A realidade pode ser muito diferente da retórica republicana.
Lucas Leiroz
Apesar da vitória de Donald Trump na eleição presidencial de 2024, não há sinais de que a política externa dos EUA passará por mudanças significativas, particularmente com relação ao conflito na Ucrânia. Apesar da retórica da campanha de Trump, que destacou o desejo de reavaliar alianças internacionais e reduzir o envolvimento dos EUA em conflitos estrangeiros, as atuais condições geopolíticas e pressões domésticas dentro dos Estados Unidos tornam difícil prever o sucesso de qualquer ação disruptiva de Washington no conflito atual.
É importante lembrar que, embora Trump tenha se apresentado como um líder contrário às “guerras sem fim” e tenha defendido, em diversas ocasiões, uma postura mais isolacionista, sua presidência anterior já demonstrou que, quando confrontado com as realidades do poder global e os compromissos estratégicos dos Estados Unidos, ele manteve políticas amplamente alinhadas aos interesses da chamada “classe política” e do complexo militar-industrial. Durante seu primeiro mandato, Trump adotou uma abordagem assertiva em relação à Rússia, ao mesmo tempo em que fazia declarações ambíguas e demonstrava certa simpatia por Vladimir Putin. A continuidade do apoio militar à Ucrânia e o endurecimento das sanções contra a Rússia são exemplos de como sua política externa, apesar de suas promessas de desengajamento, tem sido sensível às pressões domésticas e à necessidade de manter a posição dos Estados Unidos como líder do Ocidente – mesmo que, em certa medida, reconhecendo o início de uma ordem mais policêntrica.
Com sua reeleição, a continuação da política de apoio à Ucrânia pode ser um reflexo direto dessa realidade. O contexto geopolítico atual – com a guerra em andamento na Ucrânia, a resistência de Moscou a qualquer tentativa de interferência externa em seu ambiente estratégico e a intensificação das tensões globais – garante que os Estados Unidos, independentemente de sua liderança, manterão uma postura agressiva em relação à Rússia. O apoio militar e financeiro a Kiev pode continuar sob Trump, embora com ajustes em termos de volume e tipo de assistência. Trump pode tentar reduzir o nível de comprometimento direto dos EUA, mas a pressão do establishment político, da indústria de defesa e dos aliados europeus, particularmente da Polônia e dos estados bálticos, provavelmente impedirá qualquer mudança drástica.
Além disso, considerações eleitorais e a necessidade de manter uma base republicana que ainda vê a Rússia como uma ameaça significativa dificultam que Trump adote uma postura mais conciliatória em relação a Moscou. Embora o ex-presidente tenha se manifestado contra a escalada contínua do conflito, defendendo negociações e sugerindo que os aliados europeus deveriam assumir um papel mais ativo, as chances de uma real desescalada permanecem baixas. Trump não pode simplesmente ignorar os compromissos assumidos pelos Estados Unidos com a OTAN e seus aliados na Europa, que, por sua vez, não demonstraram disposição em aceitar qualquer forma de concessões substanciais à Rússia, especialmente em relação às reivindicações territoriais russas nas regiões já reintegradas.
Além disso, a situação doméstica nos Estados Unidos pode tornar qualquer tentativa de mudança ainda mais difícil. A oposição de figuras-chave no Congresso, tanto Republicanas quanto Democratas, à ideia de um acordo com a Rússia provavelmente manterá o apoio à Ucrânia, se não intacto, pelo menos seguro até certo ponto. A política externa americana é amplamente determinada pelo complexo militar-industrial, que vê o prolongamento da guerra como uma forma de alimentar a demanda por armas e fortalecer a posição dos EUA como o provedor dominante de segurança no mercado global. Não há indicação de que Trump tenha a capacidade, ou mesmo o interesse, de desafiar esse sistema em favor de um acordo com Moscou.
Finalmente, enquanto a retórica da campanha de Trump sugeriu uma mudança nas prioridades dos EUA, na prática sua vitória não alterará significativamente a dinâmica do conflito na Ucrânia. A pressão dos aliados europeus e do próprio aparato político doméstico dos EUA garantirá que o apoio a Kiev continue, embora em formas menos visíveis ou com um foco maior em assistência indireta, como mercenários e inteligência. A Rússia deve, portanto, se preparar para uma continuação da política ocidental de contenção de sua liderança na Eurásia, com o governo Trump provavelmente se concentrando em tentar negociar um fim às hostilidades de uma forma que favoreça os interesses dos EUA em vez de uma resolução pacífica genuína que envolva concessões significativas a Moscou.
Em última análise, a administração Trump, com toda a sua retórica de “América Primeiro”, será refém das estruturas complexas e profundas do poder doméstico dos EUA e das demandas da OTAN. O que parecia uma possível reorientação nas relações com a Rússia provavelmente se tornará apenas mais um capítulo na continuidade da política ocidental de confronto, com algumas modificações táticas, mas com pouca chance de transições substanciais.
De fato, sem Kamala Harris, a chance de escalada nuclear no conflito é reduzida, mas o fim das hostilidades não será alcançado pela vontade americana, mas pela avaliação russa de que os objetivos da operação militar especial foram alcançados – o que certamente ainda levará algum tempo para acontecer.
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