Quanto vale uma vida? A morte por um real.

Homem que trabalha ao lado do local onde a moradora de rua foi executada se espantou com a frieza do atirador. Polícia reafirma que versão apresentada pela defesa é “fantasiosa”

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“Eu chegava para trabalhar e vi quando ela parou perto dele e pediu um dinheiro. Quando eu virei, eu só vi ele pegando a arma e disparando contra ela. Em seguida, foi embora como se nada tivesse acontecido. Ele matou com a maior naturalidade e como se ela fosse um bicho”.

O depoimento acima é do chapeiro Miguel Ângelo Pessanha, de 40 anos, que trabalha ao lado do local onde a moradora de rua Neia foi executada na manhã do último sábado (16). Ele chegava para trabalhar quando tudo aconteceu.

Zilda Henrique dos Santos Leandro, de 31 anos, conhecida como Neia, foi assassinada na rua Barão de Amazonas em Niterói (RJ). Segundo a polícia, Neia abordou o comerciante Aderbal Ramos de Castro, que passava pelo local, pedindo R$ 1 para comprar pão. Aderbal não gostou de ser importunado e matou a mulher.

Aderbal foi detido nesta terça-feira (19) após policiais terem acesso às imagens de câmeras de segurança do local. Ele foi autuado por homicídio qualificado por motivo fútil. A advogada do comerciante afirma que ele “apenas” reagiu a uma tentativa de assalto.

“Ele apenas se defendeu de um assalto. Como ele já tinha sido vítima de assalto antes e a pessoa já chegou gritando, ele receoso e de impulso reagiu para não ser assaltado”, disse a advogada Daniela Lopes.

A defensora disse ainda que “Aderbal tem, sim, porte de arma; ela é legalizada e tudo direito”. No entanto, a Polícia Civil afirmou que o homem não tinha autorização para portar arma.

Fantasia

“A investigação apurou que a vítima estava nas ruas pedindo esmola. Ela chegou perto dele, abordou, ele recusou e caminhou por mais alguns passos. Ela foi acompanhando a certa distância e insistindo nesse sentido. Ele de súbito sacou o revólver, deu dois tiros nela e seguiu seu caminho”, relatou o delegado Bruno Reis.

A Polícia Civil afirma que o homem tinha autorização para ter uma arma de fogo em casa. No entanto, ele não poderia andar com ela nas ruas. “Ele confirmou que mantinha aquela arma em casa, mas que, naquele dia, decidiu levá-la ao trabalho”, disse o investigador.

A advogada de defesa afirmou que, além de Neia, havia outros pedintes no local que teriam feito com que Aderbal se sentisse ameaçado. “As imagens não conseguem pegar todo o entorno da rua e não dá para ver quantas pessoas estavam ali. Fiquei sabendo que várias pessoas chegaram até ele para tentar pedir dinheiro”, disse a defensora.

A polícia garante que a versão da defesa é fantasiosa. “Chegamos até ele utilizando o sistema de câmeras da Prefeitura de Niterói. Refizemos todo o trajeto dele. Foi tudo muito próximo do local. Ele mora e trabalha ali naquele entorno do Centro. É fantasiosa a história que ela [Neia] estava com outras pessoas para tentar assaltá-lo”, rebateu o delegado.

1 Real

Na manhã desta quarta-feira (20) a irmã de Neia esteve na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Aos prantos, ela pediu justiça pela execução da irmã.

“Minha irmã só pediu R$ 1 para comprar pão. Ele ficou de graça, dizendo que iria dar um tiro nela. Minha irmã falou que duvidava e foi atrás dele. Foi quando ele atirou”, disse.

“Por conta de R$ 1 ele tirou a vida da minha irmã. Eu não me conformo com o que esse homem fez com a minha irmã. Ele não pode ficar impune. Ele tem que pagar pelo que ele fez. Nossa família está arrasada”, lamentou.

Funcionários de comércios próximo onde Neia foi morta contam que era comum a moradora em situação de rua passar pela região. Segundo essas pessoas, a vítima nunca abordava de forma violenta pedestres e motoristas.

O educador físico Paulo Menezes, de 34 anos, mora na rua onde o crime aconteceu. Segundo ele, alguns moradores de rua ficam na região. No entanto, eles não abordam agressivamente os pedestres.

“Eles são super educados, não mexem com ninguém, ficam na deles. Muitos nem contribuição pedem. Eu que, geralmente, desço e ajudo com alguma coisa”, disse.

Repercussão

O assassinato bárbaro de Neia repercutiu nas redes sociais. “Esse sujeito que carregava uma arma de fogo se sentiu legitimado a matar. Na mente dele, ele tinha a certeza de que não seria punido porque estava tirando a vida de uma pobre coitada, um ser humano que ele, certamente, considera inferior. Higienismo social puro”, observou Letícia Santos.

“Isso aí é cidadão de bem da tradicional família brasileira, patriota e cristão, que ‘não paga imposto com o suor do seu trabalho pra sustentar vagabundo não’, e que atira primeiro e pergunta depois. Um homem do seu tempo, no vácuo do ‘faz arminha’ e ‘vamu metralhá todu munduuu’. Ainda é capaz de justificar com ‘escusável medo, surpresa ou violenta emoção’”, escreveu Ribuardo Edeiro.

“O que me indigna, me tira a fala, me desanima e entristece, além do cenário catastrófico que vive o Brasil, é que pessoas estão sendo mortas todos os dias nas ruas das grandes cidades, e isso está se tornando comum, banal. Se não morrem de fome, de bala, de veneno, estão morrendo pela indiferença. Não há pior punição que a indiferença, o descaso, a cegueira premeditada. Indiferença mata e está matando como nunca, como bala, como veneno Quem já se sentiu invisível sabe do que estou falando. Dói mais que a fome, que a chaga, que a doença. Se não podemos esperar nada deste desgoverno a não ser higienismo e extermínio, que ao menos não sejamos frios e indiferentes diante da tragédia dos que nada podem. É o mínimo que podemos fazer”, desabafou Anna Zappa.

Do Pragmatismo Político

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