Heleno diz que recebia dinheiro de Nuzman, mas sente vergonha é de seu salário no Exército

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O ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, em depoimento na Câmara, na quarta-feira 10/07/2019 (foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

“Eu tenho vergonha do que eu recebo no Exército, isso eu tenho vergonha. Mostrar para o meu filho que eu sou general do Exército e ganho, líquido, R$ 19 mil, eu tenho vergonha. Agora, do dinheiro que eu recebia no COB? Eu ganhava honestamente”, disse o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), em seu depoimento na Câmara, na última quarta-feira (10/07).

Heleno respondia a uma pergunta do deputado Davi Miranda (PSOL-RJ):

“O sr. recebia um salário de R$ 59 mil no Comitê Olímpico Brasileiro (COB) quando foi contratado para ser diretor de comunicação e educação. Quando questionado por jornalistas sobre o fato da maior parte desse valor ser pago por recursos públicos, um valor acima do teto constitucional, o sr. afirmou: fui contratado por uma empresa privada. Por que eu tinha obrigação de saber de onde vinha o dinheiro?. O sr., sendo das Forças Armadas, mesmo sabendo que é uma instituição privada, tem que ter uma certa noção de se o dinheiro vem de meios públicos. Dado que essa declaração expressa um preocupante compromisso com o dinheiro público e com suas próprias responsabilidades com o cargo de direção que ocupava, eu pergunto: o sr. se arrepende dessa declaração que o sr. deu?”

Heleno replicou que, pelo contrário, foi pago muito justamente: “foi a única vez que eu ia num restaurante e olhava o cardápio pelo lado esquerdo [ou seja, sem consultar os preços]. Eu sempre olhei, eu e meus filhos, o cardápio pelo lado direito”

Nessa tentativa de demagogia dirigida aos militares – certamente insatisfeitos pelo que recebem de soldo – o ministro Augusto Heleno não se ateve a que esse é exatamente o problema.

Justificar o recebimento de dinheiro através do seu gasto é coisa de artista. Por essa lógica, todos os ladrões estariam absolvidos, desde que gastassem pelo menos uma parte do que roubaram. Como todos fazem isso…

É óbvio que quem recebe dinheiro público indevidamente, com exceção de algum doente mental, pretende, exatamente, “olhar o cardápio pelo lado esquerdo” – ou seja, gastar o dinheiro que ganhou sem ter direito a ele. E que se dane a coletividade, a Nação, o povo.

São assim todos os ostentadores agarrados pela Operação Lava Jato, seja a ostentação de uma casa na Joatinga ou a ostentação de um cardápio no Satyricon, lá na Barão da Torre, em Ipanema.

Inclusive – e com destaque – o chefe de Augusto Heleno no COB, Carlos Nuzman. Mas Heleno jamais reparou na ostentação de Nuzman, até que ele foi preso pela Lava Jato. Provavelmente, Heleno foi o único sujeito no Rio de Janeiro que não percebeu a ostentação de Nuzman.

Ninguém, evidentemente, acusou Heleno de ser pão-duro – pelo menos até agora -, mas de receber dinheiro (e dinheiro público) que a lei proibia que recebesse.

Porém, é mais do que isso.

Heleno recebeu dinheiro de um ladrão, preso pela Operação Lava Jato – e um dos piores ladrões que a Lava Jato já prendeu.

Aliás, em seu depoimento na Câmara, Heleno disse, como se fosse atenuante, que foi convidado para o cargo no COB “pelo Dr. Carlos Arthur Nuzman”.

Nuzman operava um esquema de corrupção que ficou exposto pela Operação Unfair Play, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, uma das fases da Operação Lava Jato.

Quem era Carlos Arthur Nuzman, na época em que pagava R$ 59 mil para Augusto Heleno?

Alguns trechos (apenas três) da denúncia dos procuradores à Justiça Federal:

1) “Entre o período de julho de 2014 e setembro de 2017, Carlos Arthur Nuzman, de modo consciente e voluntário, ocultou e dissimulou a propriedade e a origem de 16 quilos de ouro, no valor de R$ 1.495.437,63, provenientes de crimes de corrupção, organização criminosa e peculato, por meio de aquisição e manutenção não declarada desses ativos em cofre na Suíça (…)” (cf. Denúncia Operação Unfair Play, p. 28).

2) “Nos últimos 10 dos 22 anos de presidência do COB, Carlos Nuzman ampliou seu patrimônio em 457%, não havendo indicação clara de seus rendimentos. E, conforme a seguir narrado, em situação de permanência, Carlos Nuzman mantinha oculto parte de seu patrimônio na Suíça” (cf. idem, pp. 131-131).

3) “… a compra dos votos para a eleição do Rio de Janeiro como cidade sede dos Jogos Olímpicos de 2016 multiplicou exponencialmente o repasse de recursos públicos para o Comitê Olímpico Brasileiro e para o Comitê Organizador dos Jogos, e, consequentemente, o orçamento sob a gestão de Carlos Arthur Nuzman, na qualidade de Presidente das referidas entidades” (cf. idem, p. 134).

Essa compra de votos foi confessada no último dia quatro pelo ex-governador Sérgio Cabral – e o que contou confere com aquilo que a Polícia Federal e o Ministério Público já haviam descoberto.

Em suma, Augusto Heleno recebia dinheiro de um gangster, de um ladrão de dinheiro público.

Com o agravante de que somente saiu do COB depois que Nuzman foi preso, em 2017.

Até então, o COB não divulgava os salários de seus funcionários. Com a prisão e queda de Nuzman, passou a divulgá-los no Portal da Transparência do governo federal, como fazem os órgãos públicos.

Assim, soube-se que o salário de Heleno era R$ 59 mil – e que 80% (R$ 47.024,00) desse salário era pago com recursos públicos, pois o COB, pela lei Agnelo/Piva (Lei n° 10.264/2001), recebe 1,7% da arrecadação das loterias da Caixa Econômica Federal.

Portanto, Heleno não poderia ganhar mais do que 70% do salário máximo do Poder Executivo – teto estabelecido pela lei nº 9.615/1998, para as entidades que recebem recursos públicos.

Na época, o salário máximo do Executivo era R$ 33,9 mil. Logo, Heleno não poderia ganhar mais do que R$ 23 mil.

No entanto, estava recebendo, de Nuzman, à custa de recursos públicos, R$ 59 mil.

Heleno recebia +157% do que a lei determinava – e através de um criminoso.

Além disso, com a prisão de Nuzman e sua saída do COB, Heleno, ao pedir demissão, recebeu R$ 145 mil em verbas rescisórias pagas com dinheiro público.

Esta é a razão pela qual, no depoimento de quarta-feira, Heleno levantou a tese de que dinheiro das loterias federais não seria dinheiro público. Uma descoberta, aliás, absolutamente risível:

“Esse dinheiro [que vai para o COB] é 2% do que o apostador receberia. Então, esse dinheiro jamais iria para o Tesouro Nacional. Há uma discussão no próprio TCU se isso é dinheiro público”.

É óbvio que dinheiro público não é somente o que vai para o Tesouro Nacional. Mas, se for esse o critério, não é à toa que os prêmios de loteria que não são reclamados em 90 dias revertem, exatamente, para o Tesouro Nacional.

Ou será que o Tesouro está confiscando dinheiro que não é dele?

Além disso, se em vez de dinheiro público, o sr. Augusto Heleno prefere dizer – ou que nós digamos – que estava se apropriando de dinheiro do povo, não temos nada contra.

Ou será que o dinheiro das loterias não é dinheiro do povo?

O depoimento de Heleno foi na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, onde foi convidado a explicar os 39 kg de cocaína, encontrados pela polícia espanhola na bagagem de um membro da comitiva de Bolsonaro ao G-20.

Sobre isso, não explicou nada, exceto que as investigações não se encerraram. Mas não temos de nos preocupar: segundo disse Heleno, “o país está acostumado a passar vergonha”.

Do HP

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