Além das exportações, a China é um dos maiores investidores do Brasil, especialmente no setor de energia. A State Grid investiu cerca de US$ 3 bilhões na transmissão de energia no Brasil e a chinesa COFCO também investiu mais de US$ 1,1 bilhão no agronegócio brasileiro.
As altas taxas de juros em todo o mundo tornam mais difícil para o Brasil atrair o financiamento necessário para o seu desenvolvimento, o que também torna o potencial de investimento da China ainda mais atraente.
Poder médio crescente
Mas crescimento e desenvolvimento não são os únicos objetivos da visita de Estado de Lula a Pequim. Como presidente do Brasil pela segunda vez, Lula quer fazer a diferença e trazer seu país para o cenário global das potências médias.
Os caminhos tradicionais para alcançar tal objetivo não estão funcionando para o Brasil, com um Grupo dos Vinte bastante disfuncional e a ausência de acordos comerciais com os EUA e o Mercosul com a União Europeia, que já dura 20 anos.
Lula provavelmente sente que apenas a China pode oferecer resultados rápidos com sua Iniciativa Sul Global e ajudar o Brasil a se tornar um importante líder regional na América Latina.
De fato, a China habilmente ofereceu a presidência do Banco dos BRICS, renomeado Novo Banco de Desenvolvimento, ao braço direito de Lula, Dilma Rousseff, que se tornou presidente do Brasil em 2016, depois que Lula foi cassado e afastado do cargo.
Em busca da autonomia
Um terceiro e último objetivo que Lula busca com esta visita é mostrar aos EUA que o Brasil tem opções.
Isso provavelmente não é muito diferente do objetivo do presidente francês Emmanuel Macron em sua recente viagem a Pequim. Uma grande diferença entre os dois, porém, diz respeito à posição sobre a Ucrânia, onde Macron não poderia exercer muita “autonomia estratégica”, amarrada pela retórica da OTAN, enquanto Lula certamente pode e já o fez.
De fato, desde fevereiro Lula intensificou os esforços diplomáticos para acabar com a guerra na Ucrânia, criando o chamado “clube da paz”, com um possível convite à Indonésia. O quanto isso é um esforço independente ou seguido pela China é uma grande questão, mas mostra claramente que o Brasil, sob Lula, terá sua própria agenda diplomática e que a influência dos EUA pode diminuir ainda mais.
Para o presidente chinês, Xi Jinping, Lula não é apenas mais um chefe de Estado em peregrinação a Pequim, mas muito importante, dado o tamanho e a localização estratégica do Brasil, para fazer pender a balança em favor de um Sul Global mais unido e pronto para seguir a liderança global da China.
Dois aspectos parecem particularmente importantes para Xi, a saber, a internacionalização do renminbi e o papel da China como intermediário de soluções globais. No primeiro caso, o Brasil anunciou na semana passada a criação de uma infraestrutura local para compensação do yuan, o que deve impulsionar o uso internacional da moeda chinesa.
No entanto, este é apenas mais um dos 20 centros de compensação de yuans existentes globalmente, que ainda não prejudicaram realmente o papel do dólar americano como moeda de reserva global. Muito mais terá que acontecer nesta frente para que Xi veja o fim do dólar durante seu mandato, não importa quanto tempo possa durar.
Em vez disso, Lula certamente pode contribuir apoiando as iniciativas da China, começando com seu plano de paz para a guerra na Ucrânia, mas também a Iniciativa de Desenvolvimento Global, como parte das várias narrativas impulsionadas por Xi para atrair países emergentes e em desenvolvimento para a esfera de influência de Pequim.
Embora o Brasil até agora tenha evitado a Iniciativa do Cinturão e Rota, mais bem estabelecida, Lula elogiou pessoalmente essa iniciativa e tem sido um grande apoiador da aliança BRICS desde a primeira cúpula na China em 2011.
Ainda não se sabe o quanto Lula estará disposto a trocar a autonomia estratégica do Brasil por uma aliança mais estreita com a China no contexto da cooperação Sul-Sul. A resposta não se resume apenas aos 20 acordos de cooperação que devem ser assinados durante a atual visita de estado de Lula, mas, mais importante, quanto espaço a China está disposta a deixar para o Brasil como uma potência média em comparação com a abordagem usual de centro e raios de Xi às relações internacionais.
Por mais que Lula esteja claramente inclinado para a China em detrimento das relações Brasil-EUA, ele ainda acredita que o Brasil deve lutar por um mundo multipolar no qual potências médias como seu país tenham voz.
Alicia García Herrero é economista-chefe para a Ásia-Pacífico da Natixis e pesquisadora sênior da Bruegel. Siga-a no Twitter @Aligarciaherrer.
Fonte: asiatimes