Não acreditamos em outro resultado que não seja a inocência do ex-presidente, por uma razão, nós fizemos a prova da inocência.
Cristiano Zanin: “A Lava Jato ouviu em tempo real as nossas conversas. É uma violência ao direito de defesa”
Pergunta. A estratégia da defesa vai mudar após as mensagens vazadas pelo The Intercept?
Resposta. Esse material do The Intercept, que também está sendo divulgado por outros veículos, reforça uma situação que foi por nós colocada desde o início dos processos do ex-presidente Lula, que é a suspeição do então juiz Sergio Moro e também dos procuradores da Lava Jato. Em 2016, nós apresentamos, tanto a suspeição de Moro, quanto dos procuradores. E esses incidentes foram sendo processados ao longo do tempo e agora chegou ao Supremo Tribunal Federal. Chegou, na verdade, em dezembro, quando começou a ser julgado, e o julgamento foi retomado recentemente, e por uma coincidência foi divulgado esse material.
P. Quais elementos foram usados para comprovar a suspeição que vocês apresentaram?
R. São vários fatos que apontam claramente para a suspeição, de acordo com o que diz a lei brasileira e os tratados internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir. Primeiro, as diversas medidas tomadas em relação ao ex-presidente Lula antes da fase processual que indicavam uma predisposição do ex-juiz Moro para condenar o ex-presidente. Houve a condução coercitiva, incompatível com a Constituição como reconheceu o próprio Supremo, buscas e apreensões diversas na casa do ex-presidente, dos seus filhos e colaboradores, interceptações telefônicas em larga escala, inclusive com a divulgação de parte das conversas interceptadas, que foi aquela entre Lula e Dilma, coletada após o exaurimento da autorização. Houve também interceptações no nosso escritório para acompanhar a estratégia de defesa. Ou seja, houve o acompanhamento em tempo real de conversas entre advogados que estavam tratando da defesa do ex-presidente Lula. Não é tão somente o fato de ter ocorrido uma interceptação, mas sim uma interceptação que foi acompanhada em tempo real, por 25 dias, quando policiais, procuradores e o juiz Moro sabiam de tudo o que era conversado pelos advogados e possivelmente tomavam medidas para inviabilizar a estratégia da defesa. Teve também a participação de Moro em inúmeros eventos claramente de natureza política e sempre marcados por ser de oposição política ao ex-presidente Lula. Ainda a questão bastante relevante que foi a interferência direta de Moro durante a eleição, sobretudo com a divulgação de uma parte da delação de Palocci. Outro argumento que integra o nosso habeas corpus é o fato dele ter deixado o cargo de juiz que conduzia os processos contra o ex-presidente Lula, que inviabilizou a sua candidatura, para assumir um dos principais cargos no governo que se elegeu a partir do momento em que Lula foi impedido de ser candidato. Esse quadro, totalmente documentado e comprovado, é mais do que suficiente para configurar a suspeição do ex-juiz Moro e consequentemente para que seja anulado todo o processo.
P. O processo inteiro?
R. Todo o processo. É o que diz a lei: uma vez reconhecida a suspeição, todos os atos são anulados e o processo deve ser reiniciado na presidência de um juiz imparcial independente. Esse é um direito que vale para qualquer cidadão, mas que para o ex-presidente não valeu.
P. E neste caso todos os processos da Lava Jato envolvendo o ex-presidente Lula voltariam à estaca zero?
R. O nosso pedido é que nesse caso do triplex seja reconhecida a parcialidade e seja anulado todo o processo. Mas como o mesmo juiz Moro também presidiu os outros processos, também praticou atos, autorizou diversas medidas, realizou atos de instrução, que essa nulidade também alcance os outros dois processos [do sítio em Atibaia e do terreno atribuído ao Instituto Lula] – que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba.
P. Além do grampo no telefone do seu escritório, vocês tiveram algum caso de hackeamento em algum momento?
R. Não. Não tenho nenhum elemento para dizer sobre ocorrência de hackeamento. Existe sim, e é muito grave, terem retirado do nosso escritório conversas com uma aparência de legalidade. Nosso ramal foi interceptado sob o pretexto de que pertenceria a uma empresa de palestras do ex-presidente Lula. Esse foi o pretexto usado para que os procuradores pedissem a interceptação e foi o pretexto usado pelo ex-juiz Moro para autorizar a interceptação. Isso era uma mentira. Durante os 25 dias da interceptação, Moro recebeu da [operadora] Telefônica dois ofícios alertando que os ramais pertenciam a um escritório de advocacia. Ele estava ciente de que era um ramal de um escritório. Quando o ministro Teori Zavascki [então relator da Lava Jato no STF] pediu a Moro que explicasse o episódio, ele disse que não teve tempo para analisar essa situação. No entanto, nós provamos, e isso está no processo que hoje se encontra sob julgamento do Supremo, que não só eles sabiam que era um escritório de advocacia, mas que eles estavam ouvindo em tempo real as nossas conversas. Eles ouviam a conversa e faziam um resumo daquilo que estava sendo discutido, das estratégias, das providências.
P. Como eram esses resumos?
R. Foi feita uma planilha e cada conversa consta numa planilha, mostrando os autores das conversas e o teor delas. É uma violência ao direito de defesa sem precedentes. Monitorar advogados, ouvir em tempo real a conversa dos advogados e possivelmente tentar se antecipar às estratégias defensivas. Isso, por si só, é suficiente, não só no Brasil, mas em qualquer país civilizado para que se reconheça a suspeição do juiz e para que se anule todo o processo. É preciso lembrar também que não foi a primeira vez que o ex-juiz Moro havia monitorado advogados. Ele já tem precedentes e o próprio Supremo chegou a analisar casos em que ele monitorou advogados. Isso mostra, na minha visão, um desprezo absoluto ao direito de defesa e um atropelo permanente das regras, o que não é compatível com a função jurisdicional e tampouco com o estado de Direito.
P. O ex-presidente ficou mais entusiasmado após o vazamento das conversas entre Moro e os procuradores?
R. Ao meu ver sim, porque você tem a verdade nua e crua aparecendo e confirmando aquilo que ele disse ao longo do processo e que nós como advogados também dissemos.
P. A defesa aposta mais na suspeição de Moro ou em provar que Lula é inocente?
R. São duas situações diferentes. É muito importante para nós, neste momento, termos esse reconhecimento da suspeição para que o processo seja reiniciado perante um juiz imparcial. Não só não há prova de culpa, como também temos provas de inocência que poderão ser analisadas por um juiz imparcial e que poderão levar ao reconhecimento da inocência do ex-presidente. Não acreditamos em outro resultado que não seja a inocência do ex-presidente, por uma razão, nós fizemos a prova da inocência.
Fonte: Reprodução de trechos da entrevista de Cristiano Zanin Martins, advogado do presidente Lula, ao El País.