O lobby é a alma do negócio

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Bolsonaro recebeu Rubens Menin e Douglas Tavolaro no Palácio do Planalto (Foto: Reprodução YouTube)

Apontado no meio empresarial como o “embaixador” do programa Minha Casa Minha Vida, o mais novo barão da mídia, fundador e presidente do conselho da MRV Engenharia, Rubens Menin atua intensamente nos bastidores de Brasília em prol dos seus negócios pelo menos desde 2008, quando participou da elaboração do programa que o transformaria em um dos homens mais ricos do país. Seu mais novo negócio é o canal de notícias CNN Brasil, entre outros seis que carregam seu nome no Brasil e nos Estados Unidos: MRV Engenharia, Banco Inter, AHS Development Group, Urbamais Desenvolvimento Urbano, ABC da Construção, Log Comercial.

Menin sabe o valor da articulação política para defender seus interesses. Entre 2011 e 2014 sua empresa, a MRV, foi autuada cinco vezes por uso de mão de obra em condição análoga à de escravo, com o resgate de 203 trabalhadores em quatro anos. A inclusão da empresa na “lista suja do trabalho escravo” – cadastro divulgado pelo Ministério do Trabalho (MTE) com os nomes dos empresários flagrados pela fiscalização – atrapalhava os negócios: em 2012, por exemplo, a Caixa, uma das maiores repassadoras de recursos do programa do governo federal Minha Casa Minha Vida, suspendeu o crédito à MRV Engenharia por ela ter entrado na lista. No ano seguinte, Menin criou a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), que passou a advogar pelo fim da publicação do cadastro. No final de 2014, por meio de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), a Abrainc conseguiu suspender a divulgação da “lista suja” pelo MTE. Depois de idas e vindas judiciais, o cadastro voltou a ser publicado. No ano passado, a entidade fez mais uma tentativa para derrubar a lista.

A CNN tem um projeto com o lema: “Escravidão não é algo do passado”. O “Freedom Project”, como é chamado, viaja pelo mundo para “desvendar o emaranhado de empresas criminosas que operam na vida humana”. Apesar da bandeira, a relação da empresa de Rubens Menin com o trabalho análogo ao de escravo não foi barreira para que ele conseguisse a licença do canal americano.

Mineiro, o empresário de 62 anos que entrou de cara no ativismo político com o projeto “Você Muda o Brasil”, faz parte do grupo de empresários do estado que está ganhando poder na política. Seu amigo pessoal, Salim Mattar, fundador da Localiza, foi nomeado secretário Nacional de Desestatização, um dos cargos mais importantes da equipe econômica de Bolsonaro, e Romeu Zema, do Grupo Zema, foi eleito governador com apoio dos dois.

A holding da CNN A Novus Mídia, holding que irá controlar o grupo televisivo americano em terras brasileiras, nasceu oficialmente no dia 21 de novembro do ano passado com o nome de “NK 047 Empreendimentos e Participações S/A”, de acordo com informações registradas na Junta Comercial de São Paulo. A companhia só ganhou a identidade e formação atual em 14 de janeiro deste ano – no mesmo dia do anúncio oficial feito por Menin no Twitter. A sociedade é composta pelas empresas Conedi Participações, representando o empreiteiro, Aerroc Participações e Serviços, representando o economista e conselheiro administrativo da MRV Engenharia, Leonardo Guimarães Corrêa, e Autore Produções Eireli, representando o jornalista Douglas Tavolaro, ex-vice-presidente de jornalismo da Record, biógrafo de Edir Macedo e fiel da Igreja Universal do Reino de Deus. Para a diretoria financeira, foi escalada a engenheira Jercineide Pires de Castro, sócia de empresas de mineração, do ramo da construção civil e do agronegócio.

Se forem levados em consideração os interesses e o perfil da diretoria, o novo canal de televisão vai levantar as bandeiras dos grandes empresários – Menin tem compartilhado em seu Twitter nos últimos dias a campanha da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) pela retomada das atividades do setor mineral após o rompimento da barragem em Brumadinho, por exemplo –, ruralistas e da igreja evangélica. Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo, o construtor garantiu que a CNN não vai ser de esquerda ou de direita nem “chapa-branca”.

“Queremos fazer uma boa imprensa. A imprensa pode ser opinativa, não tem nada de errado nisso. Mas não se pode distorcer os fatos. Infelizmente, no Brasil, existem distorções de fatos. Isso é ruim para a sociedade. Vamos ter uma grade igual à da CNN americana, mas tropicalizada. Queremos ser construtivos dentro dos bons princípios éticos morais. Aí dizem: ‘Vai ser chapa-branca’. Mas que chapa-branca o quê! Vou fazer um esforço desse para ser chapa-branca?”, afirmou.

A rede brasileira não tem a obrigação de seguir a linha editorial da americana, que é crítica ao presidente Donald Trump. Na Turquia, por exemplo, a rede adota linha editorial pró-regime de Erdogan, conforme mostrou reportagem da Folha de S.Paulo. A previsão é que o canal inicie sua operação no Brasil no próximo semestre, com uma equipe de 400 jornalistas. A Pública tentou diversas vezes marcar uma entrevista com o empresário Rubens Menin via assessoria de imprensa, mas teve o pedido negado. Também foi feito contato direto com o empresário e sua secretária, que também negaram a entrevista. Ainda foi encaminhada a Menin uma série de perguntas por WhatsApp, mas ele não retornou o contato.

Para enfrentar a Globo Com trânsito na Record e nos meios políticos e empresariais devido à sua proximidade com o bispo Edir Macedo, Douglas Tavolaro foi o produtor executivo do filme Nada a perder, cinebiografia de Macedo – era ele quem captava recursos para a obra que teve a MRV Engenharia como uma das empresas patrocinadoras. Conforme apurou a Pública, mesmo sendo apadrinhado por Macedo, ele era mal visto pelos outros diretores do canal de televisão da Igreja Universal do Reino de Deus por ser o único a não ter o título de bispo. “Por causa disso, ele já estava neutralizado no grupo”, afirmou um funcionário do alto escalão da Record que trabalhou diretamente com o ex-vice-presidente de jornalismo – ele pediu anonimato. “O Douglas queria reformar a redação, não tinha dinheiro. Ele já não conseguia orçamento pra nada. Ele sabia que o ciclo dele ali estava no fim. Ao mesmo tempo, ele se apoiava nessa relação direta com o bispo e no fato de o bispo sempre saber que o jornalismo era o carro-chefe da emissora”, contou.

Tavolaro só se desligou da Record no dia 14 de janeiro, exatamente no dia do anúncio oficial da CNN Brasil. Sua saída, porém, está longe de ser um rompimento com Edir Macedo, de acordo com pessoas que trabalharam com Tavolaro na Record, ouvidas pela reportagem. Nos bastidores, a informação é que a Record e a CNN Brasil têm como objetivo comum unir forças para enfrentar a maior inimiga do bispo, a poderosa TV Globo. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o jornalista negou qualquer relação e disse que seu ciclo na Record é passado. “Meu ciclo na Record terminou, sou extremamente grato, foi ótimo, mas chegou ao fim, é passado”, disse.

Em família Apesar da sociedade com Tavolaro, a CNN nasce no Brasil com a marca dos negócios de Rubens Menin, principal investidor na holding através da Conedi Participações. É uma característica do empreiteiro, por exemplo, manter nas suas companhias, pelo menos, um conselheiro que tenha participação em cargos administrativos em outros negócios do grupo. No caso do canal jornalístico, essa vaga é representada por Leonardo Corrêa, que está na MRV Engenharia desde 2006. Também é uma marca do magnata incluir seus filhos nos negócios, um dos pontos, aliás, em que ele já demonstrou se identificar com o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A Conedi está registrada em nome de Menin e dos seus três herdeiros: Rafael, Maria Fernanda e João Vitor Nazareth Menin Teixeira de Souza.

“A participação da família de forma profissional, legítima e justa é salutar na vida das empresas. Bolsonaro está demonstrando que na política isso também é possível. As palavras-chave são agir de forma profissional e honesta. E isso está claramente acontecendo”, disse Rubens Menin em entrevista ao Correio Braziliense em dezembro do ano passado.

Nessa mesma entrevista, o empresário saiu em defesa dos filhos de Bolsonaro ao afirmar que eles “apresentam comportamento 100% ético”, “que foram eleitos e têm demonstrado grande capacidade de ajudar”, defendeu as nomeações de militares que, na sua avaliação, “são pessoas altamente treinadas, acostumadas ao comando, éticas e que gostam do Brasil”, e disse que a equipe econômica do presidente “é o sonho de consumo de qualquer brasileiro que entende minimamente do assunto”. “Trata-se de um time inegavelmente supercapacitado”, acrescentou o empreiteiro.

A CNN Brasil ganhou a bênção do presidente Jair Bolsonaro em 18 de janeiro. Ao lado de Eduardo, que havia manifestado desconfiança sobre o novo canal no Twitter, Bolsonaro recebeu Rubens Menin e Douglas Tavolaro no Palácio do Planalto para uma reunião. Menin já conhecia Eduardo, conforme afirmou em entrevista ao Estado de S. Paulo, e Tavolaro já havia se encontrado outras vezes com Bolsonaro, desde as eleições. O jornalista foi o responsável por conduzir as entrevistas transmitidas pela TV Record com o então candidato durante a campanha, como a que foi ao ar no mesmo dia em que os outros presidenciáveis participavam de um debate na Rede Globo.

Já para a Rede Globo, as portas do gabinete presidencial foram fechadas. Bolsonaro proibiu o ex-ministro da Secretaria-Geral Gustavo Bebianno de receber o vice-presidente de Relações Institucionais do Grupo Globo, Paulo Tonet Camargo, a quem ele chamou de inimigo. “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro”, ordenou o presidente de acordo com áudio, revelado pela revista Veja, de conversas de WhatsApp entre os dois. E continuou: “Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras?”, perguntou na mesma conversa com Bebianno.

As regras do jogo Para além de afagos e afinidades ideológicas entre o empresário e o presidente, Rubens Menin sabe que o sucesso dos seus negócios depende diretamente de sua relação e influência no governo federal. A MRV é a empresa que mais ganha dinheiro com o Minha Casa Minha Vida. No último trimestre de 2018, por exemplo, a empresa participou de 59% no total de lançamentos das faixas 2 e 3 do programa. De 2008 a 2017, 77,8% dos lançamentos da empreiteira foram dentro do Minha Casa Minha Vida.

A relação de Rubens Menin com o Ministério das Cidades começou em 2008, quando ele recebeu um telefonema da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, conforme revelou à revista Época em 2011, convidando-o para participar de uma reunião no Palácio do Planalto que contou também com a presença da então secretária executiva do PAC, Miriam Belchior, ex-presidente da Caixa, Jorge Hereda e, representando as empresas, Milton Goldfarb (PDG), Wilson Amaral (Gafisa), Elie Horn (Cyrela), Paul Altit (Bairro Novo) e João Rossi (Rossi).

À época, o mercado imobiliário internacional estava soterrado pela crise financeira do subprime e as construtoras brasileiras estavam perdendo dinheiro com a fuga de capitais. O governo assumiu a linha de defesa das empresas, como constatou Bruno Xavier Martins na dissertação de mestrado O programa Minha Casa Minha Vida: a mercadoria habitação a serviço da reprodução do capital em contexto de crise.

“Não só o governo observa as demandas do setor e tenta supri-las na forma de políticas públicas voltadas especificamente à reprodução desse capital dentro das empresas, mas também as empresas participam diretamente no desenho das políticas públicas direcionadas a elas próprias, ajudando a moldar as estratégias de governo e de estado”, destacou o pesquisador em seu trabalho.

Na dissertação consta uma entrevista de Bruno com o então diretor comercial da MRV, Sérgio Paulo Amaral dos Anjos, que confirma a participação da construtora na elaboração das regras do jogo: “O PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida) foi desenhado a várias mãos. Eram reuniões no governo. Me lembro do Rubens voltar e nos relatar: ‘Olha, estamos montando isso, a ideia é essa, o programa tem essa cara’”, disse o diretor da MRV ao pesquisador. Desde então, Menin sempre esteve à frente das reivindicações do setor imobiliário por mudanças no maior programa habitacional que o país já teve. “Normalmente a gente fica sabendo das mudanças do programa Minha Casa Minha Vida antes dela ser oficial” , afirmou à Pública um funcionário da MRV Engenharia que pediu anonimato.

Nas eleições do ano passado, Menin doou R$ 500 mil para a campanha dos ex-ministros das Cidades Bruno Cavalcanti (PSDB-PE) e Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que concorreram a senador e deputado federal, respectivamente. Ele foi o sexto maior financiador de campanha do pleito de 2018: R$ 2,685 milhões para 18 candidatos, além da direção partidária do DEM. Em 2014, apenas dois candidatos foram beneficiados pelo empresário, que doou R$ 45 mil a Rodrigo Pacheco (MDB) e Paulo Safady Simão – ex-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscom), falecido em 2017 – para disputarem uma vaga na Câmara dos Deputados.

O salto nas doações a campanhas eleitorais ocorre no momento em que Menin passa a defender uma ação mais ativa dos empresários na política. Em 2016, ele foi um dos que encabeçaram o movimento “Você Muda o Brasil”, ao lado de Luiza Helena Trajano (do Magazine Luiza), Jefferson De Paula (ArcelorMittal), Paulo Kakinoff (Gol), Pedro Passos (Natura), Pedro Wongtschowski (Ultra), Salim Mattar (Localiza) e Walter Schalka (Suzano). Inicialmente, os encontros do grupo envolviam temas como ética, civismo, educação e desenvolvimento. Em 2018, eles fizeram um encontro para discutir o engajamento da sociedade civil na esfera política.

Ainda o trabalho escravo No início do ano passado, a Abrainc – entidade fundada por Menin depois de sua empresa ter sido incluída no cadastro daquelas que exploram trabalho análogo à escravidão – entrou com uma nova ação no STF questionando a legalidade da lista suja. O processo ainda tramita no órgão e também conta como parte interessada a Fiemg, entidade que conta com Menin no Conselho Estratégico.

Ao tentar emplacar uma portaria que dificultava o combate a trabalho análogo à escravidão, o ex-presidente Michel Temer (MDB) usou como exemplo exatamente o caso da MRV Engenharia. “O ministro do Trabalho me trouxe aqui alguns autos de infração que me impressionaram. Um deles, por exemplo, diz que se você não tiver a saboneteira no lugar certo significa trabalho escravo”, disse Temer em entrevista. A afirmação do ex-presidente omitiu que os autos de infração da MRV se referiam a pessoas que estavam sem receber salário e viviam em situação precária no local de trabalho. Com centenas de ações trabalhistas na Justiça, a MRV Engenharia conta com o ex-deputado federal Gabriel Guimarães (PT) na banca de advogados em Minas. Ele aparece como advogado da construtora em processos que se iniciaram quando ele ainda ocupava uma cadeira na Câmara dos Deputados (de 2011 a 2019). O ex-parlamentar, há quatro anos, sentou à mesa ao lado de Menin para discutir com o então procurador-geral do trabalho, Luís Camargo, a questão do trabalho análogo ao de escravo na construção civil e a lista suja do MTE.

Guimarães afirmou não existir incompatibilidade em atuação jurídica privada e o exercício do mandato de deputado federal. “Embora a atuação jurídica trabalhista em meu escritório seja coordenada por meu sócio, pois não é essa a minha especialidade”, disse. Guimarães destacou ainda que seu relacionamento profissional com Menin “em nenhum momento interferiu nas atividades parlamentares”. “A minha presença na reunião com o procurador só foi conhecida porque eu faço questão de manter a transparência. Faz parte da atividade parlamentar discutir ideias, o relacionamento institucional”, acrescentou.

A MRV Engenharia não respondeu ao questionamento da Pública sobre a relação do deputado com a empresa. A reportagem perguntou também para a assessoria de comunicação da construtora sobre os critérios da empresa para fazer doações de campanha e sobre a sua participação e influência no programa Minha Casa Minha Vida. “Agradecemos o contato, mas não comentaremos os questionamentos”, respondeu a assessoria de comunicação da empresa.

Fonte: AGÊNCIA PÚBLICA / Reportagem de Alice Maciel

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