Por Mário Maestri
Alguns medrosos de carteirinha e pescadores de águas turvas gritam que o golpe está em marcha, que ele se encontra logo na esquina, ou quase, devido aos impropérios golpistas de Bolsonaro no domingo, 19, diante de um punhado de aloprados, em frente ao Quartel General do Exército em Brasília. Aproximam aquele ato do Capitão trapalhão, montado em um caminhonete, diante de um punhado de ensandecidos, ao movimento de massas que antecedeu o golpe militar de 1964, quando centenas de milhares brasileiros, sobretudo das classes médias, pediam a intervenção das forças armadas, apoiados pelo alto clero e pelo STF, em conluio com toda a classe dominante brasileira dos campos e das cidades e, logicamente, com a participação do imperialismo yankee. Não poucos falam de uma nova ordem bolsonarista semi-fascista ou fascista, com Bolsonaro como Mussolini ou Salazar tropical, se preparando para dar o bote fatal e final à sociedade democrática brasileira. O país estaria, propõem, sob o perigo de um golpe de Estado e de um ataque à democracia, como se eles não tivessem ocorrido em agosto de 2016 e se consolidado em 2018.
Mares Revoltos
Bolsonaro navega um dos seus piores momentos. Encontra-se sem partido e não consegue viabilizar um para 2020. Quebrou os pratos com Rodrigo Maia, presidente do Congresso, e só leva rasteira no Senado, que se move por sua conta e exige agora tudo o que ele não quis entregar. No STF fecham as caras para ele e tem até um que o define como genocida. Os governadores se dividem entre os que lhe atiram pedras e os que praticam “distanciamento social” cada vez mais rígido. Os raros que o seguem o fazem mui discretamente. Está rachado com os governadores dos principais estados do Brasil, com destaque para os poderosos Rio de Janeiro e São Paulo. E há governador que sugere que ele seja até mesmo incapaz de abrir as covas para os que manda para elas.
Fora o punhado de incondicionais, o grande empresariado -que se delicia com as medidas anti-populares- se mantém já silencioso, à espreita, esperando a ajuda prometida, ou seja, que lhes abram a guaiaca ainda mais. E, em sentido contrário, o capital financeiro ameaça abandonar o barco, se houver qualquer correção do rumo suicida, ou seja, medidas keynesianas (anti-cíclicas), mesmo as mais direitistas e limitadas. Sobretudo os comerciantes e suas lideranças apoiam as propostas de fim geral da quarentena, com os trabalhadores e os consumidores nas lojas, enquanto eles se mantém no resguardo, nas suas moradias espaçosas.
Consenso Difuso
Bolsonaro perde apoio entre setores da própria classe média conservadora. A demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde e, agora, a renúncia de Sérgio Moro, o mais respeitado bandido da nação, minam o núcleo amplo de seus apoiadores. Bolsonaro mantém ainda o consenso difuso dos trabalhadores mais precários devido aos seiscentos pilas e à sua proposta de todos voltarem para a rua, onde essa comunidade desprotegida luta pela vida. Mas já não consegue mandar suas ralas tropas mostrar a cara. As carreatas de 19 e 20, sábado e domingo passados, foram um enorme fracasso. E delas participaram, encerrados em seus automóveis, sobretudo os que querem que os trabalhadores voltem ao trabalho, enquanto ficam em casa.
Sobretudo, e isso é novo, por primeira vez, após os impropérios ditatoriais de Bolsonaro diante de prédio símbolo das forças armadas em Brasília, faz-se sentir as distensões entre os generais bolsonaristas, dependurados em suas tetas governamentais, e os altos oficiais na ativa, o verdadeiro núcleo de sustentação estratégica do golpismo. A ignorância dos esforços dos verde-amarelos aninhados no governo para contornar a saída de Sérgio Moro teria ampliado esse desgosto e fortalecido o ativismo militar. Mas não se trata, jamais, da substituição de Bolsonaro, como muitos esperam. O Capitão Esfaqueado blinda a seus filhos marginais e a ele próprio, com a quase certa nomeação de um seu incondicional na chefia da Polícia Federal. Mas perde cada vez mais controle das ações governamentais para os generais do Exército, esteios estratégicos do golpismo. Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta e colocou um testa de ferro apalermado no Ministério da Saúde, estreitamente controlado pelo general Eduardo Pazuello, que certamente não sabe aplicar um band-aid.
O Zé Dirceu Dele
E tem mais. O general Braga Netto, todo poderoso Ministro Chefe da Casa Civil, acaba de anunciar em forma grandiloquente o Plano Pró-Brasil, proposto como espécie de Plano Marshall tupiniquim. Paulo Guedes, ministro da Economia, não estava presente e desancou no que definiu como retomada do PAC petista – Plano de Aceleração do Crescimento. Fora os exageros retóricos, trata-se de retomar as obras públicas paradas ou estagnadas, com a inversão de uns 30 bilhões de reais, em três anos. Discute-se também o financiamento público total do projeto “Minha Casa, Minha Vida”. Tudo para permitir um milhão de novos empregos – um verdadeiro cala-boca!
A apresentação destrambelhada, no dia 24, em mangas de camisa, sem sapato e de máscara, na solene defesa de Bolsonaro das acusações lançadas por Sérgio Mouro, expressa no mínimo o mal-estar do Posto Ipiranga, representante direto do capital financeiro e imperialista no governo. A saída de Paulo Guedes, essa sim, causaria uma profunda convulsão na atual administração. Os senhores generais no governo e nos quartéis se esforçam para manter Bolsonaro na presidência, em um governo que nasceu e se mantém sob o controle castrense. Para tal, intervém diretamente no governo e discutem uma pequena “gastança”, ainda que limitada e anti-popular, afastando-se da linha geral dos governos golpistas. Compreendem que algo há de se fazer diante da catástrofe sanitária e econômica mundial, exacerbada no Brasil, para não serem engolidos pelo monstro que pariram.
Bolsonaro é Descartável
As tal de hordas fascistas multitudinárias de Bolsonaro foram história de bicho papão inventado pelo golpismo e abraçada por esquerdistas desavisados ou mal-intencionados. Como Temer, Bolsonaro sempre foi e segue sendo um mero instrumento descartável do golpismo – agora, um pouco mais adiante, ou em 2022. No contexto da hecatombe que abraça o país, a esquerda “faz de conta” levanta a cabeça, à procura de carvão para seu assado. Desde 2016 em “quarentena”, a esquerda “amiga do capital” desdobrou-se para retirar a população das ruas e reconheceu a legalidade do segundo governo golpista. Tudo para mostrar serviço e fazer-se crer necessária. Distinguiram-se na operação safada Lula da Silva, Haddad, Boulos, Dino e a cáfila toda, praticamente sem exceções.
Os deputados e senadores ditos oposicionistas olharam comportados para o outro lado ou votaram medidas de institucionalização do golpismo e destruição do mundo do trabalho. Os governadores eleitos pela voto dos oposicionistas incautos não raro radicalizaram e se adiantaram na aplicação de medidas golpistas. Fizeram tudo obedientes ao golpismo -sem jamais pronunciar a palavra golpe- para garantir o direito de seguir elegendo e mantendo governadores, senadores, deputados, vereadores, sindicalistas, mesmo no reino do “faz de conta”. Ou seja, para seguirem recebendo seus gordos proventos, seguem jogando para a torcida, uma partida fantástica, onde correm de um lado para o outro sem o direito ou vontade de chutar a bola. A teta pública é doce e quente, e, quem não a tem, a quer; e quem a tem não quer largá-la. Como comprova o furor atual dos verde-olivas de sairem da reserva para dedicaram-se à “salvação do país”, juntando é claro à reforma mais um salário também polpudo – e quem sabe mais algumas “coisinhas”.
O Paraíso Eleitoral – Oposição de Mentirinha
A oposição de mentirinha primeiro propôs o abandono de qualquer oposição ativa à espera das eleições de 2020 e 2022, que serão certamente bichadas e manipuladas como as de 2018. Por mil razões e desculpas, rejeitaram a consigna “Fora Bolsonaro, Fora Mourão. Eleições livres e justas já!” Porém, no contexto de crise galopante, Bolsonaro mostrou incompetência visceral para além da imaginação. E se centrou na busca da consolidação de bloco de desatinados que lhe assegure chegar até o fim do mandato e, se não for o caso, sobreviver politicamente com seus filhos após 2022. O sacrifício de Mandetta e Moro foram ações à procura dessa pescaria miúda. Os desmandos de Bolsonaro e sobretudo a crise esparramaram pelo país o sentimento da necessidade de derrubar o homem, enquanto a “oposição faz de conta” colocava panos quentes nas feridas expostas da população.
Com Bolsonaro desinflando como um balão vazio e o gato tendo comido as suas terríveis milícias virtuais, a “esquerda amiga da direita” levantou a proposta da necessidade imprescindível de uma “frente nacional anti-bolsonaro” -jamais anti-golpista- onde caberiam todos, com destaque para os direitistas, golpistas e fardados tidos como e havidos, sem qualquer razão, como civilizados. E a terrível crise do coronavírus, com as dezenas de milhares de mortos jogados para debaixo do tapete, sobre os quais se cala, fortaleceu a política de acomodação-submissão-rendição ao golpismo. A esquerda “faz de conta” abraçou sem delongas a dissociação, sempre parcial, de governadores e prefeitos golpistas, da política de “morte súbita” de Bolsonaro, exigida pelo capital, diante do Coronavírus. Ela literalmente propôs aliança com toda a direita responsável pela catástrofe que o país vive. À excepção de Bolsonaro! Em um passe de mágica, todos os que torciam o nariz para alguma ação bolsonariana foram promovidos a eventuais salvadores da pátria.
Salvação Nacional
Em 25 de março, os “partidos de oposição”, PT, PSOL, PCdoB, PCB e Rede, declararam apoio às ações de “todas as instituições públicas, empresas, gestores estaduais e municipais, entidades de classe e organizações da sociedade civil, lideranças religiosas”,“prefeitos e governadores” que teriam agido contra o coronavírus. A nota propôs igualmente uma “ampla convergência contra a insensatez de Bolsonaro” e “união em defesa da vida dos brasileiros e da democracia”. Ou seja, trata-se, no fundo, de uma questão de falta de equilíbrio pessoal! E, assim sendo, Dória foi transformado no paradigma do governador responsável, defensor da racionalidade, sendo por isso cumprimentado por Lula da Silva.
E sequer uma palavra foi pronunciada por Dória ter deixado todo o sistema fabril funcionando. E de manter encobrimento consciente do real nível da catástrofe em São Paulo, negando-se a ampliar os testes, preparar realmente a rede hospitalar, assistir a população, etc. A grande mídia, que faz de conta que está na oposição, tem igualmente corroborado com a maxi sub-notificação das mortes no Brasil. O que mantém a população na ignorância e permite a defesa da política bolsonarista e golpista de “volta à normalidade”. E, é sempre bom lembrar, que fora as extravagâncias, as políticas bolsonaristas em defesa do capital, com destaque para as relativas ao coronavírus, expressam a vontade política senhores generais.
Bolsonaro Fora, Mourão Dentro
Sensíveis à fragilidade e isolamento de Bolsonaro, Lula da Silva e o próprio PT, em radical quarentena desde 2016, colocaram o nariz para fora da porta para dizer que apoiam, agora, a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”. Desde que, é claro, a população, sem exceção, se mantenha em casa, fora os trabalhadores da indústria e outros que seguem indo e vindo do trabalho, é claro, pois a economia não pode parar. No que concorda, fora raras exceções, a dita esquerda, à esquerda da “esquerda faz de conta”, toda ela, igualmente, enfurnada em casa, produzindo com furor único “lives” sobre “lives”.
A palavra de ordem agora é “Fora Bolsonaro”, sem agregar, é lógico, o necessário “Fora Mourão” e a exigência de imediatas eleições gerais livres. E, logicamente, mandar os senhores generais, todos, de volta para os quartéis, reformando e punindo os que comandaram e sustentaram o golpismo. Tarso Genro, verdadeira calandra da direita petista, acaba de piar no mesmo sentido, propondo uma “Frente de Salvação Nacional” com Dória, Witzel e, certamente agora, quem sabe, Sérgio Moro! Flávio Dino foi ainda mais explícito na defesa da dita “Frente de Salvação Nacional” proposta por seu partido, que corre para se cobrir de verde e amarelo e abandonar o abominável vermelho.
Meu Reino por um General
No início do mês de abril, Flávio Dino foi claro em dizer que, “se Bolsonaro entregasse” o governo para Mourão, o “Brasil” -de quem, meu caro?- chegaria “em 2022 em melhores condições”. Em palavras claras, a esquerda “faz de conta”, como um todo, propõe sustentar o general Mourão, naturalizando literalmente o golpismo, com tudo o que fez e pretende fazer. Apoio que exige em troca apenas a deposição da cara esdrúxula do golpismo – Bolsonaro, seus filhos e os ministros desconjuntados. E, logicamente, a aceitação mesmo formal da esquerda amiga do capital no jogo eleitoral e o fim dos processos judiciais fajutos. No melhor dos casos, sonham com o poder presidencial escorrendo para as mãos de um presidente do Congresso, inevitavelmente do sabor conservador.
Entretanto, atualmente, a oposição “faz de conta”, depois de governar em favor do capital por longos anos e de ter tirado o time do campo, antes mesmo de 2016, foi afastada definitivamente da primeira divisão. Joga na várzea, fazendo de conta que é finalista da Copa do Mundo, para manter simplesmente o eleitorado. A nota destoante nessa rendição sem peias veio da esquerda petista, que não se fazia ouvir também há muito. Agora, ele exige que o partido abrace o “Fora Bolsonaro e Mourão, seu Governo e suas Políticas!” e adote uma “alternativa democrática e popular” e um “programa de reconstrução nacional que rompa com o neoliberalismo”.
Um passo positivo, a ser apoiado, agregando-se às reivindicações propostas, necessariamente, eleições diretas imediatas, a volta dos militares para os quartéis e a punição dos golpistas. Objetivo apenas possível de se materializado com milhões de populares na rua, dispostos a pôr fim ao virtual estado ditatorial em que vivemos. Tudo o que a “oposição faz de conta” não quer e combate.
Prefiro Boxear com um Maneta
O alto comando das forças armadas se julga -e se trata- como verdadeiros príncipes da nação republicana. Os generais da ativa, gestores e sustentadores da nova ordem neo-colonial globalizada, agindo em nome do grande capital e do imperialismo, não aceitariam jamais, nem que a vaca tussa, um governo autoritário sob o comando de um capitãozinho desconjuntado, que entrou atravessado no projeto golpista. A própria substituição de Bolsonaro pelo vice Mourão é vista com desconfiança, já que colocaria um general, há pouco saído da tropa, no comando do governo, quando se abre crise social e econômica de gravidade ainda difícil de se qualificar.
O alto comando do exército levou décadas para se recompor das sequelas do desastre final da ordem ditatorial de 1964-85. Recomposição para a qual contou sempre com a ajuda permanente da grande imprensa e a colaboração direta ou indireta de todos os governos que se seguiram – petistas inclusive. Hoje, agem em nome do grande capital, sem programa próprio e sem querer assumir diretamente o governo que sustentam e no qual ocupam praticamente todos os postos chaves. Bolsonaro segue sendo uma espécie de cortina que encobre os reais senhores do poder. Encenação para a qual a esquerda bem comportada contribui poderosamente. Bolsonaro na presidência funciona como um amortecedor que, após ser usado em estrada ruim, pode ser trocado e atirado em um canto, ao igual que Michel Temer.
A crise social e econômica é profundíssima e segue se radicalizando. Ela começa a estremecer e a inquietar as grandes facções das classes proprietárias, que passam a acionar seus representantes políticos e buscar defensores nos quartéis. Mesmo a médio prazo, é difícil fazer previsões dos possíveis múltiplos desdobramentos. Porém, o certo é que, sem que sejam aproveitadas nas planícies, as fraturas nas alturas se resolvem sempre contra o interesse dos trabalhadores e da população.
Em todo caso, a troca de Bolsonaro por Mourão colocaria na direção do golpismo um político fino, inteligente, maneiroso, comprometido até as medulas dos ossos com a submissão total do nosso país ao grande capital internacional. Alguém capaz de manobrar para ser eleito em 2022, com a ajuda da manipulação da ordem golpista e o reconhecimento e aplauso da oposição de mentirinha. Por tudo isso e muito mais, se é para escolher o menor dos males, entre Bolsonaro e Mourão, eu fico e não abro com o idiota perfeito, já que o esperto é certamente capaz de um estrago maior e mais duradouro.