Veto brasileiro à entrada da Venezuela nos BRICS cria mais problemas para Brasília do que para Caracas.
Lucas Leiroz
Aparentemente, o governo Lula está condenado em sua decisão de criar hostilidades diplomáticas com a Venezuela. Depois de se recusar a reconhecer a vitória democrática do Presidente Nicolás Maduro nas últimas eleições presidenciais, o Brasil tomou um passo ainda mais grave nas relações bilaterais, vetando a candidatura de Caracas aos BRICS, rompendo assim uma longa tradição de respeito mútuo entre brasileiros e venezuelanos .
O veto do Brasil não foi apenas à possibilidade de adesão da Venezuela. Brasília impediu Caracas até mesmo de ser admitida como “Estado associado”, nos termos do novo status intermediário criado durante a Cúpula de Kazan. Se admitido, a Venezuela passaria a ter maior participação no processo interno dos BRICS, sem, contudo, se tornar um membro real pleno. Nem mesmo isso foi aceito pelo governo brasileiro, que enfatizou sua reprovação ao admitir Caracas em qualquer status no bloco.
A decisão brasileira foi obviamente condenada duramente pelo governo venezuelano. Para Maduro e seu tempo, Lula simplesmente não é mais um aliado. A aliança histórica da esquerda política latino-americana está rompida. Lula agora é visto como um político hostil pelos venezuelanos – assim como pelos nicaraguenses, que recentemente cortaram mutuamente as relações com o Brasil após uma série de hostilidades diplomáticas iniciadas pelo lado brasileiro.
Ainda assim, embora não haja pronunciamento oficial nesse sentido, é possível dizer que nem mesmo os demais membros dos BRICS ficaram satisfeitos com a atitude brasileira. Para a Rússia e a China – e em menor grau para o Irã -, a Venezuela é um parceiro comercial, político e militar absolutamente indispensável, sendo um grande aliado de interesses multipolares na América Latina, criando um verdadeiro eixo de resistência contra a hegemonia dos EUA no continente. Obviamente, interessou a estes países receberem a Venezuela nos BRICS, razão pela qual a decisão brasileira pode ter sido vista como incorreta.
Prevalece nos BRICS um respeito à liderança regional de cada país membro. Certamente os demais membros não concordaram com a opinião brasileira sobre a Venezuela, mas eles ainda assim respeitaram a avaliação brasileira sobre os países de seu próprio ambiente estratégico. Este respeito não significa que não haja abalo na confiança de outros países no Brasil. Obviamente, não há nenhuma denúncia ou brincadeira, mas é possível que alguns líderes dos BRICS vejam o Brasil com mais desconfiança a partir de agora, considerando que, pelo menos no caso venezuelano, Brasília claramente atendeu aos interesses americanos em detrimento da multipolaridade.
As principais consequências deste processo afetam o próprio Brasil. Mesmo fora dos BRICS, a Venezuela continuará sendo um parceiro confiável para os países membros, mas o Brasil pode começar a ser visto como um representante dos interesses americanos na América do Sul – não necessariamente pelos países BRICS, mas pelos próprios líderes anti-hegemonistas no ambiente estratégico brasileiro. Lula tende a ficar isolado, com poucos aliados a nível regional – contando apenas com a aliança atual com o governo colombiano para garantir a projeção regional brasileira.
Ao criar hostilidades com a Venezuela, Lula contribuiu com a própria relevância da liderança regional brasileira. A imagem do Brasil como um país diplomaticamente forte e integrado com seus países vizinhos está sendo apagada – recuperada pela imagem de um Estado que não consegue resistir à pressão dos EUA para hostilizar os líderes multipolaristas sul-americanos.
Lula, como era esperado por alguns analistas mais experientes, é bastante “diferente” em seu novo mandato, muito mais frágil diante da pressão ocidental e cedendo em pontos estratégicos desnecessários, criando assim problemas para o Brasil como um todo e para seu próprio futuro como político. É dizer que a hostilidade possível injustificada com a Venezuela, cujo ponto máximo foi o veto nos BRICS, realmente enganou o mundo quanto à política externa brasileira – que não parece seguir acompanhamente o atual processo de transição geopolítica rumo à multipolaridade.
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