. É portanto o caso de que o centro primário de poder na sociedade é a economia. As sociedades só podem ser consideradas democráticas e as massas do povo dirigem a economia assim como a esfera política.

Este obviamente não é o caso sob o capitalismo, mas será esse o caso na RPDC? Eu argumentaria que é. Os espaços de trabalho na RPDC são geridos de acordo com o Sistema de Trabalho Taean, que é descrito da seguinte forma pelo Country Data [site da Divisão Federal de Pesquisa da Biblioteca do Congresso]:

A máxima autoridade administrativa sob o sistema Taean é o comitê do partido. Cada comitê consiste em aproximadamente 25 a 35 membros eleitos das fileiras de gestores, trabalhadores, engenheiros e as lideranças das organizações do povo trabalhador nas fábricas. Um “comitê executivo” menor, aproximadamente um quarto do tamanho do comitê principal, tem responsabilidade prática pelas operações rotineiras da planta e pelas principais decisões da fábrica. Os membros mais importantes da equipe, incluindo a secretaria do comitê do partido, gerente de fábrica e engenheiro chefe formam seus quadros. O sistema foca na cooperação entre os trabalhadores, técnicos e funcionários do partido no nível da fábrica. [9]

Esse sistema persistiu por muito tempo na RPDC. No seu discurso de Ano Novo no trigésimo aniversário do Sistema de Trabalho Taean, Kim Il-Sung disse:

O Sistema de Trabalho Taean é o melhor sistema de gestão econômica. Ele permite que as massas cumpram sua responsabilidade e seu papel de mestres e administrem a economia de maneira científica e racional, implementando a linha de massa na gestão econômica e combinando organicamente a liderança do partido com orientação administrativa, econômica e técnica. [10]

A economia da RPDC é um misto de propriedade estatal e economia cooperativa, nesta última com os trabalhadores constitucionalmente intitulados donos do seu espaço de trabalho. De acordo com a Constituição da RPDC:

Artigo 22

A propriedade das organizações sociais cooperativas pertence à propriedade coletiva das pessoas que trabalham nas organizações envolvidas.

Organizações sociais cooperativas podem possuir propriedades como terras, maquinaria agrícola, navios, pequenas e médias fábricas e empreendimentos.

O Estado deve proteger a propriedade das organizações sociais cooperativas. [11]

A revolução Coreana criou oportunidades inimagináveis para trabalhadores e camponeses sob as condições opressivas do passado. O especialista na Coreia Bruce Cumings escreve: “em qualquer momento antes de 1945, era praticamente inconcebível que camponeses pobres sem formação se tornassem oficiais de nível nacional ou oficiais do exército. Mas na Coreia do Norte essas carreiras tornaram-se normais” [12]. Ele também observa que casamentos entre classes viraram normais, comuns e difundidos com o estabelecimento da Coreia Democrática, e o acesso à educação foi estendido para todos os setores da sociedade.

A parte mais importante da economia é indiscutivelmente a propriedade da terra. Antes dessa revolução, a terra era concentrada nas mãos de uma elite japonesa muito pouco numerosa. O Partido dos Trabalhadores empreendeu um processo gradual, mas sólido de conversão da terra privada em organizações cooperativas. Começando com o processo de reconstrução pós-guerra, só 1,2% dos domicílios camponeses eram organizados em cooperativas, o que abrangia meros 0,6% da área cultivada [13]. Em agosto de 1958, 100% dos domicílios rurais estavam convertidos em cooperativas, abrangendo 100% da área cultivada [14]. Ellen Brun, uma economista cujo estudo de 1976, Coreia Socialista, continua sendo o mais abrangente até o momento, escreve que “apesar da falta de meios modernos de produção, as cooperativas – com assistência eficiente pelo estado – rapidamente mostrou sua superioridade em relação ao cultivo individual, até convencendo agricultores antes relutantes a participar do movimento” [15]. A coletivização não foi forçada de cima, mas uma expressão dos desejos das massas. Foi – e continua sendo – uma ação democrática.

Comitês populares locais, nos quais qualquer trabalhador coreano pode participar, elegeram a liderança para dirigir a produção agrícola e colaboraram com as autoridades nacionais para coordenar a eficiência a nível nacional [16]. Esses comitês populares foram as instâncias primárias por onde “o Partido mantinha contato com as massas nas várias fazendas coletivas, permitindo assim avaliar a opinião pública sobre assuntos que afetam as políticas dos comitês populares do país” [17]. Em 1966, o Partido dos Trabalhadores introduziu o “sistema de administração em grupo”, que “organizou grupos de 10 a 25 agricultores em unidades produtivas, cada um das quais ficando então permanentemente encarregado de uma determinada área de terra, uma determinada tarefa ou certos instrumentos de produção” [18]. Isso representa outro instrumento da democracia popular implementada na produção da Coreia socialista.

Nenhum antagonismo sério entre as áreas rurais e os centros industriais foi desenvolvidos no processo de construção socialista na Coreia Democrática. Brun nota que “dezenas de milhares de homens desmobilizados e muitos jovens e velhos formandos assim como pupilos do ensino médio foram ao campo na temporada mais trabalhosa e prestaram assistência no valor de milhões de dias de trabalho”, todos voluntariamente sem coerção pelo estado [19].

Mais importante ainda, a construção socialista coreana reorganizou a produção industrial pelos interesses do proletariado coreano antes despossuído. Baseando-se na linha de massas – o método de organização marxista-leninista que “é tanto a causa quanto o efeito da politização e do envolvimento das massas no processo de desenvolvimento econômico e construção socialista” – o PTC implementou o sistema de trabalho Taean, descrito acima, em dezembro de 1961. Em contraste com o sistema anterior, em que administradores eram nomeados para supervisionar um espaço de trabalho unilateralmente por um único membro do partido, “o comitê de fábrica do Partido assume a autoridade máxima no nível do empreendimento” no sistema de trabalho Taean [20]. Brun segue descrevendo esse sistema, e vou citá-la longamente:

Maneiras de resolver questões que afetam a produção e a atividade dos trabalhadores, assim como métodos de executar decisões, são alcançados através de discussões coletivas nos comitês de fábrica, cujos membros são eleitos pelos membros do Partido na fábrica. Para ser efetivo, esse comitê deve ser relativamente pequeno, com o número preciso de participantes a depender do tamanho do empreendimento. Na Planta Elétrica Daean, com cinco mil trabalhadores, o comitê de fábrica do Partido conta com 35 membros que se reúnem uma ou duas vezes ao mês, enquanto que 9 membros do quadro executivo mantém contato contínuo. Sessenta por cento dos seus membros são trabalhadores da produção, com o restante representando uma seção intersetorial de todas as atividades da fábrica, incluindo funcionários, gerentes, vice-gerentes, engenheiros, técnicos, representantes de organizações de mulheres, de jovens, do sindicato, e dos funcionários administrativos. Sua composição portanto dá acesso a todo aspecto socioeconômico do empreendimento e das vidas dos seus trabalhadores.

Esse comitê se tornou o chamado “volante [ou timão]” da unidade industrial, conduzindo a educação ideológica e mobilizando os trabalhadores a implementar decisões coletivas e cumprir as metas de produção. Através da sua conexão com o Partido ele tem uma visão clara das políticas e objetivos gerais assim como da função exata da unidade produtiva no contexto nacional. Em outras palavras, essa configuração garante que seja dada prioridade à política. [21]

Os trabalhadores têm iniciativa e supremacia na produção e interagem diretamente com o estado para planejar e executar a produção coletivista em nome de todo o povo coreano. O fato de a economia ser gerenciada, muitas vezes diretamente, pelo todo da sociedade é uma evidência de que o país é democrático. Os trabalhadores não ficam presos em espaços de trabalho onde recebem ordens de cima para baixo, como ficam os trabalhadores nos Estados Unidos, em vez disso eles têm voz sobre o que é produzido e como é produzido. O povo tem voz sobre a economia e portanto sobre todos os outros aspectos da vida. Isso, como eu argumentei, significa que o país é largamente mais democrático que todos os países capitalistas, até os mais avançados.

Muitos alegam que o firme estabelecimento da política “Songun”, uma política que o Partido dos Trabalhadores da Coreia descreve como “dar prioridade às armas e às forças armadas” [22], anula os ganhos democráticos mencionados acima. Gostaria de afirmar que este não é o caso. Apesar da insistência ocidental na suposta novidade da política Songun, história oficial da RPDC aponta para o desenvolvimento Songun mesmo décadas antes da RPDC ser formada. É importante notar isso porque deixa evidente como uma luta anti-imperialista e essencialmente de libertação nacional caracterizou a política da Coreia socialista desde o início [23]. Independentemente disso, o colapso da União Soviética trouxe mudanças qualitativas à estrutura política da RPDC. Notavelmente, a Comissão de Defesa Nacional se tornou a “espinha dorsal do corpo administrativo estatal” e “comanda todo o trabalho da política, militar e econômico”. Isso pode ser atribuído em grande parte à posição única que a RPDC assumiu após seu isolamento internacional de fato em meados da década de 1990. A queda da União Soviética significou uma profunda austeridade econômica, e mais ainda, significou um fortalecimento dos EUA e um sul comprador*. Isso significa que a RPDC foi forçada a seguir um caminho profundamente militarista de desenvolvimento (daí a superioridade da Comissão Nacional de Defesa e a ampla disseminação da política Songun) [24].

À luz dessas contradições, devemos examinar os órgãos de poder de classe na RPDC, nomeadamente os órgãos estatais e a sua relação com o povo coreano em geral. Evidentemente, os órgãos estatais da RPDC exercem autoridade suprema sobre a economia e a vida social. O estado, constitucionalmente, representa os interesses do povo trabalhador e, portanto, excluiu legalmente exploradores e opressores de representação formal:

O sistema social da RPDC é um sistema centrado no povo, sob o qual o povo trabalhador é mestre de tudo, e tudo na sociedade serve ao povo trabalhador. O Estado deve defender e proteger os interesses dos trabalhadores, camponeses e trabalhadores intelectuais que foram libertados da exploração e opressão e se tornaram senhores do Estado e da sociedade. [25]

Portanto os órgãos políticos de poder de classe se tornaram explicitamente os órgãos proletários de poder de classe; ao menos no sentido fornecido constitucionalmente ao povo coreano. A força política dirigente na RPDC continua sendo o Partido dos Trabalhadores da Coreia (PTC) que ocupa 601 das 687 cadeiras da Assembleia Popular Suprema e a liderança de fato da coalizão governante Frente Democrática para a Reunificação da Pátria [26]. Todos os coreanos acima de 17 anos, independente de raça, religião, sexo ou crença, são habilitados e encorajados a participarem nos órgãos estatais de poder. Eleições são realizadas rotineiramente para órgãos locais e centrais de poder estatal, sendo que normalmente são as Assembleias Populares que compreendem o núcleo do poder estatal na RPDC, de onde vêm os órgãos destacados de poder de classe sendo institucionalmente a Comissão Nacional de Defesa e o Exército Popular da Coreia (EPC) [27].

Como mencionado anteriormente, o caminho Songun significou desenvolvimento material nas realidades sociais que consistem no que o ocidente considera a Coreia do Norte. A enorme ênfase no avanço e poder militar apenas ajudou os detratores imperialistas na sua descrição da RPDC como uma “ditadura militar”. Essa é, na melhor das hipóteses, uma análise no nível superficial. É considerada a maior honra para um coreano servir à sua pátria na luta contra o imperialismo ao se juntar ao Exército do Povo Coreano. Diferente de outras forças militares permanentes, o EPC está definitivamente envolvido na construção social e material do socialismo na Coreia do Norte. Entender isso nos ajuda a entender como os desenvolvimentos internos únicos da Coreia socialista criaram uma expressão única de poder de classe.

As pessoas também são intimamente conectadas aos líderes da RPDC, os quadros do Partido. Os quadros do Partido são uma característica inevitável do aparato político da Coreia do Norte e portanto possivelmente a ligação mais próxima que o povo coreano tem com seus órgãos formais de poder. Os quadros, assim como funcionários e administradores do Partido, são conhecidos por visitarem locais de trabalho e fornecerem motivação e direção ao povo trabalhador [28]. Isso contrasta fortemente com a relação entre políticos capitalistas e cidadãos. Nos países capitalistas, políticos estão muito distantes do povo e não têm ideia de como são suas lutas. Na RPDC, o oposto é verdadeiro.

A classe trabalhadora é a vasta maioria da população da RPDC (por volta de setenta por cento [29]), por isso a gestão do estado pela classe trabalhadora significa que o estado é gerido pela maioria da população. Isso é condizente com a definição de democracia proposta anteriormente.

O sistema prisional

Alega-se frequentemente que nada disso importa porque os norte-coreanos são forçados a se envolver em trabalho duro por seus crimes. O estado mantém 200.000 presos políticos, de acordo com a Anistia Internacional. “É o mesmo estado que fuzilou três cidadãos norte-coreanos que tentavam cruzar a fronteira para a China no final de dezembro [de 2016].” [30]

Uma avaliação mais cuidadosa do sistema prisional norte-coreano ironicamente vem do historiador liberal burguês Bruce Cumings. No seu livro de 2004, North Korea: Another Country [Coreia do Norte: Outro País], ele nota que a maioria das reclamações sobre o sistema penal coreano é grosseiramente exagerada. Por exemplo, ele escreve que “Criminosos comuns que cometem crimes menores e juvenis com uma compreensão incorreta do seu lugar na família-estado que cometem pequenas infrações políticas são enviados a campos ou minas para trabalho duro e variadas durações de encarceramento”, cujo objetivo é reeducá-los. Isso reflete um entendimento materialista das raízes do crime, que emerge em grande parte das condições materiais e de ideias incorretas de uma pessoa, que pode ser mudada através da alteração das condições da pessoa. É importante notar que a vasta maioria dos criminosos no sistema penal coreano cai nessa categoria e por isso o objetivo é reabilitar e reeducar, ao contrário dos objetivos punitivos do sistema penal americano.

Cumings nota o contraste entre o sistema de justiça criminal da Coreia Democrática e o dos Estados Unidos, especialmente em termos do contato e suporte do prisioneiro pela sua família. Ele escreve:

Os Aquários de Pyongyang é um conto interessante e factível, precisamente porque, de modo geral, não é a história horrível de repressão totalitária que seus editores originais da França queriam que fosse; em vez disso, sugere que o encarceramento de uma década com sua família imediata era suportável e não necessariamente um obstáculo para a entrada no status de elite de residir em Pyongyang ou na faculdade. Enquanto isso temos um duradouro e interminável gulag repleto de homens negros em nossas prisões, encarcerando mais de 25% de toda a juventude negra. [32]

Também devemos observar que o único norte-coreano a escapar de uma prisão, Shin Dong-hyuk, retirou grande parte da sua história Escape from Camp 14 (“Fuga do Campo 14”). De acordo com um artigo do New York Times sobre o tema,

Sr. Shin, que diz que tem 32 anos, agora diz que o fato chave que o diferenciava de outros desertores – que ele e sua família tinham sido encarcerados numa prisão da qual ninguém esperava sair vivo – era só uma meia-verdade, e que na verdade ele serviu na maior parte do tempo no menos brutal Campo 18. Ele também disse que a tortura que ele sofreu quando adolescente, aconteceu na verdade anos depois e foi aplicada por razões muito diferentes. [33]

Similarmente, a revelação de que armas químicas são usadas em prisioneiros no Campo 22 já foi provada espúria. A história foi inventada no documentário da BBC de 2004, Access to Evil (“Acesso ao mal”). O documentário conta com diversas entrevistas com Kwon Hyok, um desertor da RPDC e ex-chefe da segurança do campo. A evidência do documentário para essa acusação também foi baseada numa “Carta de Transferência” supostamente autorizando experimentos em seres humanos. Essas acusações, contudo, foram totalmente fabricadas. Até as agências de inteligência da Coreia do Sul rapidamente assumiram os documentos como falsos. Escrevem:

Primeiro, foi revelado que Kwon não foi representante militar em Pequim, como afirmava. Depois, focou-se a atenção na Carta de Transferência (…) havia problemas de nomenclatura, tamanho dos selos e tipo de papel.

(…)

Joseph Koehler, (…) um virulento crítico do Norte (…) chegou à conclusão de que o documento parece falso. [34]

Embora isso não signifique que todas as afirmações dos desertores sejam falsas, põe em dúvida a validade da história. Não é uma surpresa que desertores exagerem suas histórias, dado que “a Coreia do Sul disse no domingo que quadruplicará a recompensa em dinheiro que oferece aos desertores norte-coreanos que chegarem com informações importantes para um bilhão de wons, ou 860 mil dólares, num esforço para encorajar mais membros da elite a fugirem” [35]. Desertores norte-coreanos não são simplesmente indivíduos perseguidos buscando uma vida melhor. Eles têm um incentivo econômico direto para mentir sobre seu país. É importante, como dito acima, verificar cada história independentemente em vez de confiar nelas cegamente.

Esse fato – de que um tempo no sistema penal coreano não resulta num castigo social como nos países capitalistas – reflete um forte ponto de contraste com sistemas penais capitalistas. Usando a família como uma rede de apoio, o estado encoraja a reeducação política e abre oportunidades para prisioneiros reabilitados serem reincluídos na sociedade coreana como cidadãos plenos. O sistema prisional na Coreia do Norte é muito mais humano, em princípio, do que o sistema nos Estados Unidos. É baseado numa filosofia centrada nas pessoas, que sustenta que a criminalidade não é inerente à humanidade. Essa é uma forte evidência de que a RPDC é um estado da maioria, e portanto democrático.

Religião e igrejas

A supressão da religião na RPDC – a anedota preferida da direita – também é vastamente exagerada. No artigo Fresh Wineskins for New Wine: A New Perspective on North Korean Christianity (“Embalagens Frescas para Vinhos Novos: Uma Nova Perspectiva sobre o Cristianismo Norte-Coreano”) [36] Dae Young Ryu começa observando uma nova abertura ao cristianismo nos anos 1980, com novas igrejas construídas, uma escola teológica protestante fortalecida em Pyongyang e um aumento no número de fiéis, agora em torno de 12 mil.

Embora o próprio governo tenha construído novas igrejas durante esse período, Ryu afirma que esse não é um fenômeno recente. Na verdade ele remonta aos cristãos da década de 1950 que adotaram o marxismo-leninismo e apoiaram a liderança de Kim Il-Sung. Esse desenvolvimento é ainda mais notável, pois ocorreu em um contexto em que o cristianismo era visto amplamente como um fenômeno imperialista americano. De fato, evidências indicam que o governo tolerou por volta de 200 igrejas cristãs pró-comunistas durante a década de 1960. Ele escreve:

Ao contrário da visão comum ocidental, parece que os líderes norte-coreanos exibiram tolerância aos cristãos que apoiavam Kim Il-Sung e sua versão do socialismo. O ministro presbiteriano Gang Ryang Uk atuou como vice-presidente da RPDC de 1972 até a sua morte em 1982, e Kim Chang Jun, um ministro metodista ordenado, tornou-se vice-presidente da Assembleia Popular Suprema. Eles foram enterrados no exaltado Cemitério dos Patriotas, e muitos outros líderes da igreja receberam honras e medalhas nacionais. Parece que o governo permitiu igrejas domésticas em reconhecimento à contribuição dos cristãos para a construção da nação socialista. [37]

Culto à personalidade

Eu gostaria de concluir com o exame de Kim Il-Sung e o suposto “culto à personalidade” ao redor dele. O luto em massa em torno do seu funeral é tomado como evidência de que ele é adorado como um deus na RPDC. Na realidade, esse luto surge do imenso apoio popular que ele desfrutou como líder, durante e após a revolução.

Kim recusou a incapacidade da Coreia de resistir à dominação estrangeira. Os japoneses o consideravam um líder de guerrilha altamente capaz e perigoso, chegando ao ponto de estabelecer uma unidade especial de insurgência anti-Kim para caçá-lo [36]. As guerrilhas eram uma força independente, inspirada pelo desejo de recuperar a península coreana para os coreanos, e não eram controlados pelos soviéticos nem pelos chineses. Embora muitas vezes eles se retirassem para a União Soviética para evitar as forças de contra insurgência japonesas, eles receberam pouca ajuda material dos soviéticos.

Diferente dos EUA, que impuseram um governo militar e reprimiram os Comitês Populares, os soviéticos adotaram uma justa abordagem de não interferência na sua zona de ocupação, permitindo que uma coalizão de combatentes da resistência nacionalista e comunista se organizasse autonomamente. Dentro de sete meses, o primeiro governo central foi formado, com base em um Comitê Popular interino liderado por Kim Il-Sung.

Ao contrário da mitologia popular, Kim não foi escolhido pelos soviéticos. Ele gozava de um considerável prestígio e apoio como resultado dos seus anos como líder guerrilheiro e do seu comprometimento com a libertação nacional. Na verdade, os soviéticos nunca confiaram totalmente nele [38].

Com oito meses de ocupação, começou um programa de reforma agrária, com senhores de terras expropriados sem indenização, mas livres para migrar para o sul ou para trabalhar em lotes de igual tamanho àqueles alocados para os camponeses. Depois de um ano, o Partido dos Trabalhadores de Kim se tornou a força política dominante. As maiores indústrias, maioria de propriedade dos japoneses, foram nacionalizadas. Colaboradores com os japoneses foram expurgados de funções oficiais.

Os cidadãos da RPDC apoiam Kim Il-Sung pelo seu corajoso enfrentamento à dominação dos EUA, seu comprometimento com a reunificação e a real conquista do socialismo. Diante daqueles que fazem guerra por exploração e opressão, as decisões de Kim representavam as aspirações dos trabalhadores, camponeses, mulheres e crianças coreanas – a nação coreana unida – por liberdade. O apoio a Kim não é oriundo de um culto à personalidade ou tomado à força. Pelo contrário, ele conquistou o apoio do seu povo através da luta.

De fato, não havia mecanismos para forçar o povo coreano a apoiar Kim Il-Sung durante seu governo. Lankov escreve, “Norte-coreanos na era Kim Il-Sung não eram autômatos com lavagem cerebral cujo passatempo favorito era a esquiva (…) nem eram dissidentes retraídos (…) nem dóceis escravos que seguiam ordens de cima como ovelhas” [39]. A RPDC de Kim Il-Sung não foi um estado policial, mas um país democrático e socialista travando valentemente uma guerra contra o imperialismo. O povo coreano foi – e continua – unificado na luta e apoia seus líderes baseados nisso.

Uma pesquisa com desertores estima que mais da metade do país que eles deixaram para trás aprova o trabalho que o líder Kim Jong-Un está fazendo. O Instituto pelos Estudos de Paz e Unificação de Seul, conforme relato da agência de notícias Yonhap, pediu que 133 desertores arriscassem um palpite sobre o índice de aprovação real de Kim no país, que pelo menos publicamente é vendido como um absoluto culto à personalidade em torno da liderança. Pouco mais de 60% disseram que a maior parte do país está apoiando ele. Em uma pesquisa similar em 2011, apenas 55% acreditavam que o pai e predecessor de Kim, Kim Jong-Il, tinha o apoio da maioria do país.

Como escreve a BBC:

Especialistas atribuem a popularidade de Kim Jong-Un aos esforços para melhorar a vida cotidiana dos cidadãos, com ênfase no crescimento econômico, indústrias leves e agricultura num país onde se acredita que a maioria tem falta de comida, diz Yonhap. Não há pesquisas de opinião no estado comunista fechado, onde – pelo menos externamente – o líder goza de apoio total e barulhento. Embora não seja diretamente comparável, o índice de aprovação percebido supera o dos líderes ocidentais. Uma pesquisa recente da McClatchy sugeriu que apenas 41% dos americanos apoiavam o desempenho do presidente Barack Obama, enquanto o primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, marcou 38% numa pesquisa recente do YouGov.” [40]

O Wall Street Journal, citando a pesquisa, diz que mais de 81% dos desertores disseram que as pessoas estão comendo três refeições por dia, acima dos 75% da amostra anteriormente pesquisada.

Isso aponta para uma bem-sucedida consolidação do poder do jovem líder, que assumiu com a morte do seu pai, Kim Jong-Il, em dezembro de 2011. Isso parecia incerto há um ano, ao menos com base no relatório anterior do instituto sobre as entrevistas com desertores. Ao falar então com 122 pessoas que fugiram da Coreia do Norte entre janeiro de 2011 e maio de 2012, encontrou que 58% estavam descontentes com a escolha do jovem Sr. Kim como sucessor. (Obviamente, pessoas que fugiram do país tendem a ser mais insatisfeitos com isso do que as pessoas que ficaram)

O novo líder parece estar se esforçando mais, com 45% dizendo que a sociedade está sob rígido controle, contra 36% no relatório anterior. Panfletos antirregime e grafite são um pouco menos comuns (mas talvez isso seja o alto índice de aprovação no trabalho): 66% do último grupo disse ter visto essas coisas, abaixo dos 73% na pesquisa de 2012 e 70% na de 2011. Viajar para outras partes do país ficou mais difícil. A porcentagem dos que relataram ter feito isso, após subir por cinco anos seguidos – para 70% dos desertores entrevistados em 2012, de 56% entre os entrevistados em 2008 – recuou para 64%. [41]

Conclusão

A mídia burguesa continua a retratar a RPDC como um pesadelo totalitário, povoado exclusivamente por uma cidadania pacificada e amedrontada. Como eu demonstrei, esse está longe de ser o caso. O povo norte-coreano tem muito mais voz sobre como suas vidas são estruturadas do que cidadãos até dos países capitalistas mais “democráticos”. Eles não são forçados a aderir à linha do Partido transmitida de cima para baixo, mas são incentivados a participar na administração da sociedade. A RPDC é um excelente exemplo de socialismo, focado no desenvolvimento da classe trabalhadora – e da humanidade – em todo o seu potencial. É somente através do socialismo que poderemos realizar nosso sonho coletivo de uma sociedade livre e próspera. A RPDC está marchando em direção a esse sonho, mesmo diante de uma agressão imperialista sem paralelo. É em parte nessa base que devemos prestar solidariedade com o país. Para reiterar o argumento que fiz na última postagem, a RPDC deve ser apoiada, independentemente dela ser socialista. Ela está de pé contra o imperialismo, que é o maior inimigo do socialismo. Direta ou indiretamente, a RPDC trabalha no interesse do socialismo.

Tirem as mãos da RPDC!

Notas

http://www.aljazeera.com/news/2015/07/local-elections-north-korea-bring-change-150718180133222.html

https://www.merriam-webster.com/dictionary/democracy

http://wayback.archive.org/web/20120303054935/http://www.asgp.info/Resources/Data/Documents/CJOZSZTEPVVOCWJVUPPZVWPAPUOFGF.pdf

https://www.usnews.com/news/blogs/data-mine/2014/01/09/let-them-eat-cake-members-of-congress-14-times-more-wealthy-than-average-american

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