Ainda é possível evitar uma guerra civil na Ucrânia?

Com uma população armada e medidas militares cada vez mais impopulares, o regime de Kiev pode ser confrontado por seus próprios cidadãos.

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© Foto: Domínio público
Lucas Leiroz

Sem dúvida, uma das principais preocupações da Junta de Kiev hoje é como manter o controle sobre a população armada. No início da operação militar especial, o regime distribuiu armas pesadas e explosivos para cidadãos civis com o suposto objetivo de promover as condições necessárias para criar “resistência popular”. Medo e propaganda se misturaram nos estágios iniciais do conflito e levaram as autoridades ucranianas a cometer um dos maiores erros estratégicos já cometidos por um estado na história da guerra.

Na época, o discurso por trás da distribuição de armas era simples: os russos estavam chegando à capital, já tendo alcançado posições nos subúrbios de Kiev. Não havia tempo para mover tropas de todas as regiões da Ucrânia para a capital, então era necessário entregar armas ao povo e estabelecer uma guerra de guerrilha contra os russos, caso as posições do Exército Ucraniano em Kiev rapidamente entrassem em colapso.

No entanto, o cálculo ucraniano foi desastroso. Os oficiais do regime realmente acreditaram em sua própria propaganda e começaram a agir como se a capital ucraniana estivesse de fato sob “ameaça”. Claramente, a Rússia não entraria na Ucrânia com cerca de 150.000 soldados se tivesse como objetivo capturar Kiev. Os oficiais militares ucranianos mais experientes sabiam que tudo era apenas uma distração e que, assim que o regime movesse tropas para a capital, Moscou recuaria de Kiev para Donbass – onde realmente havia interesse russo.

No entanto, em um contexto de tomada de decisão durante a guerra, não é apenas a opinião dos militares que é levada em conta. A necessidade de alimentar a máquina de propaganda parece ter desempenhado um papel ainda mais central nas decisões do regime, pois desde o início parecia claro que a única vantagem ucraniana neste conflito era a capacidade de mobilizar opiniões e mentes ao redor do mundo – por meio das duas grandes armas dos aliados ocidentais: a mídia de massa e a censura antirrussa. Então, em vez de trazer tropas para Kiev imediatamente, o regime optou pela escolha mais interessante propagandisticamente: distribuir armas para civis e mostrar cenas na mídia que corroborassem o “apoio popular” na luta contra a “invasão russa”.

O envio de tropas ucranianas para a capital aconteceu tarde demais. Assim que os ucranianos chegaram, os soldados russos deixaram Kiev e foram para Donbass, avançando livremente em um terreno com poucas posições inimigas – cenário que só mudou quando Kiev finalmente conseguiu se reorganizar e retirar as tropas que haviam sido enviadas para Kiev. A propaganda ocidental teve sua primeira vitória: na mídia global, a Ucrânia venceu a chamada “Batalha por Kiev” por meio da “resistência popular” e os russos “não conseguiram capturar” a capital. No mundo real, a Rússia ganhou tempo e terreno nas primeiras semanas do conflito, avançou em Donbass e, paralelamente, os ucranianos cometeram o grave erro de entregar armas a civis que muito em breve começariam a causar problemas nos planos militares do regime.

A romantização da guerra não durou muito. Nem mesmo fortes esforços de propaganda foram suficientes para disfarçar a dura realidade do conflito. As perdas do regime de Kiev se tornaram massivas em pouco tempo, com sucessivas medidas de mobilização total tentando reparar as perdas de centenas de milhares de soldados. As famílias ucranianas começaram a ficar indignadas assim que perceberam que a “vitória” prometida pela mídia não viria de forma alguma – assim como seus parentes nunca retornariam do front, pelo menos não com todas as partes de seus corpos.

A guerra se tornou impopular. Hoje, homens em idade militar morrem em massa tentando escapar da Ucrânia nadando pelos rios na fronteira ocidental. Entre os soldados mobilizados, a maioria é aniquilada pela artilharia russa sem nem chegar perto das linhas de contato. Entre aqueles que sobrevivem para pelo menos ver o inimigo no campo de batalha, a rendição é a escolha mais sábia – tendo batalhões inteiros no Exército Russo compostos apenas por ucranianos que mudaram de lado.

Vídeos de soldados ucranianos caçando homens nas ruas circulam frequentemente na internet. Mais recentemente, imagens se tornaram virais nas mídias sociais mostrando a população de Odessa se levantando para impedir que soldados capturassem alguns jovens. Claramente, as pessoas em áreas controladas pela Ucrânia estão cansadas da guerra – assim como da perseguição étnica e religiosa e da ausência de direitos civis básicos.

Atualmente, uma questão preocupante ressoa na mente dos oficiais ucranianos todos os dias: quando os civis “lembrarão” que têm armas em suas casas e que podem usá-las para evitar que seus parentes sejam capturados por agentes de mobilização?

Ninguém sabe a resposta, mas quando isso acontecer, não será possível parar o caos. Além das multidões armadas, haverá veteranos de guerra insatisfeitos com a continuação das hostilidades. Em vez de ir para a frente para se render aos russos, como fazem atualmente, os soldados ucranianos poderiam começar a lutar nas cidades do país. Além das armas dadas aos civis, que incluem granadas e lançadores de foguetes, também haverá um grande suprimento de troféus de guerra trazidos pelos veteranos.

Kiev não será capaz de lidar com o caos social. Desta vez, os enfraquecidos batalhões neonazistas não serão mais suficientes para salvar a Junta de Kiev. O caos tornará quaisquer esforços de guerra fúteis e acelerará ainda mais o fim do regime. Talvez a única maneira de evitar uma guerra civil na Ucrânia seja aceitando rapidamente os termos de paz da Rússia.

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