Uziel Santana, que já foi presidente da Anajure, coordena pré-campanha de ex-ministro de Bolsonaro entre os religiosos
Por Mariama Correia, Matheus Santino
Uziel Santana parecia conduzir um culto. No palco, pediu que todos abaixassem a cabeça em sinal de reverência e fez uma oração. Com voz moderada, rogou por bênçãos para o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro, Sergio Moro (Podemos), durante evento de pré-campanha em Fortaleza (CE), no último dia 7. Cerca de 300 pastores e lideranças evangélicas, reunidas no auditório do edifício empresarial BS Tower, responderam à prece com entusiasmados “aleluias” e “glórias a Deus”.
Na Bíblia, Uziel quer dizer “força de Deus”. Na prática, ele coordena os esforços de Moro para conquistar os disputados votos dos evangélicos, que foram parte das principais bases eleitorais de Bolsonaro, mas andam demonstrando insatisfação. Quase 40% dos evangélicos, quatro em cada dez entrevistados, por pesquisa do Poder360, realizada em janeiro deste ano, consideraram o presidente ruim ou péssimo.
Uziel está entre os cristãos da base bolsonarista que desembarcaram do governo. O presbiteriano discreto, de formação batista, é um advogado bem articulado nos bastidores políticos. Em 2012, fundou a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), entidade que faz lobby pelo avanço de agendas conservadoras no Legislativo, no Executivo e no Judiciário brasileiros. Mas Uziel também pode ser apresentado de outras maneiras. Uma delas é como um professor sergipano de direito envolvido em imbróglios acadêmicos, incluindo um procedimento para reposição ao erário por um doutorado não concluído e uma disputa de cargo que resultou em representação ao Ministério Público Federal (MPF) para investigação de supostas irregularidades.
Uziel, o bandeirante
Uziel se licenciou da presidência da Anajure em dezembro passado para assumir a coordenação da pré-campanha de Moro entre os evangélicos. A associação de juristas evangélicos é o legado de um movimento que ele começou em 2007, junto com os paraibanos Ênio Pereira (advogado e diretor financeiro da Anajure) e Valter Vandilson (pastor que presidia a Aliança das Igrejas Evangélicas Congregacionais). O sergipano era uma espécie de “bandeirante do movimento”. Percorria o país para divulgar o grupo de juristas cristãos que estava se formando e dizer quais eram seus planos para o Brasil e para a defesa das igrejas. A estratégia incluía tanto ações preventivas ao que denominam como perseguição contra os valores cristãos, como pareceres jurídicos em casos como união de casais homoafetivos para mostrar “‘um movimento de resistência’ contra a desconstrução do ethos (conjunto de costumes) judaico-cristão”.
Somente em 2012, a associação foi formalizada. O evento de lançamento aconteceu no Congresso Nacional, com amplo apoio da Frente Parlamentar Evangélica e ajuda da ministra de Direitos Humanos, Mulher e Família, Damares Alves, do ex-senador Magno Malta (PR) e do ex-deputado federal Arolde Oliveira, fundador do grupo MK de comunicação, uma das maiores empresas gospel do país, que faleceu em 2020 por covid-19. “Uziel foi alçado à presidência da Anajure por ser uma figura que trafega entre os gabinetes de deputados e por pautas ligadas às questões identitárias e morais”, explica o pesquisador de religião e direito do Instituto de Estudos da Religião (Iser) João Luiz Moura.
Logo, a cosmovisão cristã (visão cristã no mundo) no campo jurídico, defendida pela Anajure, ganhou importantes patrocinadores para suas cruzadas, entre eles a Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, onde Uziel é professor convidado. Considerada por alguns pesquisadores de religião e política como um centro de formação do pensamento jurídico cristão conservador no país, a Mackenzie também forneceu quadros para o governo Bolsonaro, como o coordenador da Capes, que foi reitor da Mackenzie, Benedito Guimarães Neto, exonerado em abril do ano passado. Nomes como o jurista ligado ao Opus Dei Ives Gandra Martins e o advogado Thiago Rafael Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, passaram por lá.
Uziel e a Anajure também têm atuação internacional. Nova York e Washington DC, Paris, Inglaterra, Líbano, Chile, Costa Rica, El Salvador, Jordânia, Buenos Aires, Alemanha, Coreia do Sul e Portugal são algumas das viagens de trabalho registradas no Instagram de Uziel. A associação chegou a pleitear status consultivo na Organização das Nações Unidas (ONU), mas foi barrada. Depois da eleição de Bolsonaro, Anajure e Uziel ganharam prestígio. Somente entre 2019 e 2020, Uziel foi recebido pelo presidente no Palácio do Planalto; se reuniu com o ministro da Educação, Milton Ribeiro, para falar sobre projetos educacionais no Brasil, e com a ministra Damares e teve duas reuniões no Ministério da Justiça e Segurança Pública, uma delas com André Mendonça, que substituiu Sergio Moro.
Mendonça, que é pastor presbiteriano, foi escolhido no ano passado como o ministro “terrivelmente evangélico” prometido pelo presidente para vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Sua candidatura para o cargo teria sido indicada pela Anajure. A associação teria sido consultada na indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, e da advogada eleitoral Maria Cláudia Bucchianeri para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “É uma entidade que funciona como ‘Estado ampliado’, ou seja, um braço do Estado que concretamente não é circunscrito no campo estatal, mas defende interesses do Estado”, diz o pesquisador João Moura.
O estremecimento com o governo Bolsonaro começou quando Uziel criticou publicamente o deputado federal e pastor Marco Feliciano (Republicanos-SP), quando este assumiu a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, sob fortes protestos da comunidade LGBTQIA+, por suas declarações homofóbicas. “Os valores do cristianismo foram reduzidos a um tema: a luta contra o movimento gay. Isso está certo?, questionou Uziel na época. O desentendimento provocou o afastamento de Damares da Anajure.
“Ao invés do natural apoio que esperava, acabei recebendo críticas do senhor Uziel Santana”, disse Feliciano à Pública. “Esse senhor veio de um ostracismo social. Talvez por ser alguém inexpressivo no meio evangélico, quando teve oportunidades de se mostrar realmente um irmão, deixou de se portar como os que desde a igreja primitiva, através do sinal do peixinho, ‘compravam’ todas as brigas dos irmãos, optou por se portar como sectário. Desejo a ele um bom ano político”, provocou o líder do governo Bolsonaro na Câmara.
Feliciano disse ainda que Uziel é responsável por uma cisão dentro da Anajure. O grupo dissidente teria formado o IBDR — Instituto Brasileiro de Direito e Religião, que tem os juristas e militantes antiaborto Ives Gandra e sua filha, a secretária da Família de Damares, Angela Gandra, na direção. Por e-mail, o IBDR negou que seja uma organização dissidente da Anajure.
Lobby conservador sob a bandeira da liberdade religiosa
No ano passado, em plena pandemia, Uziel ganhou espaço no noticiário ao apresentar um pedido pela liberação dos cultos no STF. Desde o começo das contaminações por covid-19, a Anajure faz lobby contra o fechamento das igrejas para conter o avanço do vírus, usando como argumento a liberdade religiosa e de culto. Essa é uma das principais bandeiras de Uziel, e o STF é seu campo de batalha.
Desde sua fundação, a Anajure tem participado de julgamentos na Corte, muitos deles relacionados às chamadas pautas de costumes. Apenas no ano passado, a associação de juristas evangélicos fez cinco peticionamentos e atuou em 14 processos no STF — metade como amicus curiae (amigo da corte), sendo boa parte deles relacionados a questões de gênero. Também em julgamentos sobre ensino religioso em escolas públicas, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.439, de 2010. Há ainda petições para ingresso como amicus curiae em projetos que tratam da exigência de passaporte vacinal nos templos e proibição do uso de linguagem neutra.
Em um Estado laico, a Anajure usa a bandeira da liberdade religiosa e da defesa do estado democrático de direito para advogar por agendas cristãs conservadoras, diz o pesquisador do Iser. “A lógica é: se o Estado não pode tutelar liberdades de crença, também não pode me dizer que preciso aceitar relacionamentos homoafetivos”.
Ao falar contra a descriminalização do aborto, Uziel escolhe falar pelos direitos do feto, que para ele possui dignidade humana e direitos fundamentais. A homofobia é abordada do ponto de vista da liberdade de expressão. Em uma entrevista para a Revista Cristianismo Hoje, em 2015, ele disse que a lei anti-homofobia criou “enorme insegurança jurídica”. “Não afeta apenas a liberdade dos religiosos, que podem ser tolhidos de manifestar sua opinião sobre a homossexualidade de acordo com seus princípios de fé. O que vier a se tipificar como discriminação contra gays pode afetar também o trabalho e a independência de opinião de professores, pesquisadores, historiadores, jornalistas… Hoje, é o crime de homofobia. Amanhã, o que será tipificado? O crime de opinião?”.
Doutorado não concluído, reposição de valores ao erário da UFS e acusações de lawfare
O coordenador da campanha de Moro é professor concursado do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Sergipe (UFS), ensinando direito no campus de Itabaiana desde 2006. Em 2008, ele se afastou para fazer doutorado em direito na Universidad de Buenos Aires, recebendo proventos integrais da UFS. A formação deveria ter terminado em 2012, mas até agora não foi concluída.
A questão veio à tona no ano passado, quando Uziel enviou um requerimento à universidade solicitando a remoção interna para ocupar uma vaga no Departamento de Direito, aberta pela aposentadoria de um docente. A vaga, no entanto, já seria preenchida pelo professor Ilzver de Matos Oliveira, doutor aprovado em segundo lugar geral e primeiro em cotas raciais no concurso do departamento em 2019.
Os relatórios do processo, aberto pelo pedido de remoção, registram a “condição irregular dentro do quadro docente” pela não conclusão do doutoramento. Os documentos mostram que, em abril de 2015, uma portaria da UFS fixou 25 de dezembro daquele mesmo ano como “prazo improrrogável” para que Uziel concluísse o doutorado, mas o prazo não foi cumprido e, segundo informado pela UFS, um processo administrativo de reposição de valores ao erário foi aberto.
O Currículo Lattes do advogado mostra um doutorado em história do direito em curso. A formação, com projeto para estudar liberdade religiosa, teria começado em 2015 na École de Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) de Paris, com orientação do professor Paolo Napoli. Em resposta à Pública, o professor Paolo negou que esteja orientando Uziel, com o qual teve um último contato em dezembro de 2013. “Ele havia pedido para seguir em supervisão conjunta com o professor Abelardo Levaggi da Universidad de Buenos Aires, em sua tese de doutorado, cujo rascunho me mostrou. Formalmente, ele nunca se matriculou na EHESS sob minha direção.”
Procurada pela reportagem, a Universidad de Buenos Aires não informou sobre a situação acadêmica de Uziel, mas o professor Abelardo Levaggi, listado como co-orientador no Lattes do ex-presidente da Anajure, informou que “perdeu o contato com ele há tempos” e que está afastado do campus. A UFS não deu detalhes sobre o processo administrativo, que não pode ser acessado pelo sistema de informações acadêmicas da universidade porque está em meio físico, mas informou que “o professor está ressarcindo os salários que recebeu durante o afastamento”.
A reportagem da Pública tentou uma entrevista com Uziel, mas ele cancelou a agenda. Por nota, a Assessoria do Núcleo Evangélico de Moro informou que o professor está em dia com suas obrigações na UFS e que ainda está matriculado no doutorado. “Sobre o doutorado, devido ao seu engajamento em projetos humanitários e de refugiados nos últimos anos, suspendeu o doutoramento durante certo tempo. Atualmente, encontra-se devidamente matriculado na Facultad de Derecho da Universidad de Buenos Aires, onde concluiu todas as disciplinas do doutoramento, estando em processo de depósito da tese.” A reportagem pediu confirmação da Universidad de Buenos Aires, mas não recebeu informações.
Um pedido de providências entregue ao Ministério Público Federal (MPF), com assinatura de 60 entidades, diz que o professor se afastou das atividades da universidade para assumir cargos de assessor parlamentar na Câmara dos Deputados, de 2017 a 2020, trabalhando para os deputados Leonardo Quintão, Roberto Lucena e Eli Borges. Quintão ajudou a fundar, na Câmara, a Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária, da qual a Anajure é membro. Ele e o deputado Lucena investiram meio milhão de reais de emendas individuais do Orçamento da União na criação da frente, que pretende “inserir o Brasil no contexto internacional da liberdade religiosa”. Quintão apresentou um projeto de lei (PL) que instituía o Estatuto Jurídico da Liberdade Religiosa no Brasil, no qual questionava, entre outras coisas, “limitações quanto ao exercício da liberdade religiosa das comunidades indígenas, mesmo que sob a justificativa de manutenção das tradições locais”. A proposta não prosperou.
Esse mesmo documento cita que o relator do processo de remoção teria informado em reunião, no dia 27 de julho, que “Uziel não dá aula na UFS há dez anos”. O ex-presidente da Anajure disse, por e-mail à reportagem, que a afirmação é “fake news”. Ele enviou uma declaração do diretor de departamento pessoal da universidade, que atesta seu retorno às atividades após o afastamento para realização do doutorado.
Até agora, o professor Ilzver continua impedido de assumir o cargo. Ele acusa a universidade de racismo e diz que houve flagrante descumprimento de normas constitucionais. A técnica de Educação da UFS Mariarosse Nascimento publicou uma nota afirmando que o doutorado não foi concluído e cobrando esclarecimentos de Uziel. “É preciso destacar aqui que se trata de um (Ilzver) candidato negro, candomblecista e estudioso de direitos humanos e das religiões de matriz africana. O professor Uziel tem algo a explicar à sociedade sergipana e à sociedade acadêmica”, escreveu. Ela hoje responde a processo movido pelo professor por calúnia e difamação e, por temer represálias, não quis dar novas declarações.
Entidades denunciaram que discriminação racial e intolerância religiosa fizeram o professor doutor concursado Ilvzer ser preterido depois de anunciado por unanimidade para a vaga. “Mostrou-se que o interesse seria, em tese, para evitar que um professor candomblecista tomasse posse na mesma instituição que ele”, argumenta Daniel Hilário, da Associação Juízes para a Democracia, uma das signatárias. Daniel aponta ainda que o caso pode ser interpretado como lawfare, ou seja, o uso das leis como arma para atingir um objetivo político social. Entretanto, o parecer do relator do processo de remoção movido por Uziel informou que “não foi encontrada dentro das 603 páginas estudadas neste processo nenhuma evidência, expressão, acusação, palavra, termo ou qualquer outro indício de preterição ou discriminação ao candidato Prof. Ilzver de Matos Oliveira por fatores de sexo, raça, motivação político-partidária ou credo”.
Mesmo assim, 60 organizações, inclusive movimentos antirracistas, apresentaram um pedido ao MPF, em agosto do ano passado, para que o órgão investigue o caso e adote providências para “reparar possíveis infrações, ilegalidades e lesões aos princípios da administração pública e ao erário que tiveram como agente o docente Uziel Santana dos Santos”.
O MPF não confirmou o andamento das investigações, nem se elas miram diretamente Uziel ou apenas a conduta da UFS, mas informou que o procedimento instaurado corre em sigilo. Uziel recorreu à Justiça Federal, onde conseguiu uma decisão favorável, determinando que a universidade se abstenha da convocação de Ilzver.
Por e-mail, o Núcleo Evangélico de Moro disse que as acusações de lawfare, racismo e intolerância religiosa são fake news. O professor destacou que “o Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, em deliberação colegiada do Processo Administrativo nº 23113.011540/2021-41, que trata de remoção interna, julgou favoravelmente o pleito do Prof. Uziel Santana, por ampla maioria, determinando a publicação do edital de remoção. A parte contrária, o candidato Sr. Ilzver de Matos, recorreu a uma instância superior, que, politicamente, decidiu a favor dele, desconsiderando os elementos técnicos do processo. O professor Uziel Santana recorreu ao Poder Judiciário e recebeu decisão favorável no Processo nº 0804048-66.2021.4.05.8500, confirmado em grau de recurso no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, através do julgamento liminar de dois agravos de instrumento interpostos pela defesa de Ilzver de Matos e MPF (Agravo 0810401-14.2021.4.05.0000 – Agravo nº 0810248-78.2021.4.05.0000”.
O ‘match’ com Moro
“Eu conheci Sergio Moro anos atrás quando eu ainda era professor da universidade, ele também, juiz”, disse Uziel durante o encontro com pastores em Fortaleza, apresentando o chefe como um “homem sincero” e um “conservador democrata”. Em 2017, Moro e Uziel estiveram juntos quando o advogado coordenou um curso de ferramentas de compliance e combate à corrupção, com módulos no Recife e em Coimbra (Portugal). Sergio Moro e sua esposa, Rosângela Moro, estavam entre os docentes e foram recebidos com protestos dos alunos na universidade portuguesa, que contestavam a atuação do juiz da Operação Lava Jato, em Curitiba (PR). Uziel partiu em defesa de Moro.
Quando Moro entregou o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, em 2020, Uziel e a Anajure iniciaram seu afastamento do governo. “A saída de Moro precipitou o desembarque de uma parcela da direita que ajudou a eleger Bolsonaro, mas que não se identifica com o espectro mais violento que ele representa. Moro representa o grande capital liberal internacional, uma direita que se identifica com a defesa de direitos humanos, em certa medida. Então, Moro e Uziel vão formar uma dupla perfeita”, explica o pesquisador de religião e direito do Iser João Luiz Moura.
O advogado já chamou Bolsonaro de traidor dos evangélicos por “abandonar o combate à corrupção, sabotando o pacote anticrime proposto por Moro”, deixar de lado pautas cristãs como o ensino doméstico (homeschooling) e por falhar no combate à pandemia. É na aproximação de figuras arrependidas do bolsonarismo, como ele, que Uziel tem apostado suas fichas como coordenador da pré-campanha para os evangélicos. Na capital cearense, o palanque religioso foi armado com ajuda de lideranças locais como o senador Eduardo Girão (Podemos), que, embora seja da base governista, próximo a Damares e a figuras como Mayra Pinheiro, conhecida como “capitã cloroquina”, foi o principal anfitrião da visita de Moro ao Ceará. Girão é um dos principais militantes antiaborto do Congresso.
O ex-presidente da Anajure vem falando contra comícios em igrejas e apoios massivos, mas já realizou aproximações do presidenciável com pastores de grandes denominações como RR Soares, à frente da Igreja Mundial da Graça de Deus, e com o apóstolo Estevam Hernandes, da Renascer. Uma aproximação com Edir Macedo, da Universal, estaria nos planos, mas o presidente do Republicanos, partido ligado à igreja, Marco Pereira, negou qualquer arranjo nesse sentido.
A Universal vem se mostrando insatisfeita com o governo Bolsonaro, que não conseguiu resolver a crise dos pastores em Angola nem mesmo com a ida do vice-presidente Hamilton Mourão ao país. O ex-presidente Lula (PT) e Moro estão na disputa pelos eleitores da igreja de Macedo, que, em janeiro deste ano, publicou um texto com cinco motivos que mostram que é impossível ser cristão e ser de esquerda.
“Uziel também deve usar o trânsito entre os evangélicos históricos, como batistas e presbiterianos, para articular votos para Moro, que também se aproxima dessa parcela dos evangélicos via Deltan Dallagnol, que é batista”, considera João Moura. O ex-presidente da Anajure vem falando sobre “democratizar o acesso a verbas públicas para igrejas que fazem trabalhos de assistência social”, como as comunidades terapêuticas, sejam eles grandes líderes em São Paulo ou um pequeno pastor no interior de Sergipe. Há também tentativas de diálogo com evangélicos jovens, como o influencer Yago Martins, que apoiou Bolsonaro e recebeu Moro em uma live. Yago tem quase 200 mil seguidores no YouTube. “Estão investindo na insatisfação do povo pobre e evangélico, não apenas em figurões como Silas Malafaia”, avalia Moura. “Resta saber se as articulações fora dessa hegemonia evangélica podem fazer Moro ganhar capilaridade.”
Entre os pastores convidados para o evento de Fortaleza, transmitido no Instagram do Podemos Ceará, havia lideranças de igrejas tradicionais, Assembleias de Deus e neopentecostais que ajudaram a eleger Bolsonaro. Para se aproximar das lideranças, Moro fez questão de dizer que estudou em um colégio católico. Ele leu uma carta de princípios cristãos em que assume 14 compromissos de campanha, entre eles estão a defesa da liberdade religiosa, o não avanço da descriminalização do aborto, o combate à sexualização precoce de crianças e a imunidade tributária das igrejas.
“Se essas palavras foram escritas na pedra é porque certamente o Senhor os inspirou a fazer assim”, disse Uziel, em comparação exagerada do documento com os Dez Mandamentos bíblicos. Um pastor que estava na plateia, mas preferiu não se identificar, recebeu o convite do presidente local do Podemos, Fernando Torres. Ele votou em Bolsonaro nas últimas eleições, mas disse estar aberto a ouvir outros candidatos e elogiou a iniciativa do ex-juiz. Sentiu falta, no entanto, de propostas mais concretas. “Teve gente que gastou uma passagem para vir do interior. O pessoal queria ouvir coisas que realmente vão ajudar os pastores a fazerem seu trabalho.” Responsável por uma congregação pequena que faz trabalhos sociais na periferia de Fortaleza, o pastor também notou a ausência de líderes de congregações maiores na plateia, como a Universal do Reino de Deus. “Se querem conquistar mesmo os evangélicos, têm que articular com as grandes lideranças.”
Fonte: Agência Pública