O inquérito instaurado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e conduzido por Alexandre de Moraes, bem como o pedido de arquivamento feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) colocaram no centro do debate a própria possibilidade da Corte criar esse tipo de procedimento de ofício.
No dia 14 de março o STF instaurou inquérito para apurar ataques realizados contra a instituição. Já na última terça-feira (16), a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento do inquérito, acusando-o de censura. O pedido foi recusado horas depois pelo ministro Alexandre de Moraes, que o qualificou como “genérico”.
A medida de Toffoli se baseia no artigo 43 do Supremo, que estabelece a possibilidade do procedimento: “Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro”.
Juristas ouvidos pelo Brasil de Fato, alguns sob condição de anonimato, afirmam que, dado que a Constituição remete ao Supremo o estabelecimento de seu próprio regimento, a possibilidade deve ser tida como legal. No caso concreto em questão, entretanto, veem ilegalidades no campo jurídico, já que o citado artigo estabelece um critério “geográfico” – sede do Tribunal – e ainda aponta que apenas pessoas com foro por prerrogativa podem dele ser alvo – “se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição”.
Alessandre Argolo defende juridicamente o próprio irmão, também advogado, no inquérito e ressalta esse último ponto.
“Só pode responder a esse inquérito pessoas com foro por prerrogativa de função. O Adriano é um advogado, um cidadão comum. Não tem foro privilegiado. Jamais poderia estar respondendo uma investigação perante o STF”, avalia.
Embate político
O advogado e professor Fernando Hideo coloca a questão em outro patamar, afirmando que “não há nenhuma novidade” em ações ilegais por parte das instituições brasileiras. Segundo ele, para entender a questão, é preciso reconhecer que há “uma fratura exposta” entre instituições que, no passado, tinham um “propósito comum”: retirar o PT do governo.
“Está Cada vez mais explícito que o STF está em pé de guerra com o Ministério Público Federal. Nesse contexto mais político que jurídico que deve ser feita a análise. Juridicamente é muito simples: o Direito não tem sido observado há muito tempo”, critica.
Em sua visão, uma parcela do Supremo atua para barrar a operação Lava Jato, protagonizada pelo MPF, avaliando que a “saída será traumática”.
O professor de Direito Constitucional Pedro Serrano aponta que a situação leva a um paradoxo: enquanto a PGR critica a abertura do inquérito, em última instância, é o próprio Supremo que interpreta seu regimento e a Constituição. Em sua análise, destaca que o próprio Ministério Público atuou e defendeu, em outros momentos, que a Corte tivesse uma capacidade de “interpretação extensiva”, a mesma que utilizou para a abertura do inquérito.
“Quem interpreta a Constituição de forma terminativa é o STF. Se o MP se revolta agora com isso, deveria ter se revoltado quando ele não seguiu a letra da Constituição na questão do trânsito em julgado como condição para prender pessoas. Não dá para aceitar que o STF tenha interpretações que atingem a cidadania e não aceitar quando atinge o MP como instituição”, diz.
Histórico
Apesar de rara, a abertura de inquérito por parte do Supremo não é inédita. Quando o ex-governador do Rio de Janeiro foi detido e algemado – imagem que ganhou a imprensa –, o ministro Gilmar Mendes abriu inquérito para apurar a atuação dos agentes de Polícia Federal que conduziram a ação.
O caso foi lembrado por fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, que colocaram a experiência como um dos elementos para explicar o novo inquérito do Supremo. Para estes juristas, parte da Corte, que deseja limitar as ilegalidades “do poder paralelo no qual se transformou o MPF através da Lava Jato”, não poderia depender do próprio Ministério Público para conduzir a investigação.