Por Marcelo Schmidt
Este artigo está sendo construído de maneira diferente dos outros artigos que debatem o problema do déficit organizativo da revolução brasileira. De um lado ele é constituído a partir da uma marcante experiência pessoal; e de outro, daquilo que é considerada a parte mais espinhosa e difícil do déficit organizativo, a questão militar. Consideramos o problema do déficit de organização da revolução dos trabalhadores urbanos, rurais, mas também dos soldados; dos trabalhadores estratégicos, na produção, na circulação e dos soldados. O déficit organizativo revolucionário dos trabalhadores soldados, estudaremos como pode ser compreendido e superado na sua necessária profundidade e globalidade.
Desta forma, nós iremos dividir os aspectos das experiências marcantes da vida e da formação militar, e também a organização dos militares dentro do marco geral do processo organizativo revolucionário que procuraremos abordar. Nós vamos partir de um lado da nossa própria experiência no assunto, para procurar acrescentar e acumular no grande debate que precisamos travar no século XXI sobre a organização militar. E do outro, do estudo da formação estrutural e da participação de militares e ex-militares na história do Brasil nos locais de trabalho e moradia dividindo o trabalho em três partes:
A primeira parte sumariza a experiência pessoal militar no CFN – Corpo de fuzileiros navais, tropa de elite das forças armadas brasileiras, e o estudo do grande corpo do exército brasileiro naquilo que é mais importante e histórico; o estudo da disciplina e do controle e sua relação com o comando e a hierarquia militar. A segunda parte é dedicada à democracia brasileira tutelada pelos militares e por cima deles os patrões, no papel dos militares no governo de extrema direita e na política brasileira atual. E, em terceiro lugar, o que fazer para atacar o déficit organizativo revolucionário dos soldados.
Primeira parte: é importante ressaltar que o treinamento militar de excelência, seja de oficial ou de praça, somente pode ser rivalizado ao treinamento revolucionário na sua maior amplitude, porque o conflito de classes não está fora da guerra de classes. Que o exercício para a guerra imperialista na guerra de classes supera o exercício puro e simples para a guerra concreta diária, e ambos precisam estar conectados. Daí toda a teoria da guerra popular ser o ápice da experiência da formação popular, para superar o capitalismo em direção ao socialismo. A reflexão durante a calmaria do céu estrelado precisa nos conduzir na ação paciente e diligente, para construir a ruptura tempestuosa do front social; a dialética entre a estratégia organizativa e a correta política de quadros.
A disciplina aprendida na caserna não serve apenas para arrumar um paiol e garantir a logística de guerra; a logística organizativa da escassez dos quartéis nos faz pensar a logística que temos em casa, ou na do país e porque quase tudo falta na casa do trabalhador na disciplina da escassez. Paulo Freire ressalta a importância da disciplina para a educação do cidadão, dizendo que a liberdade é garantida pela disciplina e pelo aprendizado das possibilidades humanas a serviço da humanidade. Portanto, os valores que dão suporte para a guerra popular precisam ser compreendidos como valores a serviço da humanidade, no conflito de classes concreto na guerra de classes geral.
A memória da educação militar, nos exercícios militares e conflitos de baixa e alta intensidade, os morteiros, o cheiro do aço e da pólvora misturados ao suor e sangue; o som dos projéteis passando pela cabeça, a viscosidade da lama nas entranhas do corpo, a sede, a fome; correr oito quilômetros por dia de coturno, fazer reconhecimento à noite no mar gelado, sentir o ar ficando frio no silêncio que antecede o salto de paraquedas; a selva, montanha, o uso da bússola por terra, longas marchas forçadas de 32 quilômetros, fuzil e 30 quilos nas costas, a solidão da guarda, a instrução, vida em barraca, comando craw e 25 barras perfeitas, o homem número, placa de aço e identidade: 88863304 – 21.
Existe toda uma construção para organizar o pensamento, o físico, enfrentar o medo, equilibrar o psicológico, o espírito, que remonta aos escritos da guerra em Sun Tzu, Alexandre, Aníbal e César em Plutarco ou pelo próprio; de Maquiavel, de Clausewitz, e se assemelham as crônicas das batalhas dos haitianos, dos farrapos e dos cabanos, de Bolívar; nos escritos militares de Marx, Engels e Lenin, nas barricadas da Comuna de Paris, de Martí, na revolução mexicana, na guerra imperialista na Rússia, em Prestes na Coluna, da linha ‘jukoviana’ em Jukov na segunda guerra mundial; da longa marcha de Mao Tse Tung, dos cadernos de memória do Che na Serra Maestra, no Congo, na Bolívia; a guerra popular de GIAP, ou o manual do guerrilheiro urbano de Marighella.
Segunda parte: Temos que avaliar se estes conhecimentos se encaixam na guerra de classes a partir do conflito de classes, que o ataque do capital impõe aos trabalhadores na nova arrumação das forças produtivas no século XXI. Se a transformação, a coragem que se aprende coletivamente para transformar o emocional, físico, intelecto, ainda são válidos como processo de organização e transformação paciente do espírito, do pensamento, no sonho individual e coletivo; se a estratégia de construção do poder militar e popular contribui para a revolução brasileira como revolução socialista; e analisar o desarme organizativo dos últimos 40 anos da estratégia baseada na ‘democracia universal’, com seus efeitos na organização operária, camponesa e militar.
A construção da organização política de quadros é a principal ferramenta para derrotar a ideologia da segurança nacional e do inimigo interno. Uma correta política de quadros, não para anular a formação marcial, mas para fortalecê-la para o serviço da estratégia do poder popular. Em cada parte da história das lutas populares foi preciso criar mecanismos de construção de poder militar como poder popular, isso não seria diferente no século XXI, em cada construção das lutas pela revolução brasileira no contexto da revolução latino-americana, a violência foi e é a forma estrutural usada pelo inimigo.
Existiu um momento em que a formação militar se juntou às aspirações do povo trabalhador, este momento foi fruto de uma grande mobilização nacional que conduziu a formação da FEB: a força expedicionária brasileira. Desde o princípio, os chamados ‘expedicionários’ ou pracinhas eram tomados de um grande sentimento e propósito de estar construindo algo grande; conscientes de que eles lutavam no Brasil e fora dele contra o fascismo. Estes brasileiros estavam determinados a fazer de suas vidas algo maior do que eles mesmos. Existia uma concepção cívico-militar e popular em curso.
“A guerra é diferente da paz, nela os oficiais e os sargentos e os soldados dividem o momento decisivo da morte; então os oficiais operacionais se tornam amigos dos sargentos e estes dos soldados, porque todos sentiam que dividiam a vida e a morte, na guerra percebemos a nossa igualdade” Virgílio de Almeida expedicionário da FEB.
De acordo com o depoimento de muitos pracinhas, a guerra é um esforço físico extraordinário, para a maioria ele somente pode ser superado e concluído com um amor superior mesmo ao das suas famílias, ainda que sejam nas suas famílias e aos mais próximos sentimentos que eles se agarrem nos momentos mais difíceis. Existia um sonho construtivo de conexão com a pátria que não se resumia às cores da bandeira ou ao garbo das insígnias, mas o amor patriota se transferia ao povo, para que este tivesse cada um sua casa, educação, saúde; para cada um o trabalho com dignidade, a chamada luta por liberdade se conectava à luta pela democracia da riqueza da terra para todos.
O esforço que junta 100 mil homens e leva 25 mil para o teatro da guerra, único exército não segregado no ocidente, retirou gente da enxada e do arado para manuseio das armas mais modernas no mundo fez do pracinha um soldado universal muito perigoso para o sistema oligárquico-burguês nacional. Quando eles finalmente retornam unanimemente sendo ovacionados de norte a sul do Brasil foram rapidamente desmobilizados, pois qual governo da burguesia quer soldados treinados no tempo e espaço da guerra, reivindicando que a pátria somente seria feliz com o pão repartido e não guardado…
Meu pai foi sargento do exército, um destes que fez parte deste tempo, mas não chegou a ir para a Europa; e isso não o impediu de ser contaminado por esta boa atmosfera. Dela eu pude receber relatos das cartas que ele enviou ao alto comando do exército, com sugestões para levar através dos batalhões de engenharia ferrovias e rodovias para todo o Brasil; a construção de açudes para o combate da seca, a construção de hospitais, de escolas onde a construção cívico-militar e popular se constituía em um grande plano nacional de trabalho e formação para milhões de trabalhadores. O fazer de uma ponte, casa, o socorro nas tragédias, no trabalho o trabalhador é inserido na missão popular.
Finalmente o tempo do meu avô, que viveu o poder miliciano no país da oligarquia, herdada do tempo colonial em que as forças populares e escravos constituíram a maior força militar, as milícias da guarda nacional. Sem eles, nem os portugueses, nem o império, nem a nascente república velha poderiam conduzir a burocracia na ordem do sistema. Esta pequena oligarquia se sentia parte do exército na memória de um tempo que o próprio exército brasileiro era a terceira força atrás da milícia e da marinha. Estas milícias conservadoras, do ‘coronelato’ e dos agregados no interior profundo do Brasil foram por muito tempo o executivo, legislativo, judiciário e executor da lei.
Neste sentido estamos mais capacitados para compreender a constituição das forças armadas brasileiras, do exército, da pequena e grande burguesia e sua relação de poder. O exército brasileiro na sua forma popular remonta a invasão holandesa e a guerra dos Guararapes, e antes ainda na resistência nativa à invasão portuguesa. Utilizado para suprimir revoltas populares, os trabalhadores soldados se organizam na guerra do Paraguai, nos círculos positivistas que se recusavam a perseguir escravos fugidos e no debate republicano. ‘Foi nas revoltas de sargentos nos idos de 1915 que em primeira vez aparecem ideias socialistas na base, e na tentativa de organização com os anarquistas na greve geral de 1917 com a insurreição logo a seguir onde se debateu o problema organizativo dos trabalhadores soldados; para refletir a hierarquia e disciplina imposta pelos seus comandantes, que enganam o povo, que os soldados deveriam fazer ‘greve de soldados’ e ajudar a libertar os explorados, que a maioria deles fazia parte desta classe’, portanto, socialistas, anarquistas, comunistas desafiam o pensamento liberal positivista.
No período que se seguiu, hegemonizado por comunistas, socialistas e trabalhistas de esquerda, existia, por proposta do PCB, a necessidade dos trabalhadores e camponeses se aliarem aos tenentes revoltosos, e diante disso, o comando dos comunistas decide procurar o cavaleiro da esperança, o capitão Luiz Carlos Prestes. A tarefa de aliar a estratégia do poder popular com a organização, a logística, o saber militar da pequena burguesia tenentista, qualifica o contato com a massa dos soldados através dos tenentes.
A nova tentativa de organizar os soldados unia a estratégia de fracionar a parte mais progressista dos tenentes revoltosos da velha república, e continuou as tarefas que os anarquistas não conseguiram terminar com o descenso da sua hegemonia organizativa. O acréscimo trazido pelos militares na organização comunista significa o complemento de uma estratégia: organizar o proletariado, o campesinato e os soldados. O advento da revolução russa mostra que a disciplina, o estudo e a entrega integral também podem ser trabalhados nos quartéis pelas similaridades concretas da formação operária e militar.
A organização dos trabalhadores soldados precisa contribuir para a superação do ataque do capital ao conjunto das forças do trabalho, os militares são muito úteis na linha do conflito, no espaço e no tempo da guerra de classes. Nos próximos 60 anos, entre 1920 e 1980, mas mais fortemente no período entre guerras, continuando até o golpe de 1964, duas grandes ideologias se enfrentam: a da construção dos trabalhadores soldados como irmãos trabalhadores do proletariado, do campesinato, a contribuição para a revolução nacional libertadora nos marcos da revolução brasileira como revolução socialista; e a do outro lado, a ideologia da ‘segurança nacional’ e do ‘inimigo interno’ no Brasil.
Para os reacionários e conservadores o povo trabalhador brasileiro se tornaria o seu maior inimigo. E do outro lado, fruto do ascenso construído desde os anos 20, mas evoluído nos anos 30 e fortalecido entre os anos 40 e 60, colocam o Brasil na segunda guerra mundial contra o nazifascismo, constroem campanhas nacionalistas, a Petrobrás, estão presentes na construção industrial do Brasil; e no final produzem uma importante fração para apoiar a legalidade da constituição de 1946, e mais profundamente apoiar as reformas estruturais de base em aliança com o movimento sindical e popular brasileiros.
Também podemos afirmar que a formação dos expedicionários e pracinhas da FEB é um ponto fora da curva, quando se olha para as perseguições e torturas do Estado novo, e o oposto da formação dos militares no pós 64, formados na ESG escola superior de guerra da burguesia e militares, nos currículos das escolas de formação de oficiais e de praças; quando o anticomunismo atinge seu máximo ponto, com tortura generalizada, inclusive de crianças; execuções de jovens, mulheres, idosos, prisioneiros indefesos. Apesar da aparente distensão observada no início e meio da nova república, a extrema direita chocará o ovo da serpente da forma mais reacionária adentrando o século XXI.
As atrocidades praticadas pelos que arrastaram Gregório Bezerra ou torturaram Raphael Martinelli, ou executaram um terço do comitê central do PCB partido comunista brasileiro são contadas na comissão da verdade, e são opostas aos relatos dos pracinhas da FEB. Historicamente o mesmo exército que combate a escravidão, aninha as revoltas tenentistas, alimenta a ANL aliança nacional libertadora maior frente popular da história brasileira, faz o levante socialista em 1935, o anti-fascismo, o nacionalismo patriótico, o trabalhismo, o socialismo e o comunismo, com base popular; também adere ao liberalismo, fascismo, anticomunismo, de vínculos imperialistas e oligárquicos agrários.
A realidade objetiva em que o Brasil se encontra no primeiro quarto do século XXI é morte por mais de 422 mil óbitos pela epidemia de covid 19; Jacarezinho: a última chacina em uma comunidade urbana no Rio de Janeiro matou 28 pessoas em um dia, e estudos mostram que entre 2007 e 2020 apenas 1,7% das operações policiais foram eficientes (Gina/UFF), ou por outro lado 98,3%; 19 milhões passam fome no Brasil; o desemprego atingiu a maior marca histórica: 14,2% (IBGE); os militares no governo federal somam 6.157 em funções civis; objetivamente os militares se tornaram sócios do projeto do governo de extrema direita e formaram uma maioria dirigente na instituição.
As forças armadas brasileiras majoritariamente não deixam de ser um corpo externo, na medida em que operam nas suas cúpulas seqüestradas pelo imperialismo inglês, a escola francesa ‘a organiza’, o imperialismo ianque herda o ‘cão de guerra’ do ‘pátio trasero’ do hemisfério segundo a doutrina Monroe: ‘A América para os norte americanos’. Por isso, apesar da resistência da fração não alinhada, patriótica, nacionalista, mas também socialista e comunista ela não consegue superar o pragmatismo liberal burguês da ‘Escola das Américas’ norte americana, que forma e aparelha assassinos e fascistas para ensinar o conhecimento reacionário pela ‘operação condor’ para toda a América Latina.
Da fração militar popular: “pensar os militares como atores nacionais na construção de uma sociedade efetivamente democrática. São parte do povo na construção da nação brasileira”. Para Nelson Werneck Sodré existe o conflito entre a missão militar passada e o presente, um conflito histórico entre forças aristocráticas e populares, a chave é tanto mais popular para a vitória das forças populares como para criar um projeto de nação. Militares e civis são parte de um único povo, mas militares e civis a mando da burguesia são inimigos de militares e civis do lado das forças populares. O ascenso militarista não é apenas militar é o capital por detrás, e neste sentido derrotar o capital militarista está na estratégia de derrotar o capital no Brasil. “A eleição do capitão Jair Messias Bolsonaro, em 2018, se deu por pressão militarista, acerto com o Judiciário e lavagem cerebral pelas seitas Neopentecostais. Lavagem cerebral do Povo. Deu-se, também, pelos interesses de empresários e de grande parcela das camadas médias altas,… a maior parte de civis. Combater o militarismo é o que importa fundamentalmente”.
Recuperar a tese de Sodré da natureza do exército como força armada democrática e popular, para o debate democrático e nacional. O clube militar que hoje gesta golpes um dia gestou a criação da Petrobras. Militares pensaram o pré-sal nacional antes mesmo que ele existisse, e foram um muro contra o imperialismo, o latifúndio e o golpe; nunca estiveram isolados do processo político brasileiro onde o objetivo é a construção do projeto de nação. Estudos demonstram que hoje a composição do exército é cada vez mais popular do que pequeno burguesa, mas sob hegemonia burguesa; daí a importância organizativa para a nova geração, dela não ser tutelada pela extrema direita e fazer parte de algo novo. O militar está inserido na sociedade e dela recebe influências e por ela são influenciados, se expressam historicamente no processo político pela intervenção da instituição militar ou por grupos, muitos deles nacionalistas, alguns de esquerda.
“Não podemos nos esquecer que a parcela mais atingida pelos atos discricionários, os Atos Institucionais dos Governos Militares Ditatoriais no pós Golpe de Estado de 1964, foi de militares cerca de 6.500 excluídos da ativa”, no depoimento do general Bolivar. Hoje podemos afirmar que estamos cientes dos limites organizativos nos quartéis e não possuímos qualquer ilusão com as falanges pequeno burguesas do médio oficialato, que longe dos ideais socialistas, comunistas, e até nacionalistas e tenentistas possuem um forte aspecto doutrinário do ‘inimigo interno’ aliado à ‘doutrina de segurança nacional’, desde praças até o mais alto oficialato. Ainda assim se coloca hoje a tarefa de estudar a nova formação militar e a tarefa de fracionar as forças armadas para buscar nas suas fileiras os futuros partícipes da estratégia do poder popular para a revolução brasileira.
Houve um setor militar comunista vinculado ao PCB e fundado em 1929 que funcionou até 1992. Como demonstra Marly Viana, após 1935 passou a ser um grande risco ser de esquerda nas forças armadas, sendo mais comum o nacionalismo anti-imperialista e o legalismo anti-golpista. Como dito, ‘existe aí uma linha investigativa de pesquisa, precisar onde esteve e está a esquerda militar, nas participações de 1915 e 16, na revolta dos sargentos, nas insurreições anarquistas de 1917 e 19; na imprensa militar insurrecional do PCB nos anos 30, no jornal nacionalista do PCB e no ‘Patriota’ sob Apolônio de Carvalho, o movimento nos anos 50 foi insurrecional nos sargentos de um lado, e legalista democrático do outro contra o golpismo de extrema direita até 1964’.
O golpe militar de 1964 não significou apenas um corte no ascenso organizativo de trabalhadores urbanos e rurais, mas também dos trabalhadores soldados, o braço de ferro entre as duas formas organizativas, foi vencido pelo lado reacionário em 1964, mas isso não significa uma derrota final no Brasil, a tarefa continua. Existem aqueles que avaliam que a perda da batalha organizativa no golpe burguês militar em 1964 significou o fim da guerra pela organização dos trabalhadores soldados, mas isso é um erro. As tarefas organizativas seguem urgentes ainda mais hoje com o ascenso fascista.
‘Quartim de Moraes sugere que a Esquerda Militar pode ser apreendida como uma categoria analítica, e, por outro, como um parâmetro político, na medida em que é recuperada a existência desse grupo de militares de esquerda nas forças armadas brasileiras, problematizando o autor sua intervenção política e teórica na história republicana, na maioria das vezes, clandestina. E, nela, percebe-se que há uma agenda política de intervenção proposta e igualmente diferenciada. Para Paulo Ribeiro da Cunha, “o pioneirismo desse conceito e a reflexão sobre a temática quando relacionada a esta categoria social – os militares – é, sobretudo, um conceito seminal, mas também projetivo; já que há ainda muito para ser explorado e desenvolvido teoricamente e, mais ainda, apreender e detalhar as agendas políticas que precisam ser particularizadas.”
As ideias de Sodré retornam a caserna para ‘a Esquerda Militar’ nacional; “não somente pela densidade das teses ali propostas, mas também pelo compromisso com a transformação social, pela inclusão do povo como sujeito na história.” Se existem leitores bem tímidos podem existir possibilidades de uma fração popular militar. Existiria, portanto, uma ainda não mapeada esquerda militar jovem não organizada segundo Paulo Ribeiro da Cunha: “Tais questões não são conclusivas e estão em aberto, e ainda não foram respondidas, mas a polêmica proposta por esta linha de investigação e este conceito – Esquerda Militar – é um instigante ponto de reflexão e análise.”
A extrema direita à serviço da burguesia, servindo-se da parte mais extremada das forças armadas, ansiosa do seu uso, aprofundou a acumulação do capital desde o golpe de 2016 e durante a fase mais aguda da pandemia de covid 19; o poder político possui agenda política, e faz uso político partidário das forças armadas para a sua candidatura. Mas se extrema direita encara o conjunto das forças armadas como inteiramente sua, ela comete um erro, que também comete a social democracia que a encara como totalmente legalista. O fundamental são as forças armadas junto às forças populares da revolução, isso somente será possível através da descoberta da fração popular das forças armadas.
Os militares golpistas querem o povo nas ruas para que eles intervenham legitimados, isso se repetiu em todos os lugares da América Latina, neste sentido tanto um movimento organizado serve para legitimar a extrema direita como para enfrentá-la, o que nos leva a refletir sobre o nosso déficit organizativo militar. Um déficit organizativo do movimento e da organização que as forças progressistas podem construir para a revolução brasileira, compreendendo a guerra de classes e a tarefa de estar posicionado de forma adequada nela. Para o fascista o uso da força deve ser feito com apoio popular, e para uma estratégia de construção de poder popular, o poder popular é poder militar.
“Participei de muitos treinamentos de embarque, a gente ia ao cais do porto e voltava, eu despistei e combati muito os chamados quinta colunas na época, o fascismo que nós iríamos combater na Europa nós já combatíamos aqui no Brasil”. Depoimento do expedicionário pracinha da FEB Alberto Pessoa. Marly Vianna defende a tese de que o golpe integralista de 1938 foi mais militar do que da extrema direita, que a composição das forças armadas tinha muito do integralismo, a ponto dele ser considerada uma força.
Existe uma ponte de continuidade das lutas populares desde a batalha de Guararapes até os dias de hoje; algo que estava presente na história das lutas populares que os expedicionários pracinhas da FEB tomaram parte, e que aliam a sua perenidade com as especificidades de hoje. Mas é preciso compreender também o seu oposto se queremos transformá-lo: “Ao invés de apontar as diferenças entre 1889, 1930, 1937, 1945 e 1964, podemos apontar suas semelhanças. Numa vez a monarquia; noutra república fraudada; em outra o inimigo interno, vermelho, e o externo, global; depois de novo os vermelhos, interna e globalmente; sempre estiveram os militares presentes para o reordenamento necessário frente a um novo paradigma, ora nacional, ora global, ora ambos”.
A estrutura golpista caminha bem manejada pela burguesia, que se serve dos militares, e o verniz popular é bem manuseado pelas elites brasileiras que se servem da ascensão popular e extrema direita ao poder pelo voto: “As elites até o momento tem preferência pelas aparências democráticas … porque começar a recorrer a via autoritária? Porque assim a tem na manga – ou no coturno. Vão preparando o terreno para o caso de algo dar errado nas eleições, ou, mais provavelmente, após elas. Se por um lado o próximo presidente terá o manto da legitimidade a seu favor, que lhe dará alguma janela de tempo para atuar no começo do seu mandato, por outro terá que aplicar um programa impopular. Hora ou outra o cipó de aroeira voltará no lombo de quem mandou dar.” O setor militar está no centro da crise brasileira e tem um lado nela; mas se o caminho da burguesia é resolver a crise preferencialmente por cima, os militares tem acordo nisso.
Diante da composição das forças armadas brasileiras como parte da sociedade brasileira a pergunta que se coloca é como organizar as suas frações populares para a revolução brasileira dentro da estratégia do poder popular. Isso nos leva a nossa terceira parte deste estudo, o enfrentamento direto do problema organizativo da revolução brasileira naquilo que concerne a organização dos trabalhadores soldados. A organização dos trabalhadores soldados guardadas as suas especificidades carrega a lógica organizativa dos trabalhadores urbanos e rurais, nos marcos da organização da guerra de classes.
Terceira parte: estudaremos o modo organizativo da guerra, ao mesmo tempo em que estudamos a construção da defesa organizada, na forma de defesa profunda para fazer avançar o inimigo, procurando o melhor lugar e tempo para contra atacar, para retirar do inimigo sua iniciativa ofensiva; e depois procurar no melhor lugar e tempo o embate estratégico e de massas para retirar a capacidade defensiva local do inimigo global; para então depois procurar contornar os obstáculos e avançar para o objetivo final, que significa derrotar o inimigo imperialista no território brasileiro e na América Latina. Estas são experiências da ‘guerra jukoviana’ com os impasses da ‘questão nacional’ no contexto latino-americano, onde se desenvolve a luta entre burguesia e trabalhadores. Nosso estudo assumirá uma estratégia de flanqueamento baseada no exército popular.
“Quando a política se desenvolve até uma certa etapa para além da qual não pode prosseguir quando os meios habituais, a guerra estala para remover da estrada política os obstáculos… Quando os obstáculos são removidos e o objetivo político atingido, a guerra termina. Mas, se os obstáculos não são completamente removidos, a guerra tem ainda que continuar, até que o objetivo seja completamente realizado … Pode portanto dizer-se que a política é guerra sem derramamento de sangue, e a guerra, a política sangrenta.” Assim podemos dizer que Mao Tse Tung resume bem a relação entre política, guerra e guerra de classes na imposição do reordenamento do sistema político.
Existem alguns pilares organizativos da organização da guerra de classes: o primeiro, através da estratégia de construção do poder popular, feito pacientemente junto aos trabalhadores soldados; e o segundo, como sendo o principal, a mudança do povo trabalhador no conjunto da mudança da sociedade para uma efetiva mudança das forças armadas. O terceiro no movimento organizativo centro / periferia e trabalho / moradia.
No primeiro pilar, precisamos organizar o povo para que o povo faça as forças armadas obedecerem ao povo; elevar o nosso povo, organizar o nosso povo, conectando o nosso povo com as forças armadas; o caminho é fazer com que a parte mais conseqüente das forças armadas assuma seu lugar à mesa da nação, não mais na tribuna de honra, mas no diário trabalho de construção da revolução brasileira e do poder popular, para isso precisaremos retornar aos conceitos de coesão, de hierarquia, de disciplina. Neste sentido, as forças populares têm o desafio de encontrar nas forças armadas a cisão das forças militares populares, ainda que esta seja ínfima, é esta força armada interna que se colocará ao lado das forças populares no front social para ele ser enfrentado, superado.
O segundo ponto é importante, preservar as experiências dos velhos generais e praças nacionalistas e comunistas. Contar as suas histórias e fazer delas o esteio da história das lutas populares porque elas são parte dela. Será através da história destes militares que vamos demonstrar que outro exército verdadeiramente nacional e popular é possível, um exército que poderá ser inclusive internacionalista. Não podemos deixar cair no esquecimento que o Brasil recebeu a rendição de uma divisão nazista na Itália e que o Brasil tem na memória da FEB e outras o motivo da história poder ser contada de outra forma. O resgate das lutas populares significa resgatar a memória daqueles que enfrentaram o pensamento dominante não nacional e popular das forças armadas hoje.
O terceiro ponto ainda mais importante é o esforço de mudar a sociedade, ‘mudar a sociedade para mudar as forças armadas’, esta frase do General de brigada do exército na reserva Bolívar Meireles é muito importante, ela trás no seu bojo a mudança que nós precisamos fazer: organizar o povo para mudar o Brasil e por consequência as forças armadas. Do outro lado, compreender como age a extrema direita nas forças armadas, legitimada pelo discurso popular “as forças armadas não vão agir sem que o povo peça”. Isso serve para o passado, para todos os golpes militares no Brasil, onde coesão e disciplina com construção de apoio popular significam a estratégia do neofascismo hoje.
No dia primeiro de maio de 2021 a extrema direita ainda não completamente organizada em moldes clássicos do fascismo ‘partido / movimento de massa’ consegue colocar mais gente na rua pervertendo o primeiro de maio do trabalhador. Apesar da heróica presença física de milhares de militantes antifascistas, o recado da extrema direita na forma de ‘povo’ aos militares de extrema direita está dado ‘na forma de autorização’ golpista.
Já as forças populares, sob pena de serem derrotadas precisam compreender os limites da sua ação nos marcos das suas condições objetivas e subjetivas, a organização precede a ação e dialeticamente se faz ao mesmo tempo da luta. Existe uma dialética organizativa entre o antes e o depois no durante organizativo. Nas palavras de Anita Prestes: “É na própria luta, quando há condições objetivas para isso, que surgem os quadros que vão se transformar nas lideranças e nos futuros quadros revolucionários capazes de dirigir o movimento. Há uma interação dialética entre estes dois pólos”.
A luta por melhorias na sociedade é de cada brasileiro e compartilhada por cada sonho individual que necessita ser conectado ao sonho de inventar este país nas palavras de Darcy Ribeiro e lhe dar um propósito. Está aí o fator coesão e mobilizatório popular. O exército funciona porque está coeso e teme perder isso. O caminho para a mudança no Brasil é mudar esta coesão, mudar esta disciplina, mudar esta construção popular de manobra capitalista, não para o verniz da participação popular, a disciplina e a coesão da destruição fascista, ou liberal, ou imperialista, que no fundo significam capitalismo; mas para poder construir a parte popular das forças armadas pelos seguintes caminhos:
No longo termo colocando a juventude nas academias e escolas de praças, na seleção de soldados como patriotas, humanistas e socialistas. Fazendo com que os nossos generais, oficiais, praças na reserva falem das experiências patriotas e nacionais, humanistas e progressistas socialistas na sociedade nova que o povo seja soldado e o soldado seja povo trabalhador. Finalmente o trabalho de base crítico que muda a sociedade na estratégia de poder popular; a sociedade muda com as forças armadas mudando a sociedade, e com a sociedade mudando as forças armadas, daí a necessidade de formar quadros patriotas, humanistas, socialistas nas forças armadas saídos da sociedade.
Paralelamente, formando conselhos de trabalhadores que possuam a formação e a disposição estratégica de assumirem a condição de conselhos de trabalhadores soldados. Existe a oportunidade, nos marcos de um governo liberal, social democrata e até de extrema direita da formação de conselhos de trabalhadores, de comunas e de soldados, começando por simples comissões. Quando estes conselhos adquirirem uma maturação histórica, um preparo elevado na política de quadros, podem se educar como forças ativas contra a extrema direita, aliadas das forças populares e da fração militar popular.
Neste sentido defendemos a organização de um grupo de trabalhadores saídos dos conselhos e das comunas como força de vanguarda antifascista no enfrentamento da extrema direita nas forças armadas. Evocamos a experiência, mesmo que tímida das medidas de segurança antifascista nas jornadas de junho de 2013. Ainda que saibamos que o ascenso popular foi pouco e que foi grande o seu uso pelas forças reacionárias.
Por fim a política de quadros. Neste ponto retornamos para a seguinte construção: a dificuldade de organizar, inclusive muitos comunistas acham ser impossível, mas a possibilidade existe de superarmos dificuldades objetivas e subjetivas pela organização popular. Fazer com que os militares que atuam hoje sob hegemonia de direita possam em condições ideais agir de forma neutra, e por pressão aderir e obedecer a vontade popular. Construir um movimento de esquerda organizada nos locais de trabalho e moradia que force a parte majoritária do exército a acompanhar sua fração popular, pela preservação da memória dos quadros militares nacionalistas e socialistas para as novas gerações; por último, depois de disputar a estrutura, e disputar a consciência; a instituição dos conselhos de trabalhadores e nas comunas como estrutura paralela para organizar poder antifascista, armando a crítica, e organizando armar o povo organizado.
Conscientes de que a correta política de quadros pode muito bem desempenhar estas tarefas, passemos então as propostas de preparar ‘o quadro’ para o desempenho da maior e mais difícil tarefa, que é organizar os trabalhadores para pressionar os soldados. Organizar os trabalhadores contando a história militar a partir da história das lutas populares e dos seus lutadores, e finalmente organizar os trabalhadores e comunas de forma paralela para defender e construir poder popular diante do ataque fascista, imperialista, e capitalista. A extrema direita não nega a guerra de classes, ela quer ganhar esta guerra. A vitória da extrema esquerda necessita da consciência histórica do proletariado, estratégico e periférico, informal, e precário enquanto não organizado e fora do centro do poder do trabalho contra o capital para a tomada do poder. Organizar, disputar, conquistar para intervir na política; a partir da periferia para o centro, no movimento micro-macro comunal e do trabalho, local e global, estratégico e de massa.
A política de classes da extrema direita no capitalismo é a sua operação da guerra de classes por outros meios. Diante dela, o que se percebe é um discurso para desarmar a classe trabalhadora a serviço da burguesia liberal; a política de paz, diálogo e consenso com os cães da burguesia, seus torturadores, seus assassinos, criminosos da humanidade desarma o pensamento crítico da massa e entrega o povo trabalhador desarmado dos meios subjetivos e objetivos de enfrentar a extrema direita, mas também os liberais.
A política de construção da hegemonia da classe trabalhadora se constrói nos seus espaços mais estratégicos, dentre eles nos quartéis, na história e na cultura militar para o povo, na formação de conselhos de trabalhadores e nas comunas construindo a capacidade armada de resistir ao neofascismo, como conselhos da luta imediata, mas também antifascistas armados da crítica anti-imperialista, e anticapitalista no processo permanente de armar os trabalhadores, uma estratégia com uma tática adequada para a defesa e a construção do poder popular na base de um poder paralelo para-estatal.
Concordância, mobilização popular, e tempo gasto no paciente, diligente, disciplinado ‘trabalho de base crítico’; derrotar a extrema direita requer espraiamento e enraizamento nas bases físicas. Isso não se faz de carro, de bicicleta, e nas redes, se faz com foco na sola de sapatos e no diálogo olho no olho e gasta tempo; e compreende o potencial da violência revolucionária na violência das periferias, e nos locais de trabalho estratégicos e precarizados periféricos organizados. Na história das lutas militares como história popular o esforço somente termina com a ocupação do território pela infantaria, a infantaria é o povo, nos ensina Maquiavel na quantidade e qualidade da arte da guerra.
Concordância e mobilização popular para contar as histórias das lutas populares com seus protagonistas populares militares nas rodas populares no paciente trabalho de construção do poder popular. Organização popular para mudar as forças armadas para mudar as forças populares na dialética do movimento micro-macro do povo trabalhador organizado nos locais de trabalho, moradia e quartéis. Na medida em que se constroem o grande encontro da classe trabalhadora e a greve geral não se pode fugir ao debate da união cívico militar, das milícias populares, dos conselhos, e da mensagem popular.
Mensagem popular que conta as possibilidades da revolta, da insurgência, da técnica a partir do seu setor mais marginalizado, periférico, massacrado. Evocamos a experiência dos líderes da revolta da Armada, onde João Cândido, o ‘almirante negro’ junto a outras lideranças populares foi capaz de organizar, mobilizar, enfrentar e negociar o fim dos castigos físicos, que eram proibidos na teoria, mas letra morta na prática; quando se sente a chibatada na carne o efeito pedagógico se torna mais forte. Esta e outras histórias podem ser contadas em cada favela, periferia, movimento popular, sindicato, quartel. E demonstrar como lideranças populares são capazes de manejar tecnicamente os navios mais modernos do mundo, de guerrear e negociar com o poder político sem os oficiais tradicionais, de serem estrategistas práticos e políticos no seu mais profundo termo. João Cândido, sobrevivente, perseguido herói da classe trabalhadora estaria presente; inspiração e referência para a revolta e levante dos marinheiros em 1963-64.
A derrota do fascismo, neofascismo ou da extrema direita brasileira requer trabalho de base crítico, para estabelecer e romper o front social das forças do capital e do trabalho. Derrotar a extrema direita requer força superior aquela que as forças populares possuem hoje, força superior as do inimigo de classe e dos seus cães na porta; esta organização superior pautada na estratégia correta de construção do poder popular, da revolução brasileira, do partido da revolução brasileira, e do movimento que vai agregar as massas no entorno deste partido pela correta linha política estratégica. Isso envolve também uma correta política de quadros organizativos junto da questão organizativa militar, para sua alocação prática no tabuleiro do conflito de classes da guerra de classes. Não procurar compreender como funciona a organização dos trabalhadores soldados é sair do debate organizativo como um todo, e abrir mão de compreender e intervir em como a burguesia age para evitar que a organização popular coloque o seu poder em risco.
Compreender para intervir na construção da concordância e mobilização contra corrente do sistema. A pedagogia classista, formação e a correta política de quadros são grandes desafios para a revolução brasileira nos setores estratégicos e militares. O partido de vanguarda inserido nas massas vencedor da revolução precisará se estruturar nas vigas dos seus quadros praças e soldados, como também nos peões das fábricas, trabalhadores estratégicos de transportes, energia e logística. Mas também na estrutura das comunas em periferias organizadas, e a partir do movimento de dentro para fora delas e de fora delas para o centro, flanquear e tomar o centro metropolitano econômico e político.
O partido da revolução será estruturado nas suas vigas e no movimento móvel dos seus quadros no baixo oficialato quando as condições objetivas e subjetivas permitirem; o esforço popular de fora para dentro pode acelerar este processo e inclusive chegar ao alto oficialato, na medida em que o processo de elevação da consciência e das lutas concretas avançarem da classe organizada em direção ao conjunto da classe; os quartéis não estão fora do processo real de formação na luta, que precisa ser bem assistido e bem feito. Se a extrema direita aposta nas milícias do crime organizado e nas polícias estaduais, precisamos das milícias populares, e mais ainda mergulhar nas polícias e nas forças armadas a partir do seu componente povo. É fundamental não fugir, nem se esconder no manto legal estatal. Uma ação renovada na organização militar popular para fortalecer os quadros organizativos gerados no próprio movimento da organização.
Das polêmicas possibilidades de dialogar com o exército paralelo armado nas periferias e construir convergências. Da mesma maneira que estudamos as possibilidades de construir comissões e conselhos de trabalhadores nos locais de trabalho, e uma fração popular nas forças armadas; é preciso estudar as possibilidades concretas de se construir em cada periferia, favela uma comuna e apreender sua experiência de poder popular armado. É necessário pensar disputar os jovens armados nas comunidades na forma da comuna popular; construir cada sonho individual na comuna conectado no contexto do sonho brasileiro, e estudar a relação destas comunidades como espaço possível para o indivíduo e país. O desafio organizativo destas comunidades é além do comunitário, é comunal militar popular participativo para gerar o sonho de nação individual e coletivo.
Cada comuna pode fazer o seu modelo de estado paralelo a partir da sua realidade concreta, não existe modelo desta autonomia coordenada. Os erros e acertos precisam ser dirigidos pelo esforço de uma vanguarda que lá está para se formar e permanecer 24 horas na massa mais precária e periférica descobrindo na sua cultura as respostas práticas, políticas para a sociedade socialista. Estes exemplos vêm desde as experiências dos bairros na Comuna de Paris, como parte mais numerosa e periférica, no entorno de cada grande metrópole do Brasil. Construir batalhões operários, comunais, juntando militares, trabalhadores, comunidade na força do trabalho de base crítico e mobilização.
É necessário refletir a construção de conselhos de trabalhadores a partir das moradias periféricas, precárias e informais em conflito, onde o tráfico de drogas domina; e estudar as possibilidades de troca deste poder armado do negócio da droga para o poder comunal militar popular. Este é um trabalho de conscientização que pretende explicar os objetivos do poder dos trabalhadores a partir de jovens armados envolvidos no negócio do crime, e apresente as possibilidades para que estes jovens sejam preparados na ciência do operariado para tomar controle das suas comunidades e o poder político das suas cidades a partir do seu envolvimento engajado na revolução brasileira. O marxismo leninismo na sua essência é uma disputa, um engajamento, uma conquista organizativa.
A formação do exército popular nos locais de trabalho se constrói também com o poder popular nos locais de moradia; o poder da cooperativa, associação, bairro, cidade, no Estado e país; um poder popular que combine as formas econômicas, políticas, militares e a justiça dos trabalhadores. A administração socialista do trabalho na gerência da produção e circulação de bens e pessoas. Existe um potencial poder militar na periferia, na juventude, nos quadros mais experientes armados nos conselhos comunais. Objetivamente existe um potencial para construir um poder paralelo pelo fortalecimento dos sindicatos em apoio aos conselhos de trabalhadores, e às comunidades periféricas. É isso ou sucumbir ao que Hitler fez pioneiro tomando o poder no centro do mundo, que dirá na América Latina: cercou todos os sindicatos e locais resistentes com o exército.
O exército popular formado de jovens periféricos e trabalhadores em conselhos sem pressa de organizar, aos milhares / milhões podem ser vanguarda se houver trabalho de base crítico. Existem semelhanças na organização dos locais de trabalho e de moradia armados em conselhos de trabalhadores e de moradia pela verdadeira milícia popular. Também existem experiências na América Latina e necessitam ser mais bem estudadas. No Brasil existe um país por fazer com a construção de casas, hospitais, escolas, transporte, segurança, lazer, cultura e meio ambiente justos. Estes jovens uma vez armados preparados e conscientes poderiam garantir poder de acesso a cada uma destas coisas a todos os trabalhadores brasileiros; a partir das comunidades mais periféricas como trabalhadores soldados ‘comuneros’, comunitários e comunistas, como milícias populares organizadas na cultura e história, cultura e história militar pelo poder popular.
É necessário refletir sobre as formas de empoderamento dos jovens periféricos não sob a farsa do social liberalismo, mas do seu pleno poder através da revolução socialista, que faça a ruptura final entre periferia e centro pela destruição da cidade segregada pela revolução urbana segundo Henry Lefebvre. A juventude periférica armada ou não é base das grandes metrópoles, seus pés e mãos trabalhadoras são a base do exército brasileiro e podem ser também a base revolucionária da comuna e da massa nas regiões metropolitanas. No fim, o assalto final aos comandos reacionários do exército no leste necessita ser feito da periferia para o centro através dos conselhos dos trabalhadores militares populares, e das comunas populares em coordenação com a fração popular das forças armadas. A revolução haitiana, a guerra popular, a equação militar popular.
As lideranças trabalham no paciente e diário trabalho de base crítico e movem as forças populares através da modificação e maturação e elevação da consciência. Este mover das forças populares, do quadro e das próprias massas vai por sua vez fortalecer novos processos de elevação de consciência, para a formação de um partido revolucionário, oriundo do conjunto das estratégias para a revolução brasileira e do conjunto da organização das forças que constroem esta revolução; estas forças também são militares e sua fração revolucionária compõe o partido revolucionário. Esta organização e mobilização não podem ter pressa, precisa muita paciência, não se pode organizar apenas para resistir, mas para defender, lutar e avançar. O objetivo é avançar, superar com robustez, organização; persistência para avançar no trabalho, comuna e quartel.
Neste sentido a organização para mudar a sociedade é a mesma organização para mudar as forças armadas e vice versa. Avançar para dentro da agitação e propaganda das massas militares populares como avançamos para dentro do trabalho de base crítico dos trabalhadores. Combater quem tem influência e controla a mídia, que controla os trabalhadores e a juventude, o atraso cultural, denunciado por Luiz Carlos Prestes, que torna ainda mais difícil este processo, mas é ele mesmo necessário e precisa ser feito. Estudar o marxismo como ciência do operariado e estudar o Brasil, Prestes na prisão dizia, a convicção cientifica da justeza da causa pela qual se luta, inclusive concretamente quando se participa da luta. Pois cabe ao quadro coletivamente discutir onde, a participação, e estudar o setor militar; a força, o lugar, a maneira de organizar.
A condução da questão militar, inclusive da formação da fração deve obedecer a lógica da organização revolucionária; não transigir com currículos golpistas, que colocam os militares à serviço do imperialismo. As alianças se constroem com as bases de massa, se não existe base de massa não se deve ter aliança, mas as energias precisam ser dirigidas para organizar a massa a partir dos seus setores mais estratégicos. A mensagem do poder popular convida todos para somar, mas o programa da revolução brasileira se debate somente a partir dos quadros na massa, para ser operado nela a partir das suas bases organizadas. A organização não é diferente na caserna, comuna e no trabalho.
A ação nas frentes populares deve apontar para a aliança socialista, inclusive para ser operada nos meios militares; os quadros do meio militar irão operar a ação no meio militar. Daí a importância dos quadros trabalhadores e comunais serem quadros militares e dos quadros militares serem quadros trabalhadores e comunais organizados em conselhos. Quadros políticos preparados para defender o poder popular a partir dos conselhos nos locais de trabalho, comunas, quartéis e na massa. Não pode ser apenas uma estratégia para mudar a composição das forças armadas pela estratégia da fração, mas teoria e prática para mudar o conjunto das forças armadas a partir dos trabalhadores e das comunas. Somente a vitória final muda a caserna e seu currículo de ensino para ser nacionalista e socialista, e são necessárias mudanças profundas na estrutura do país; uma mudança profunda na sociedade para uma mudança profunda nos meios militares.
Por isso a história das lutas populares e do socialismo precisa ser contada nos lugares possíveis. Onde existir povo trabalhador, nas comunas e nos espaços militares na medida de cada possibilidade. Na história da guerra total contar a história da guerra imperialista na segunda guerra mundial, tanto do povo chinês contra o fascismo japonês, como do povo soviético contra o próprio extermínio pelo terceiro ‘reich’ no leste europeu. As lições de organização militar popular são lições históricas e atuais de como golpear as bases do capitalismo golpeando o avanço do fascismo com as bases organizadas; resistindo, organizando uma defesa profunda pelo acúmulo paciente, o acúmulo para um momento preciso de um contra ataque insurgente, e a ‘luta suja’ casa a casa onde o inimigo paga um alto preço, a guerrilha urbana que almeja o objetivo final.
A organização que fez com que cidades não fossem riscadas do mapa na segunda guerra é a mesma que precisamos utilizar contra o neofascismo no século XXI. Com partido revolucionário, com um programa revolucionário, com profunda transformação social que caminhe para o socialismo, como ruptura violenta, que se evidenciou no grande sacrifício em Leningrado, Moscou e Stalingrado, e servem de modelo para organizar, se as combinarmos com especificidades locais e trabalho de base crítico latino-americano.
O choque de massas que buscamos nesta linha ‘jukoviana’ envolve a participação do conjunto da sociedade, porque ao se retirar a capacidade ofensiva, depois é necessário retirar também a capacidade defensiva do inimigo. A organização dos quadros revolucionários e operativos necessita buscar juntar o máximo de força e poder popular para o choque massivo, maciço, direto, concreto como foi feito na batalha de Kursk, onde cada lado coloca tudo que tem. Por isso a luta de classes como guerra de classes traz a luta do negro, da mulher, do meio ambiente, etc são articuladas e conectadas as lutas dos trabalhadores, inclusive soldados, para demonstrar a justeza delas com os trabalhadores soldados. ‘A divisão de espaço nas trincheiras transforma os pracinhas’.
São prioridades organizativas dos quadros: o trabalho de organização dos trabalhadores da manufatura, os estratégicos, transportes, energia, logística, soldados. O potencial organizativo na organização comunitária, ‘comunera’, comunista na comunidade, pelo aspecto comunitário espacial periférico, pela estratégia de tomada do centro e comando do avanço periférico para o centro, se concretiza nos trabalhadores que possam assumir sua condição de poder nos locais de trabalho como conselhos antifascistas armados. O trabalho no trabalho, nos quartéis e nas comunas enriquecidas pela juventude comunal militar armada, preparada como vanguarda na missão de construção do civil e do militar não burguês, adensados pelo elemento massa. Estas possibilidades podem ser estudadas como possibilidades concretas na estratégia de construção do poder popular, na forma do trabalho de base crítico, na ação teórico prática operativa da revolução brasileira.
Do cerne da organização política dos quadros: estudar, discutir e debater as idéias, demonstrar a justeza, no trabalho crítico e presença de base; preparar as forças políticas para o ascenso, através de vanguardas e quadros em pequenos destacamentos; organizar, acumular, até chegar no encontro geral, na greve geral insurrecional. Da mesma forma constroem-se conselhos, contam-se histórias de lutas populares militares, contam-se as sínteses de poder popular no seu todo. Mover o centro militar para formas periféricas nacionais, humanistas, tendo como missão preparar a fração de esquerda socialista. Nós estamos falando do tempo possível necessário na urgência do tempo. A importância seminal, nuclear, organizativa na base organizada e geral está no quadro organizativo sindical, comunal, militar, popular da revolução brasileira no contexto latino-americano.
O trabalho de organização política como correta política de quadros militares se constrói com um conhecimento profundo do Brasil, do marxismo, da história da humanidade e da realidade concreta dos trabalhadores na concreta luta de classes. A destreza para o conhecimento da caserna é a mesma para conhecer o Brasil, a ciência do operariado e tudo que é humanamente humano; para combater as falanges do oficialato, generalato e todos que creiam em ‘mamadeira de piroca’, neguem a vacina, ou oportunisticamente ocupem milhares de postos no governo de extrema direita. Para fazer a cisão da força popular, a conjuntura precisa ser compreendida na estrutura e história dos militares no Brasil no contexto da América Latina. O que fazer se insere na conjuntura da revolução brasileira no contexto da revolução latino-americana. O que fazer hoje se coloca como tarefa geral nos marcos do que fazer na organização militar na luta de classes brasileira.
Preparar a luta pelo poder através da inserção no movimento popular e no movimento de massas, isso também envolve uma correta política de massas que depende de uma correta política estratégica, inclusive para os quartéis e para os militares na forma de política de quadros. A correta política de quadros militares é aquela que acertar na estratégia e se verificar na prática, para mudar o conjunto da classe trabalhadora para conseguir mudar o conjunto dos militares brasileiros. Este movimento vai criar a fração militar popular, a história militar popular, os conselhos comunais e de trabalhadores. O movimento micro-macro do lado de fora dos quartéis será o grande responsável para mudar a sociedade dentro dos quartéis. Ao organizar trabalhadores e comunas se organizam os quartéis, esta é a ação de flanqueamento no sítio à caserna conservadora.
Organizar o pensamento dos trabalhadores, dos aspirantes a soldados, nas comunas, envolve um processo de estrutura preparatória de formação militar popular; e é paralelo à construção de conselhos, comissões e brigadas antifascistas. O trabalho de formação conecta os trabalhadores na sua cultura e história imediata com a história e a cultura da classe, e contribui para equipar mais os quadros organizativos no movimento crítico da sua práxis organizativa. Não basta armar melhor os trabalhadores, comunas e soldados, mas é necessário ensinar a atirar e enriquecer o processo histórico cultural militar e popular nos mesmos processos de organização da luta sindical, popular, e comunal.
A construção de uma união cívico, militar e popular requer um processo de mudança da sociedade que só se completa na mudança da sociedade socialista. Mudar profundamente os militares significa mudar a sociedade profundamente, mas no processo de mudança da sociedade é preciso ‘mover as forças populares’ inclusive nos quartéis por uma correta estratégia e política de quadros junto aos militares a partir do mover dos trabalhadores. Não se pode esperar a total mudança da sociedade para mudar os militares, mas agir na práxis organizativa geral, focada na organização militar.
Onde é mais difícil para a organização para a revolução brasileira na sociedade está o que se coloca como mais difícil para o quadro organizador no trabalho organizativo na estratégia de criar poder popular. Este é um trabalho para ser desenvolvido criticamente junto da juventude periférica pela sua condição estratégica na mudança da composição da base militar; este é um trabalho de construção das histórias dos veteranos como representantes da história militar popular; e essencialmente é um trabalho profissional que vai precisar adentrar, infiltrar e viver a caserna 24 horas por dia. O processo de trabalho de base crítico somente se efetiva quando for operado por profissionais quadros organizativos nos quartéis, nos locais estratégicos de trabalho e nos espaços comunais de moradia. Flanquear as forças conservadoras, produzir uma fração ainda que mínima de profissionais militares nacionalistas, democratas, populares, e socialistas.
A especialização do trabalho do quadro organizativo revolucionário nos locais de trabalho, nas comunas e nos quartéis é tarefa do estudo da ciência da organização política de quadros. O estudo específico no movimento geral do processo organizativo da comuna, do setor de produção, transportes, de energia e logística, também no setor militar, pelo estudo da organização política dos quadros organizadores. O estudo da ferramenta organizativa, um estudo da elevação da consciência, da construção de conselhos de soldados. O mesmo estudo desenvolvido nos locais de trabalho e na comuna geograficamente posicionada no mesmo espaço / tempo político organizativo; um quartel, um local de trabalho, uma comuna se avizinham. Como exemplo: o quartel da aeronáutica ao lado do aeroporto internacional, e a vila militar da Ilha do governador no Rio de Janeiro têm circundadas comunidades, favelas, e trabalhadores aeroviários organizados em sindicato. Neste sentido agrega-se o estudo espacial organizativo, e o estudo do processo da formalização e do vínculo organizativo da revolução brasileira.
Finalmente, passamos ao estudo do quadro organizador militar para a organização dos vínculos da caserna: a coesão, disciplina ética e profissional que se referem aos vínculos associativos no local de trabalho militar como militar popular; dos vínculos associativos nos locais comunais da juventude periférica com a mesma lógica de vínculo associativo comunal militar; dos vínculos das relações de trabalho na forma de conselhos de trabalhadores antifascistas. Em paralelo estudar no processo os vínculos associativos da elevação da consciência e a formação de conselhos. Estudar a estratégica da construção organizativa espacial combinando quartel, sindicato e comuna, com células separadas e conectadas. E, finalmente, a construção do vínculo com o movimento da revolução brasileira, o reconhecimento da estrutura organizativa, do seu apoio formal, do vínculo de lutas e da consciência coletiva de construção do programa da revolução brasileira.
O processo político, econômico, sócio ambiental da formação dos quadros militares nas bases organizadas pelos quadros organizativos, se concretiza na educação para além da formação; busca a formação para além da informação, estuda no desenvolvimento da formação e educação do trabalhador soldado a capacidade de pensar. Capacidade de pensar como funciona a sociedade, de desenvolver uma teoria transformadora do meio militar, comunal, nacional no contexto latino-americano, antifascista, anti-imperialista e anti-capitalista; a partir do seu conhecimento para a ação, de propor coisas e não cumprir tarefas apenas como quem cumpre ordens. Sob uma nova disciplina popular, humanista e socialista compreender a hierarquia como tarefa de quem a desempenha. A forma de atuar, convocar, planejar, dirigir como trabalhador soldado qualquer missão apresentada coletivamente, para servir a comuna, os trabalhadores e a humanidade.
Um soldado com o sentimento de um trabalhador e a inquietude revolucionária pode aliar o pensamento coletivo e individual no movimento nacional internacionalista. Um trabalhador que explica a conjuntura para outro trabalhador. Que tem a sensibilidade para compreender que a guerra e a ruptura revolucionárias são tarefas do socialismo, e que o socialismo se rompe no front social. Este front social se constrói pela crítica do trabalho base e ação prática nos locais de trabalho organizados, nas comunas e quartéis.
Compreender a história do socialismo como vitória contra as forças capitalistas, sem o falsete da democracia burguesa cantada pelo tenor pago pela burguesia. Sensibilidade para compreender que a solução dos problemas está na práxis, na base organizada e no respeito ao tempo / espaço de maturação e elevação da consciência para atuar no conflito de classes na linha da guerra de classes. Não se pode falar em conselhos no seu sentido mais largo e amplo da construção do poder sem trabalhadores, soldados e comunas armadas; soldados organizados em conjunto com a classe trabalhadora. Compreender o caráter de megalópole metropolitana, mas sem negar armar o campo. O movimento urbano metropolitano se complementa quando se junta ao do campo. Ainda que mais de 80% da população brasileira esteja nas cidades existe uma tarefa no campo.
A transformação de toda teoria e prática no seu sentido mais amplo como teoria e a prática na caserna só se efetivam com a vitória final do socialismo, mas a combinação teórica e prática na estratégia de construção do poder popular são tarefas pendentes da construção socialista na caserna, e no seu processo de flanqueamento fora da caserna. O socialismo começa uma nova história de caserna popular com as forças populares dirigindo, não mais sendo dirigidas pelo capital. Uma correta política de quadros vai submeter a teoria ao trabalhador soldado nas oportunidades conquistadas para tal ação. Vai levar a teoria crítica e buscar confrontar-se com o problema concreto para a sua transformação e superação; vai ajudar a construir base organizada com aqueles que dividirem o caminho, assistir a transformação teórico prática no trabalho de base crítico.
O documento quase desconhecido do balanço da ALN, guardado em um arquivo em Milão, documento da tendência leninista da aliança libertadora nacional; uma autocrítica necessária e que determina as lições da derrota da ALN olhando para o balanço histórico do PCB, e de antes dos comunistas como acúmulo de toda luta armada e não armada no Brasil. Para levar à frente a educação revolucionária para superar as deficiências da organização do PCB, que foi a melhor educação revolucionária existente no Brasil; que propunha o aprimoramento de uma vanguarda proletária com hegemonia na massa, que além da ditadura do proletariado proponha um programa nacional anti-imperialista que dialogue com as aspirações concretas da classe trabalhadora, a partir de uma política de quadros na massa organizada, da mensagem do poder popular, da estrutura sindical e popular que possibilite apoio e autonomia tática, e do fuzil:
“O estabelecimento de uma escola de quadros políticos e militares em nossa organização. Partindo sempre da situação concreta, da realidade de que a grande maioria dos nossos militantes é de extração da pequena-burguesia radical, preconizamos a via da proletarização desses militantes. A via de proletarização pressupõe a preparação dos militantes para viver com as massas. Para isso é decisiva uma escola de quadros políticos, com estudo do marxismo-leninismo de um modo aberto e não dogmático. Ao mesmo tempo, cremos imprescindível a formação de quadros militares não no sentido tático ou técnico de companheiros que saibam organizar uma emboscada, fazer bombas, atirar bem, etc., mas sim na formação de quadros que saibam sintetizar as experiências de luta do nosso povo, em especial as da luta armada, visando elaborar uma teoria da insurreição e de guerra popular específica para a realidade brasileira. Dentro deste espírito amplo, completamente livre de esquemas e concepções apriorísticas, nossos quadros políticos e militares devem estar imbuídos do mais alto espírito de internacionalismo proletário, visando a absorver todas as experiências da revolução mundial, em particular das revoluções russa, chinesa, cubana e vietnamita, sempre no sentido de tê-las para consulta e não para cópia. Em nosso entender a formação do partido marxista revolucionário, não é uma tarefa exclusiva dos militantes de nossa organização, mas sim é uma tarefa de todos os marxistas-leninistas”.
O último congresso do PCC partido comunista cubano inspira a política de quadros organizativos de conselhos operários, comissão de trabalhadores, comunas, e soldados. Os trabalhadores, ‘comuneros’, soldados quando conhecem o processo de construção dos conselhos, formados de amigos, primos e irmãos trabalhadores o reconhece como algo próximos a eles. Modestos e humildes diante dos seus pares, reconhecidos na base popular organizada pelas qualidades e virtudes eficientes para derrotar o capitalismo. ‘Sobrepor o coletivo ao eu’; a qualidade das forças coletivas como forças militares.
Tenacidade e firmeza diante do inimigo, tenacidade também para superar os defeitos, absorver todas as grandes máximas da doutrina da coesão e da disciplina militar. Mudar tudo que precisa ser mudado, fazer pontes, estradas de ferro, rodovias, portos, casas, hospitais, escolas, trabalho para o povo. A capacidade de atuar em condições adversas precisa servir para superar as condições adversas que vive o povo trabalhador. A sua missão pode fazer o militar se reconhecer no povo desde tempos imemoriais. Aquilo que começou com uma análise da essência militar termina como militar popular.
Possuir apoio logístico e condições autônomas para compreender e para cumprir a tarefa. Disposição para escutar, ter tempo para ouvir os outros e ser sábio, absorver para debater de verdade escutando primeiro, cultivar a capacidade de construção de consenso e análise da conjuntura, da situação concreta; votar depois da capacidade de consensuar e escutar, aquilo que forma o trabalhador na sociedade também forma o soldado. Todo soldado e trabalhador necessitam da escola da diplomacia, até para quebrar a diplomacia da burguesia é preciso estudar e superar. A ciência da guerra do operariado pode ser matéria na formação dos trabalhadores soldados na diplomacia da guerra de classes.
A capacidade de pedir conselhos para aprimorar o que não sei e saber o que não sabia é parte integrante da formação militar, aprender com o mais antigo, e pode ser prática em conselhos de trabalhadores, comunais e de soldados. Estudar, estudar a ciência, estudar a ciência do operariado e estudar a ciência militar. Saber pensar, e novamente não assumir a tarefa sem pleno conhecimento, agir em coletivo, não existe um indivíduo com verdade absoluta nos ensina o meio militar, para ser cultura comunal e operária.
O militar já trabalha em um grande conselho de trabalhadores. Aprendamos isso. Aproveitar neste sentido o aporte de cada um não como massa amorfa, mas organizada e viva na solução do problema. Antes de exercer o peso da massa, exercer o peso da consciência. Estimular uma disposição e paixão para preparar-se constantemente, para questionar o mundo e a si mesmo e preparar-se. O saber militar popular pode ser feito para questionar coletivamente sem quebra de disciplina. Para dirigir e ser dirigido, o processo de aprendizado é constante, nunca deixamos de aprender, o conhecimento que você achava que seria usado de uma maneira agora será utilizado de outra maneira. Existem lições permanentes na história militar e popular: Depois do choque de massas na ‘linha jukoviana’ já podemos contornar bolsões de resistência e ‘nos dirigirmos até Berlim’. A vitória soviética do exército vermelho exige forte superior formação política.
O caminho final da revolução brasileira saberá com versatilidade contornar os obstáculos. No caminho existem muitos obstáculos, mais a serem contornados do que vencidos, e isso mostra que se precisou aprender a lutar de modo diferente de quando se defendia do sistema. O conhecimento de quem se defende do sistema tem como desafio apontar o objetivo, e de quem ataca o superar. Por isso o conhecimento organizativo de quem ataca o sistema com a massa se simplifica, e o que era usado antes para defender, agora será usado pelos trabalhadores para atacar, a imagem transita mais facilmente.
O conhecimento transita na massa organizada mais facilmente para atacar do que para defender, e mais facilmente para defender do que para resistir. A energia da vitória é mais facilmente dividida que construir a defesa em um longo caminho de profundidade até o contra-ataque na ‘linha jukoviana’. O conhecimento é repartido pelos quadros, pela base organizada e se insere nas massas. No ataque o conhecimento flui, a imagem do objetivo flui. Na defesa existe um longo trabalho organizativo crítico contra o sistema. O objetivo é a estratégia organizativa na correta política de quadros para dar suporte, para atuar nos meios militares ciente do ‘terreno minado’ que o especialista pode andar.
Se todos são formadores de quadros, são quadros para formar quadros fazendo isso com grande responsabilidade. ‘Somos quadros formadores de quadros’. Um quadro que não forma um reserva para tomar o seu lugar na missão não se preparou como quadro, pois não se pode ser imprescindível no cumprimento da missão, que é coletiva. O meio militar é um meio coletivo, ‘esperamos ter companheiros que sejam melhores que nós mesmos para que sejamos bem sucedidos no pleno exercício desta ação’. Mais do que nunca o formador e educador, o quadro organizativo no meio militar não possui o conhecimento guardado e nem o pão, não se divide o que sobra se o objetivo é dividir o mundo, o militar que anseia contribuir com uma humanidade que os supere, supera-se.
O militar se supera quando compreende melhor a tarefa de organização no lugar mais difícil, a mensagem organizativa fica mais fácil compreendendo o pensamento militar de superação para aplicar esta estratégia. Se defendemos e acumulamos e avançamos estamos nos aperfeiçoando, e se apenas recuamos e resistimos, sem construir uma estratégia de defesa profunda seremos derrotados e aniquilados no avanço inimigo.
Vivemos uma conjuntura de desarme organizativo militar com a guinada de direita dos militares que antecede o período de desarme organizativo dos últimos 40 anos. A tarefa prossegue para os quadros operativos da revolução brasileira, que uma vez preparados atuam na correta estratégia do movimento estrutural sindical para a comuna e o quartel. A centralidade é o trabalho, atuando na luta de massas, ajudando a elevar a consciência do trabalhador. Este movimento apenas acontece quando os quadros estão nas lutas concretas, ajudando a transformar a base geral em base qualificada e organizada. Isso só é possível com trabalho de base crítico permanente, paciente, diligente, não existe tempo para este trabalho, principalmente no meio militar; mas preparação na ação. Os guarda-chuvas sindicais classistas, os quadros, o programa organizativo são sementeiras comunais e militares, cuja mensagem é construir soberania e autodeterminação.
Um exército nacional popular com princípios de soberania e autodeterminação: o neofascismo e os liberais não podem fugir desta máxima sem negar o simulacro daquilo que dizem defender. Neste sentido a parte, a fração popular se arma com uma verdade de soberania e autodeterminação antes de se armar com o humanismo e o socialismo, e traz algo mais imediato para o povo. Existe a possibilidade do imediato popular e do objetivo histórico com a mediação da autodeterminação nacional; desta forma se encontra o princípio da busca pela fração militar popular. Ao seu lado existe a preparação do trabalhador, existe a defesa da história militar como história popular, e existe a construção de conselhos e comunas na construção de poder estratégico. O quadro organizativo trabalha com a prática das ideias que se confrontam na base; existe um espaço de intimidade silenciosa na caserna próprio para o debate profundo de ideias.
A organização da estratégia militar popular do quadro organizativo na base organizada, parte do programa em movimento para atacar o poder, se amalgamar ao povo. É preciso que a estrutura, que o quadro, que o movimento local na América Latina seja oriundo da parte do movimento popular mais avançada e atue como parte mais avançada. Que sua atuação aconteça entre o nada onde muitos hoje dizem ser impossível atuar, a organização militar, passe pela organização sindical, popular, e alcance a comuna revolucionária para flanquear o pensamento único militar conservador. A organização sindical popular classista, os partidos, e o partido da revolução; no movimento popular revolucionário e a estrutura como um guarda-chuva revolucionário. Neste guarda-chuva também se abrigam a organização militar, movimentos, comunas e outros sindicatos.
O movimento revolucionário é a micro-macro revolução quando compreendida e operada nos locais de trabalho, nas comunas e nos quartéis. O guarda chuva classista revolucionário necessita incluir a organização militar classista nacional e micro-macro revolucionária latino-americana, porque detentora do objetivo imediato, nacional no contexto regional; e assim pode escapar ao enlatado imperialista e produzir a partir da ação organizativa local uma revolução brasileira no contexto latino-americano.
Eu gostaria de terminar este artigo com a inspiração daquele que eu considero o maior organizador militar popular da modernidade, o artífice da derrota nazista na segunda guerra mundial, o general Jukov: “Ao rever todos os marcos da minha vida considero como o principal o que marca o início da conta que todos nós carregamos. A revolução! A revolução deu a cada um a possibilidade de testar sua força, de buscar, de entender que é uma parte do potencial criativo das pessoas. E quando chegou a hora de defender esta conquista principal, sabíamos pelo que estávamos lutando”.
Para trabalhadores, comunidades comunais e militares populares na guerra de classes, a vida, mas também a vida organizativa não deve ser vivida para resistir, não apenas para resistir. Mas para construir a defesa profunda diante de um inimigo mais forte, e pavimentar o contra-ataque junto aos trabalhadores e ao choque de massas que nos conduzirá contornando os obstáculos no caminho até Berlim. Derrotar o fascismo, o imperialismo e o capitalismo, isso é o objetivo final, a ‘Berlim final’, a internacional.
Marcelo Schmidt é diretor executivo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos – CONTTMAF. Tem pesquisa sobre todas as categorias e setores de transportes, estudando também os setores estratégicos. É doutorando da universidade de Paris X Nanterre. Militante do PCB e membro da coordenação estadual da Unidade Classista no Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS:
MAQUIAVEL, Nicolau – A arte da guerra, Lelivros, L&PM, Porto Alegre, 2007
BOGO, Ademar, Teoria política de quadros, Expressão popular, São Paulo, 2005
ZHUKOV, Gueorgui – Memorias y reflexiones, Moscou, 1969
CHUYKOV, V. – A grande guerra patriótica da URSS (1941-1945), Nova cultura, 2018
WERNECK SODRÉ, Nelson – História militar do Brasil, Expressão popular, 2010
QUARTIM DE MORAES, João – A esquerda militar no Brasil – Expressão popular, São Paulo, 2006
VIANNA, Marly – Militares e política no Brasil – Expressão popular, São Paulo, 2018
RIBEIRO DA CUNHA, Paulo – Militares e militância – Unesp – São Paulo, 2013
MARIN – Pedro, ORTEGA, André – Carta no coturno – Baioneta – São Paulo – 2019
CASTRO, Celso – General Villas Boas, FGV, São Paulo, 2021
BASTOS GICELLO, Roberto – Estações de Ferro Raphael Martinelli, São Paulo, 2014
Entrevistas com o general de brigada Bolivar Meirelles na reserva
Entrevista com Anita Prestes
Entrevistas com o sargento José Schmidt de Andrade na reserva
Entrevistas com o cabo fuzileiro naval Carlos Luiz na reserva
A Esquerda Militar no Brasil: uma leitura e várias agendas
Nelson Werneck Sodré – História Militar do Brasil [PDF]
https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/resen%20a2017_02_15_11_48_57.pdf
Fonte: lavrapalavra