Felipe Coutinho*
Em outubro do ano passado escrevi “Insustentáveis Dividendos Pagos pela Atual Direção da Petrobrás”. [1] Demonstrei que foram a redução dos investimentos, a níveis insuficientes para manter reservas e produção de petróleo, as vendas de ativos rentáveis, estratégicos e resilientes à queda do preço do petróleo e seus preços conjunturalmente altos, que possibilitaram pagamentos de dividendos altos e insustentáveis pela direção da Petrobrás em 2021 e 2022. Aqui reitero essas conclusões a partir do resultado consolidado de 2022.
Redução dos investimentos para maximizar pagamento de dividendos
A Tabela 1 apresenta, em dólares estadunidenses (US$), os Dividendos Pagos e o Investimento Líquido, sendo este último a soma das aquisições de ativos imobilizados e intangíveis, reduções (adições) em investimentos e investimentos em títulos e valores mobiliários, descontado do recebimento pela venda de ativos (desinvestimentos). [2]
Tabela 1: Dividendos Pagos & Investimento Líquido da Petrobrás, em Bilhões US$
Ano Dividendos Pagos Investimento Líquido* Dividendos Pagos / Investimento Líquido*
2005 2,20 9,89 22,24%
2006 3,16 15,51 20,37%
2007 4,22 23,81 17,72%
2008 2,66 22,84 11,65%
2009 8,87 40,62 21,84%
2010 5,65 48,25 11,71%
2011 5,68 37,38 15,20%
2012 3,03 39,03 7,76%
2013 2,47 38,41 6,43%
2014 3,29 27,59 11,92%
2015 0,00 17,69 0,00%
2016 0,07 13,04 0,54%
2017 0,16 10,26 1,56%
2018 0,79 6,18 12,78%
2019 1,99 13,93 14,29%
2020 1,28 4,82 26,56%
2021 13,03 1,57 829,94%
2022 37,30 4,79 778,71%
Em 2021 e 2022 a razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido foi de 804%, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. Ou seja, houve aumento de 64 vezes do pagamento de dividendos em relação ao investimento anual.
Os lucros e dividendos distribuídos hoje, são resultados dos investimentos realizados no passado. É evidente que elevar a distribuição dos dividendos, em detrimento dos investimentos, comprometerá o resultado futuro.
Os números evidenciam que a distribuição de dividendos tem sido desproporcional aos investimentos. Os resultados históricos demonstram que não é possível sustentar tais políticas.
Além de analisar os resultados históricos da Petrobrás é necessário comparar suas políticas de investimentos e de distribuição de dividendos com as de outras grandes companhias petrolíferas integradas.
A Tabela 2 apresenta os dados consolidados de 2022 da Petrobrás e de grandes petrolíferas listadas em bolsas. [2] [3]
Tabela 2: Dados consolidados da Petrobrás e grandes petrolíferas de 2022, em Bilhões US$
Companhia Receita Lucro Líquido Dividendos Pagos Investimento Líquido* Dividendos Pagos / Investimento Líquido*
Exxon Mobil 413,68 55,74 14,94 14,74 101%
Shell 386,20 42,31 7,41 22,78 33%
Total 263,31 20,53 4,36 4,07 107%
Chevron 248,89 -2,49 4,36 13,78 32%
BP 246,25 35,47 10,97 12,08 91%
Petrobrás 122,90 36,09 37,30 4,79 779%
A Petrobrás, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o segundo menor investimento líquido, sendo de apenas 35% em relação à média dos demais.
A relação entre os dividendos pagos e os investimentos líquidos demonstram, de forma cabal, como as políticas da alta direção da Petrobrás são discrepantes em relação a gestão das grandes petrolíferas mundiais. A relação da Petrobrás foi 11 vezes superior à média praticada pelas outras petrolíferas.
Ao analisar o histórico da Petrobrás e os resultados de grandes petrolíferas internacionais é evidente que os dividendos que têm sido pagos pela alta direção da estatal, desde 2021, são realizados em detrimento dos investimentos líquidos e, por este, entre outros fatores, são insustentáveis. No artigo “Insustentáveis Dividendos Pagos pela Atual Direção da Petrobrás” demonstro que os investimentos realizados em 2021 e 2022 são insuficientes para repor as reservas e manter a produção de petróleo da Petrobrás. Assim como, descrevo os preços conjunturalmente altos do petróleo e a venda de ativos rentáveis, estratégicos e resilientes à queda do preço do petróleo que também contribuíram para o pagamento insustentável dos dividendos em 2021 e 2022.
Reafirmo a Conclusão
O objetivo essencial das sociedades de economia mista, como a Petrobrás, não é a obtenção de lucro, muito menos aquele lucro não recorrente e de curto prazo, mas a implementação de políticas públicas. O que legitima a ação do Estado como empresário (a iniciativa econômica pública do artigo 173 da Constituição de 1988) é a produção de bens e serviços que não podem ser obtidos de forma eficiente e justa no regime da exploração econômica privada. Não há qualquer sentido em o Estado procurar receitas por meio da exploração direta da atividade econômica. A esfera de atuação das sociedades de economia mista é a dos objetivos da política econômica, de estruturação de finalidades maiores, cuja instituição e funcionamento ultrapassam a racionalidade de um único ator individual (como a própria sociedade ou seus acionistas). A empresa estatal em geral, e a sociedade de economia mista, em particular, não têm apenas finalidades microeconômicas, ou seja, estritamente “empresariais”, mas têm essencialmente objetivos macroeconômicos a atingir, como instrumento da atuação econômica do Estado. [4]
Dos resultados históricos e comparativos, da Petrobrás e de grandes petrolíferas, permitem-se concluir que a redução dos investimentos, a níveis insuficientes para manter reservas e produção de petróleo, as vendas de ativos rentáveis, estratégicos e resilientes à queda do preço do petróleo e seus preços conjunturalmente elevados, possibilitaram pagamentos de dividendos altos e insustentáveis pela direção da Petrobrás em 2021 e 2022.
* Felipe Coutinho é engenheiro químico e vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Março de 2023
https://aepet.org.br/w3/ https://felipecoutinho21.
Referências
[1] F. Coutinho, “Insustentáveis Dividendos Pagos pela Atual Direção da Petrobrás,” 2022.
[2] Economatica e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
[3] Petrobras, “Demonstrações Financeiras Intermediárias Consolidadas”.
[4] F. Coutinho e G. Bercovici, “Petrobrás é a maior vítima de fake news da história do Brasil,” 2021.