Na decisão em que autoriza o Ministério Público do Rio de Janeiro a investigar Flávio Bolsonaro, o ministro Marco Aurélio Mello deixou transparecer incômodo com a forma como o processo foi autuado no Supremo Tribunal Federal.
No cabeçalho do processo, aparecem apenas as iniciais do reclamante — F.N.B., de Flávio Nantes Bolsonaro.
“Assento imprópria a autuação. A tônica, no âmbito da Administração Pública, é a publicidade. O sigilo corre à conta de situações jurídicas em que a lei o preveja. Nada justifica lançar, no cabeçalho, apenas as iniciais do reclamante, em razão, até mesmo, da ampla divulgação dada a este processo”, disse ele em seu despacho para, ao final, ordenar:
“Retifiquem a autuação para fazer constar, por inteiro, o nome do reclamante”.
O sigilo continua em relação a dados bancários, mas quem consultar o sistema do STF poderá saber que Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo Tribunal Federal foro privilegiado, o que contraria o discurso do pai de que a família é contra esse tipo de privilégio.
Na parte substancial de sua decisão, Marco Aurélio deu o argumento definitivo para rejeitar o pedido do senador.
“Neste processo, a leitura da inicial revela que o reclamante desempenhava, à época dos fatos narrados, o cargo de Deputado Estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, tendo sido diplomado Senador da República no último dia 18 de dezembro. A situação jurídica não se enquadra na Constituição Federal em termos de competência do Supremo. Frise-se que o fato de alcançar-se mandato diverso daquele no curso do qual supostamente praticado delito não enseja o chamado elevador processual, deslocando-se autos de inquérito, procedimento de investigação penal ou processo-crime em tramitação”, afirmou.
Flávio reclamou que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro estava usurpando competência do Supremo Tribunal Federal, já que ele, ao se eleger senador, só poderia ser investigado com autorização da corte superior.
Ao rebater o argumento, Marco Aurélio lembrou que o Supremo já decidiu esta questão, na ação penal 937, julgada em maio do ano passado. “O instituto (foro por prerrogativa de função) pressupõe delito cometido no exercício do mandato e a este, de alguma forma, ligado”, disse.
O delito (ou delitos) de que Flávio Bolsonaro é suspeito, lavagem de dinheiro, ocorreu antes até de sua candidatura ao Senado.
Se não reverter a decisão, talvez apelando para o pleno do Supremo, Flávio Bolsonaro terá que enfrentar promotores que deram demonstração de que pretendem investigar para valer.
Levando a investigação para a esfera federal, o senador poderia usar a futura nomeação do procurador geral da república como moeda de troca num jogo para abafar o caso.
Raquel Dodge, a atual procuradora, ainda não disse nada a respeito do caso do Coaf, talvez na expectativa de ser reconduzida para o cargo, em setembro deste ano.
O sempre loquaz Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba, também não disse um A a respeito da investigação de seus colegas no Ministério Público estadual do Rio.
A Dallagnol, teria sido oferecida a cadeira de Raquel Dodge, numa articulação do ministro da Justiça, Sergio Moro, seu parceiro nos assuntos da Lava Jato.
Marco Aurélio Mello nunca vai revelar, mas é provável que tenha sido pressionado a tomar decisão diferente no caso de Flávio Bolsonaro.
O despacho mostra que resistiu. Agora é ficar de olho no Ministério Público do Rio de Janeiro, para que a investigação vá fundo.
Fabrício Queiroz é a ponta do iceberg ou o fio do novelo. Foi só puxar um pouquinho que apareceu Flávio Bolsonaro. Puxando mais um pouco, vai aparecer gente ainda mais graúda.
Marco Aurélio cumpriu hoje o que disse logo depois que soube da reclamação de Flávio Bolsonaro. “O Supremo não pode variar, dando um no cravo outro na ferradura. Processo não tem capa, tem conteúdo. Tenho negado seguimento a reclamações assim, remetendo ao lixo”, afirmou à época.
Flávio Bolsonaro vai ter que bater em outra porta para tentar se livrar da investigação.
Do DCM