No processo, a defesa de Lula pede a suspeição do então juiz da causa, Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tende a permanecer preso, até o próximo semestre. O julgamento marcado para esta terça-feira, se depender da nova presidente da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, não será realizado tão cedo.
No processo, a defesa de Lula pede a suspeição do então juiz da causa, Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública. O pedido ganhou força após as denúncias publicadas pela agência norte-americana de notícias Intercept Brasil. Elas apontam que o magistrado interferiu no trabalho de procuradores da Operação Lava Jato para afastar o ex-presidente da eleição presidencial e abrir caminho para a vitória do atual mandatário, Jair Bolsonaro (PSL).
Cármen Lúcia, colocou a ação no último lugar da fila, após outros 11 processos a serem julgados. Segundo o ministro Gilmar Mendes, também da Segunda Turma do STF, concluiu que não haverá tempo de debater o caso de Moro. Seu voto tem mais de 40 páginas. Diante dos fatos, Mendes decidiu, então, indicar o adiamento da discussão para o segundo semestre.
Até agora, dois ministros da Segunda Turma do STF já votaram, ambos contra o pedido de suspeição. São eles Cármen Lúcia e Edson Fachin. Faltam os votos de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Denúncia
O pedido ocorrera antes mesmo de a Intercept Brasil divulgar reportagens mostrando que Moro dirigiu os trabalhos de procuradores e agentes federais; além de condenar Lula, sem provas no processo do triplex em Guarujá (SP), de ter receber o apartamento como propina da OAS. Segundo a Intercept, em diálogo com Moro, até o procurador Deltan Dallagnol duvidava da existência de provas.
“No dia 9 de setembro de 2016, precisamente às 21h36 daquela sexta-feira, Deltan Dallagnol enviou uma mensagem a um grupo batizado de Incendiários ROJ, formado pelos procuradores que trabalhavam no caso. Ele digitou: ‘Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobrás e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, revela a agência.
Outro ponto é que, na apresentação da denúncia, em setembro de 2016, o procurador Henrique Pozzobon admitiu que não havia “prova cabal” de que Lula era o proprietário do apartamento. O ex-presidente também nunca dormiu, nem tinha a chave do imóvel.
Em face dos acontecimentos, o ex-presidente Lula reagiu com indignação à manobra do STF, para adiar seu pedido de habeas corpus. Embora Lula esteja na condição de preso político há mais de um ano, os ministros do STF têm sido pressionados por generais da ativa e da reserva a mantê-lo preso.
Carta
Lula também divulgou, nesta segunda-feira, uma carta enviada ao amigo Celso Amorim.
“Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está preso injustamente”, escreveu.
“A pergunta que faço todos os dias aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça”.
Leia, adiante, a íntegra da carta:
Querido amigo,
A cada dia fico mais preocupado com o que está acontecendo em nosso Brasil. As notícias que recebo são de desemprego, crise nas escolas e hospitais, a redução e até mesmo o fim dos programas que ajudam o povo, a volta da fome. Sei que estão entregando as riquezas do país aos estrangeiros, destruindo ou privatizando o que nossa gente construiu com tanto sacrifício. Traindo a soberania nacional.
É difícil manter a esperança numa situação como essa, mas o brasileiro não desiste nunca, não é verdade? Não perco a fé no nosso povo, o que me ajuda a não fraquejar na prisão injusta em que estou faz mais de um ano. Você deve se lembrar que no dia 7 de abril de 2018, ao me despedir dos companheiros em São Bernardo, falei que estava cumprindo a decisão do juiz, mas certo de que minha inocência ainda seria reconhecida. E que seria anulada a farsa montada para me prender sem ter cometido crime. Continuo acreditando.
Todos os dias acordo pensando que estou mais perto da libertação, porque o meu caso não tem mistério. É só ler as provas que os advogados reuniram: que o tal tríplex nunca foi meu, nem de fato nem de direito, e que nem na construção nem a reforma entrou dinheiro de contratos com a Petrobrás. São fatos que o próprio Sergio Moro reconheceu quando teve de responder o recurso da defesa.
Acusação
É só analisar o processo com imparcialidade para ver que o Moro estava decidido a me condenar antes mesmo de receber a denúncia dos procuradores. Ele mandou invadir minha casa e me levar à força pra depor sem nunca ter me intimado. Mandou grampear meus telefonemas, da minha mulher, meus filhos e até dos meus advogados, o que é gravíssimo numa democracia. Dirigia os interrogatórios, como se fosse o meu acusador, e não deixava a defesa fazer perguntas. Era um juiz que tinha lado, o lado da acusação.
A denúncia contra mim era tão falsa e inconsistente que, para me condenar, o Moro mudou as acusações feitas pelos promotores. Me acusaram de ter recebido um imóvel em troca de favor mas, como viram que não era meu, ele me condenou dizendo que foi “atribuído” a mim. Me acusaram de ter feito atos para beneficiar uma empresa. Mas nunca houve ato nenhum e aí ele me condenou por “atos indeterminados”. Isso não existe na lei nem no direito, só na cabeça de quem queria condenar de qualquer jeito.
A parcialidade dele se confirmou até pelo que fez depois de me condenar e prender. Em julho do ano passado, quando um desembargador do TRF-4 mandou me soltar, o Moro interrompeu as férias para acionar outro desembargador, amigo dele, que anulou a decisão. Em setembro, ele fez de tudo para proibir que eu desse uma entrevista. Pensei que fosse pura mesquinharia, mas entendi a razão quando ele divulgou, na véspera da eleição, um depoimento do Palocci que de tão falso nem serviu para o processo. O que o Moro queria era prejudicar nosso candidato e ajudar o dele.
Impedido
Se alguém ainda tinha dúvida sobre de que lado o juiz sempre esteve e qual era o motivo de me perseguir, a dúvida acabou quando ele aceitou ser ministro da Justiça do Bolsonaro. E toda a verdade ficou clara: fui acusado, julgado e condenado sem provas para não disputar as eleições. Essa era única forma do candidato dele vencer.
A Constituição e a lei determinam que um processo é nulo se o juiz não for imparcial e independente. Se o juiz tem interesse pessoal ou político num caso, se tem amizade ou inimizade com a pessoa a ser julgada, ele tem de se declarar suspeito e impedido. É o que fazem os magistrados honestos, de caráter. Mas o Moro, não. Ele sempre recusou se declarar impedido no meu caso, apesar de todas as evidências de que era meu inimigo político.
Meus advogados recorreram ao Supremo Tribunal Federal, para que eu tenha finalmente um processo e um julgamento justos, o que nunca tive nas mãos de Sergio Moro. Muita gente poderosa, no Brasil e até de outros países, quer impedir essa decisão, ou continuar adiando, o que dá no mesmo para quem está preso injustamente.
Suspeito
Alguns dizem que ao anular meu processo estarão anulando todas as decisões da Lava Jato, o que é uma grande mentira pois na Justiça cada caso é um caso. Também tentam confundir, dizendo que meu caso só poderia ser julgado depois de uma investigação sobre as mensagens entre Moro e os procuradores que estão sendo reveladas nos últimos dias. Acontece que nós entramos com a ação em novembro do ano passado, muito antes dos jornalistas do Intercept divulgarem essas notícias. Já apresentamos provas suficientes de que o juiz é suspeito e não foi imparcial.
Tudo que espero, caro amigo, é que a justiça finalmente seja feita. Tudo o que quero é ter direito a um julgamento justo, por um juiz imparcial, para poder demonstrar com fatos que sou inocente de tudo o que me acusaram. Quero ser julgado dentro do processo legal, com base em provas, e não em convicções. Quero ser julgado pelas leis do meu país, e não pelas manchetes dos jornais.
A pergunta que faço todos os dias aqui onde estou é uma só: por que tanto medo da verdade? A resposta não interessa apenas a mim, mas a todos que esperam por Justiça.
Quero me despedir dizendo até breve, meu amigo. Até o dia da verdade libertadora. Um grande abraço do
Lula.
Curitiba, 24 de junho de 2019.