Para Antônio Marcelo Jackson, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (MG), esse rol de políticos inclui o presidente Jair Bolsonaro, que, segundo o especialista, conseguiu ser eleito e se mantém no poder se utilizando da propagação de fake news.
“Bolsonaro, assim como outros candidatos, foi eleito a partir das fake news, isso é um fato. Ora, se você tem um candidato que é eleito graças a isso, é claro que esse sujeito, já eleito, vai fazer de tudo para que não exista uma legislação que combata as fake news. Afinal de contas, ele vive disso. Se acabarem as fake news, acaba Jair Bolsonaro”, afirmou o cientista político.
Jackson lembra um episódio ocorrido durante a campanha de 2018, após uma manifestação capitaneada pelas mulheres contra o então candidato do PSL.
“Uma das situações mais grotescas, que beneficiou a candidatura de Bolsonaro, foi quando existiu uma manifestação de mulheres em várias cidades e a rede de fake news divulgou imagens completamente falsas, dizendo que era dessa manifestação, que na realidade era uma manifestação de empoderamento feminino, a respeito dos direitos das mulheres. E aí, nas fake news, foram colocadas imagens falsas, de situações completamente fora do bom senso da vida pública, pessoas urinando na rua, pessoas claramente drogadas, imagens completamente falsas”, recordou.
Projeto de lei discute fake news
Um projeto de lei que tem por objetivo evitar a propagação das fake news em redes sociais e aplicativos de mensagens foi aprovado recentemente na Senado, e agora entrará em pauta na Câmara. O presidente Jair Bolsonaro, porém, antecipou que deverá vetar alguns trechos do texto. Críticos da lei argumentam que ela pode ferir a liberdade de expressão.
Além disso, existe uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito em andamento no Congresso para apurar a disseminação de notícias falsas por perfis e pessoas ligadas ao governo.
“Temos um elenco de políticos que foram eleitos a partir dessa coisa chamada fake news. Então, evidentemente, isso é uma coisa que provoca uma celeuma tremenda. Por um lado, tem um grupo de políticos, que chamaria de tradicionais, no melhor sentido do termo, que querem representar, de algum modo, algum segmento da sociedade, que pode ser à esquerda, ao centro ou mesmo à direita, e que veem outros sendo eleitos a partir de elementos completamente absurdos e falsos”, afirmou Marcelo Antônio Jackson.
Fake news não começou em 2018, diz cientista político
O também cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), diz, por outro lado, que a produção de notícias falsas com objetivos eleitorais não começou em 2018 e não se limita aos grupos bolsonaristas.
“A desinformação e as fake news são produzidas por diversos segmentos políticos. No caso do Brasil, desde a eleição de 2014 já se tinha isso. A candidata Marina Silva ficou bastante marcada naquela campanha por [ser vítima] uma campanha de desinformação e de ataques via redes sociais”, afirmou à Sputnik Brasil.
A questão não está em pauta apenas no Congresso. Há ainda o inquérito do Supremo Tribunal Federal para apurar a existência de uma rede de notícias falsas que tem como alvo ministros da Corte. Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem previsto julgamento sobre o uso das notícias falsas durante a campanha de 2018, que pode até mesmo resultar na cassação da chapa de Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão.
‘Diálogo entre diferentes forças políticas’
Para Ismael, dada a abrangência e importância da questão, é importante o Congresso legislar sobre o tema, mas a lei das fake news não deve seguir a “linha de censurar redes sociais”.
“O presidente pode manifestar contrariedade com relação a um ou outro ponto e até vetar eventualmente, mas é preciso haver um entendimento. O Congresso já mostrou em diversas ocasiões que, mesmo que o presidente venha a vetar, ele derruba, e a lei termina sendo implementada de acordo com a versão que o Congresso deseja. O que se espera nesse momento é um diálogo entre as diferentes forças políticas, ou seja, que essa questão seja tratada de forma suprapartidária”, opinou o especialista.
Como último capítulo do imbróglio, o Facebook anunciou que desativou da rede social e do Instagram uma série de perfis ligados a gabinetes da família Bolsonaro e ao PSL. Segundo a empresa, os perfis eram falsos ou tentavam dissimular sua autoria.
‘Transparência’ sobre critérios
Segundo Ismael, o Facebook acabou se “antecipando” à própria lei em discussão no Congresso, que cobra autorregulamentação das redes sociais. O cientista político, no entanto, frisa que é preciso “transparência” e tratamento “igualitário” para todos.
“Cabe ao Facebook dar transparência a quais são os critérios que adotou ou passou a adotar para eliminação de perfis, para que não haja suspeita de que o Facebook está fazendo isso de forma enviesada”, afirmou Ricardo Ismael.