Decisão inédita: Justiça proíbe entrada de religiosos em terras indígenas no AM

Ordem é para que missionários que planejavam entrada em comunidades isoladas fiquem longe dos indígenas

Vale do Javari
Comunidade indígena do Vale do Javari. Reprodução

A Justiça proibiu a entrada de três pastores evangélicos e da organização religiosa Missão Novas Tribos nas comunidades indígenas do Vale do Javari, no Amazonas. A decisão de quinta-feira (16) é do juiz Fabiano Verli, da Justiça Federal em Tabatinga (AM).

A ação foi movida pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). É a primeira vez que um juiz federal atende a um pleito coletivo de uma organização indígena brasileira.

O principal réu é o missionário estadunidense Andrew Tonkin, investigado por invadir terras indígenas em duas ocasiões e acusado de planejar uma expedição evangélica a território habitado por indígenas isolados, o que fere de política do não contato garantida na Constituição de 1988.

“A gente tem sofrido com esse ingresso forçado, não só de pessoas como o Tonkin, mas pessoas como a própria Missão Novas Tribos, desde a década de 1950. Pouco temos visto de contribuição social ou fortalecimento da nossa identidade. Pelo contrário. O que temos visto é enfraquecimento da identidade, cada vez mais”, diz Eliesio da Silva Vargas, procurador-jurídico da Univaja.

Segundo o representante da União, o missionário pagou indígenas para aliciá-los em troca de informações sobre as comunidades.

“Desde o início ele tem trazido um prejuízo gigantesco para a organização indígena, no que tange a política de proteção da terra indígena. Ele, de alguma forma, começou aliciando alguns indígenas, dando dinheiro em troca para que dessem determinadas informações. Depois, chegou a ingressar em terra indígena, de forma forçada, junto com o segundo réu [Josiah Mcintyre]”.

Além da proibição de entrada nas terras, os religiosos também estão proibidos de ter contato com qualquer indígena, sob pena de multa de R$ 1 mil por dia ou ato.

Ao embasar a decisão, o juiz afirma que “há claros indícios de aculturamento no caso de uma comunidade, ao que parece, isolada”. Ele leva em conta a pandemia do novo coronavírus para impedir a entrada dos missionários.

“Deixando claro o agnosticismo deste Juiz, ressalto os que imagino serem bons motivos daqueles que querem espalhar a belíssima palavra de Cristo aos índios. Cristo, na mitologia cristã, mandou que espalhássemos, nós, os humanos, sua palavra. E isso deve ser bem-visto. Mas estamos num Estado laico e temos outras prioridades. Até estados semi-teocráticos e tirânicos como a Arábia Saudita esvaziaram seus templos pela Covid. Assim, não há que se falar em liberdade religiosa aqui. Não é esse o problema relevante”, fundamenta o magistrado.

Segundo o procurador-jurídico da Univaja, os réus estavam nas terras do Vale do Javari, mas fugiram do Brasil assim que souberam da ação. “Tive a informação hoje que eles estavam fora do país. Mesmo assim, vou pedir a execução da sentença, para que as autoridades policiais façam a vistoria nas comunidades, procurem saber onde tem não indígena”.

Eliesio comemora a decisão, que cria jurisprudência para aplicação da Justiça caso ocorram fatos semelhantes. “A gente acabou por inaugurar uma situação que é nova e criou um entendimento no Judiciário para que, nessas situações, possa se usar esse argumento de que a organização indígena pode fazer essa defesa coletiva”.

Fonte: BdF

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