No fundo da ação em curso no MP-RJ estaria a preocupação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a ordem estabelecida no braço policial do regime, a Polícia Federal (PF), após a renúncia do ministro Sérgio Moro, na véspera
O senador Flávio Bolsonaro (sem partido) teria financiado a construção de prédios ilegais, vendidos pela milícia armada que atua no Rio de Janeiro, com influência majoritária nas zonas Norte e Oeste da Cidade, com recursos desviados dos cofres públicos. Esta é uma das principais linhas de investigação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), segundo documentos sigilosos e dados vazados ao site norte-americano de notícias The Intercept Brasil, divulgados neste sábado.
No fundo da ação em curso no MP-RJ, segundo o Intercept, está a preocupação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com a ordem estabelecida no braço policial do regime, a Polícia Federal (PF), após a renúncia do ministro Sérgio Moro, na véspera. “A investigação preocupa a família Bolsonaro – os advogados do senador já pediram por nove vezes que o procedimento seja suspenso”, lembra o jornalista Sergio Ramalho, autor da matéria.
‘Rachadinha’
“O investimento para as edificações levantadas por três construtoras foi feito com dinheiro de ‘rachadinha’, coletado no antigo gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, como afirmam promotores e investigadores sob a condição de anonimato. O andamento das investigações que fecham o cerco contra o filho de Jair Bolsonaro é um dos motivos para que o presidente tenha pressionado o ex-ministro Sergio Moro pela troca do comando da Polícia Federal no Rio, que também investiga o caso, e em Brasília”, escreve Ramalho.
Ainda segundo o Intercept, que teve acesso aos autos da investigação “o inquérito do Ministério Público do Rio, que apura fatos de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público) pelo filho de Bolsonaro segue em sigilo”. Os promotores do MP-RJ afirmam que chegaram ao cruzamento de informações bancárias de 86 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema ilegal, que serviu para irrigar o ramo imobiliário da milícia.
Os dados apurados levam à conclusão que o primogênito do presidente da República teria recebido o lucro do investimento dos prédios. De acordo com os investigadores, o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega – morto em fevereiro, durante confronto com a polícia baiana – e o ex-assessor Fabrício Queiroz seriam os operadores do esquema ilegal.
Assassinatos
Segundo apuraram os promotores, “Flávio (Bolsonaro) pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj. A partir daí, Queiroz – apontado no inquérito como articulador do esquema de rachadinhas – confiscava em média 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda”.
“A organização criminosa também atua nas cobranças de ‘taxas de segurança’, ágio na venda de botijões de gás, garrafões de água, exploração de sinal clandestino de TV, grilagem de terras e na construção civil em Rio das Pedras e Muzema.
“As duas favelas, onde vivem mais de 80 mil pessoas, ficam em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, e assistiram a um boom de construções de prédios irregulares nos últimos anos. Em abril do ano passado, dois desses prédios ligados a outras milícias desabaram, deixando 24 mortos e dez feridos.
Adriano
“O lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido, também, com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público”, relata o site.
Ainda segundo a reportagem, as investigações do MP revelaram que os repasses da rachadinha chegavam às mãos do capitão Adriano por meio de contas usadas por sua mãe, Raimunda Veras Magalhães, e sua mulher dele, Danielle da Costa Nóbrega. Ambas “ocupavam cargos comissionados no gabinete do deputado na Alerj entre 2016 e 2017. Ambas nomeadas por Queiroz, amigo do ex-capitão dos tempos de 18º batalhão da Polícia Militar, Jacarepaguá”, acrescenta.
“Segundo o MP, a mãe e a mulher de Adriano movimentaram ao menos R$ 1,1 milhão no período analisado pela investigação, amealhado com o esquema de rachadinha por meio de contas bancárias e repasses em dinheiro a empresas, dentre as quais dois restaurantes, uma loja de material de construção e três pequenas construtoras”, revela.
Senador
As construtoras São Felipe Construção Civil Eireli, São Jorge Construção Civil Eireli e ConstruRioMZ, com sede em Rio das Pedras, foram registradas, segundo o MP, em nome de “laranjas” do Escritório do Crime.
“O dinheiro então chegava aos canteiros de obras ilegais por meio de repasses feitos pelo ex-capitão aos laranjas das empresas. O papel de ‘investidor’ nas construções da milícia ajudaria a explicar a evolução patrimonial de Flávio Bolsonaro, que teve um salto entre os anos de 2015 e 2017 com a aquisição de dois apartamentos: um no bairro de Laranjeiras e outro em Copacabana, ambos na zona sul do Rio. Os investimentos também permitiram a compra de participação societária numa franquia da loja de chocolates Kopenhagen”, assinala.
A morte da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, teria ligação com os negócios ilegais do senador, uma vez que o ex-capitão controlava as pequenas empreiteiras envolvidas na construção ilegal de edificações em Rio das Pedras e Muzema. Nesta última comunidade, um dos edifícios levantados desmoronou, causando a morte de 24 pessoas em abril do ano passado. A investigação sobre os fatos ainda está em curso.
Chocolate
“A partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”, apurou o Intercept.
Os autos da investigação revelam, ainda, que “planilhas apreendidas durante a operação policial num imóvel usado como sede do Escritório do Crime, o Moradas do Itanhangá, indicavam retiradas semanais feitas pelo ex-capitão e também pelo tenente reformado Maurício e pelo o major Ronald, também amigo de Flávio Bolsonaro”. Além de ser o responsável pela contabilidade do grupo, Ronald também foi homenageado por Flávio Bolsonaro com uma menção honrosa em 2004.
“Desde o início da investigação, em outubro de 2018, o trabalho dos promotores foi suspenso três vezes, atendendo à defesa de Flávio Bolsonaro. Ao todo, os advogados impetraram nove pedidos no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Rio, alegando que as quebras de sigilo bancário e fiscal do então deputado estadual não poderiam ter sido concedidas por um juiz de primeira instância. Medo de que alguém descobrisse que nem só de chocolate é feito o milionário patrimônio do senador que entrou na vida política em 2002 com um Gol 1.0 e um sobrenome influente”, conclui.
Fonte: CdB