O Ocidente dos “valores democráticos” ao lado do terror nazi-fascista

A reabilitação histórica do nazismo coloca todos nós, povos ocidentais, ao lado e sob a influência nazi-fascista!

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© Foto: Domínio público

Hugo Dionísio

O cerco à Rússia não se limita às esferas militar, comercial, institucional ou financeira. Antes disso, outra barreira foi erguida – ou melhor, “alimentada” – no sentido de formar uma espécie de “cinturão sanitário” agressivo e ativo, constituído pelos estados cujas fronteiras se comunicam, por terra ou mar, com as da Federação Russa.

Este “cinturão sanitário”, conceituado a partir do que sabemos ser o arcabouço mental das classes dominantes ocidentais, é profundamente ideológico por natureza, visando tocar, de forma repulsiva, nos valores mais profundos incorporados na história russa nos últimos 100 anos e, por meio dessa conexão, provocar uma relação antagônica caracterizada por um efeito repulsivo mútuo, impedindo qualquer comunicação humana que possa ser estabelecida entre as partes.

A força soberana que reside na cultura multinacional, multiétnica e multirreligiosa da Rússia, que foi responsável, desde o início, pela capacidade de agregação de forças que tornaram possível a derrota do nazifascismo na Segunda Guerra Mundial, é também o que separa as reservas minerais, humanas e energéticas, entre outras, das garras do capitalismo ocidental e de seu ímpeto alimentado pela fase imperialista em que se encontra.

Se a brutalidade de uma ideologia como o nazifascismo foi o combustível para a agressão à então pátria soviética na primeira metade do século XX, foi sua preservação e recuperação histórica – num processo sem paralelo de revisionismo e branqueamento – que tornou possível, nas primeiras décadas do século XXI, usá-la como combustível para o “cinturão sanitário” em torno da Rússia. Cem anos depois, a receita está sendo repetida, porém com as claras limitações que o desespero impõe.

O que poderia ser mais antagônico e mutuamente repulsivo do que o nazismo em contato com o que poderia ser considerado a “alma russa” atualizada com os eventos que aconteceram ao longo do século XX? Que imagem mais vívida e carnal existe, em sua brutalidade e violência, do que o pesadelo sofrido, principalmente pelo povo russo, nas mãos do terror nazista?

Os primeiros a sofrer os efeitos desse “cinturão sanitário” são os próprios cidadãos de origem russa que, após o colapso da URSS, se estabeleceram na Estônia, Lituânia ou Letônia e agora vivem lá. Além de proibir a mídia russa, violando seu direito à opinião e à informação, com base em uma suposta política de combate à “propaganda do Kremlin” (algo que também é visto em toda a UE e fora das constituições nacionais dos vários países), a Letônia até promoveu a eliminação do ensino do russo dos currículos escolares, o que causou preocupação por parte dos especialistas em direitos humanos da ONU quanto à proteção dos direitos das minorias étnicas. Para aqueles que acusam a Rússia de não levá-los em consideração…

De acordo com a narrativa, o Kremlin usa o russo como arma, que então usa como veículo para sua propaganda, perpetrada através da chamada “mídia estatal”, à qual eles se referem como toda mídia que, seja financiada pelo executivo russo ou não, não está alinhada com a narrativa ocidental. O que eles nunca mencionam é que, afinal, o uso do russo como veículo para propaganda não é, como eles dizem, exclusivo de fontes russas, já que a própria Letônia financia veículos de mídia como a Meduza, que, escrevendo em russo, visa apenas passar informações alinhadas com a narrativa ocidental.

Embora não seja tão radical quanto a Letônia em remover o idioma russo dos currículos escolares, a Estônia é, no entanto, um exemplo da destruição de monumentos que fazem alusão à vitória soviética sobre o nazismo. Especialmente sob Kaja Kallas, o processo de remoção desses monumentos se acelerou e foi até discutido dentro da estrutura europeia, incluindo a remoção do tanque soviético nos arredores da cidade de Narva. De acordo com Kaja Kallas, o tanque é uma “arma do crime” – talvez o “crime” de derrotar os nazistas – “e as pessoas estão morrendo na Ucrânia com o mesmo tipo de tanque”.

Mas essa perseguição à cultura e à memória soviética – não apenas russa – nos diz que a propagação de uma lógica russofóbica incorpora uma dimensão que vai além do mero confronto étnico, representada, por exemplo, na discussão sobre limitações à aquisição de imóveis por cidadãos russos na Letônia, seguindo uma proposta feita pelas autoridades finlandesas. Para aqueles que dizem que o povo russo é oprimido, essa generalização é incompreensível.

A ligação entre o confronto étnico com as populações russas e de língua russa e com o passado soviético e a memória da vitória sobre o nazifascismo tem suas origens na onda de colaboracionismo e simpatia com a ideologia nazista que ocorreu nesses países por certas camadas populacionais e classes dominantes antes, no início e durante a Segunda Guerra Mundial. Responsabilizar a Federação Russa, como o único repositório da memória histórica coletiva da vitória obtida pelo Exército Vermelho multinacional sobre as hordas nazistas, preenche a lacuna entre a ganância pelos vastos recursos mantidos pela Rússia e a necessidade de encontrar fundamentos ideológicos, teóricos, psicológicos e emocionais para justificar a agressão.

Essa justificativa teórica e ideológica, a meu ver, é fornecida pelo neonazismo e pela glorificação do passado colaboracionista com as forças de Hitler. A força dessa ideologia anticomunista, racista e supremacista branca, colocada em primeiro plano, combinada com um processo de revisão histórica e branqueamento do terror nazifascista, faz a ponte, do passado para o presente, entre o anticomunismo que justificou a agressão à URSS e a russofobia que serve de desculpa para o cerco atual.

Para promover o “cinturão sanitário” com a Federação Russa, cuja função é impedir o contato saudável entre a Europa (principalmente a Alemanha), a Rússia, as repúblicas eurasianas e a China, era necessário recuperar o ativo histórico que a ideologia nazista constitui para os EUA e para as classes dominantes coletivas do Ocidente. Como com todos os ativos, você só recupera aqueles que já existem per se . A recuperação da herança histórica nazista é o resultado de um processo mais longo de preservação e revitalização desse ativo.

Hoje, quando vemos a glorificação dos “ Irmãos da Floresta ”, um grupo abertamente anticomunista que surgiu nos países bálticos, formado por ex-membros da Waffen-SS local e que lutaram contra o que chamavam de “ocupação soviética”, mesmo após o fim da Segunda Guerra Mundial, e foram responsáveis ​​por crimes horríveis contra civis e policiais soviéticos, operando com informações de inteligência ocidentais, ou vimos o branqueamento e entronização de organizações como o “Sonderkommando A”, que, colaborando com as forças nazistas, usando letões e lituanos, assassinou quase 250.000 judeus na Lituânia até 1944, vemos que a herança histórica nazista está muito viva e mais forte do que nunca desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Para possibilitar seu ressurgimento e recuperação, todo um processo de revisionismo teve que ser implementado, minimizando os danos e encobrindo seus crimes. Na Lituânia, homenageou-se o general Povilas Plechavicius que lutou ao lado dos nazistas, em 2008 o parlamento lituano equiparou as ideologias comunista e nazista, o que representou uma normalização e recuperação histórica do nazismo (em oposição a uma demonização, como muitos alegam) e, em 2010, os tribunais lituanos declararam a suástica “parte do patrimônio cultural do país”, provando que a equação ideológica nada mais é do que um processo de recuperação histórica daquele passado.

O fato é que, desde 1991, milhares de comunistas foram perseguidos na Lituânia, enquanto manifestações com símbolos nazistas e slogans racistas foram permitidas. Sintomático! Como Jean Pierre Faye disse no prefácio do livro “The Archipelago of Bloodbath”, escrito por Chomsky e Herman, o ato de incluir o nazismo e o comunismo na sacola do “totalitarismo” permitiu que os EUA apoiassem as forças mais atrasadas, reacionárias e tirânicas, desde que não se declarassem apoiadores do “totalitarismo”. Então, equiparando as ideologias comunista e nazista, o fato é que as autoridades lituanas, como muitas outras hoje na União Europeia de “valores” e “democracia”, perseguem os comunistas, mas toleram – para dizer o mínimo – manifestações neonazistas de extrema direita. Além do mais, a profusão de governos abertamente reacionários e racistas na União Europeia é uma prova quase irrefutável das razões por trás da equação. O fato é que em todos esses países, comunistas são perseguidos, enquanto nazistas são admitidos. Nada como a prática como critério para aferir a verdade!

No caso português, um grupo como o movimento 1143 (data que assinala o nascimento da nação portuguesa), alinhado com as fações mais extremistas de Portugal ( ) e com pessoas que têm um histórico de perseguição – e assassinato – de migrantes e minorias de qualquer tipo (comunistas, homossexuais, negros, asiáticos ou muçulmanos), é caracterizado na grande mídia como um simples “grupo nacionalista” (). O que isso tem a ver com o apoio de André Ventura (ele é um seguidor de Trump do partido “Chega”) contra o que ele chamou de “ imigração descontrolada ”? E por que André Ventura, os veículos de comunicação que lhe dão voz e espaço e os interesses poderosos que o apoiam, não apontam que são as empresas privadas que contratam imigrantes, que são as associações patronais que peticionam os governos para abrir as fronteiras, que são os UBERs desta vida que mais exploram a imigração e que é a própria União Europeia, que André Ventura defende, que incentiva, causa e legitima toda a imigração que estamos testemunhando? E por que não atacam o turismo descontrolado que está destruindo Lisboa, atividade para a qual trabalha a maioria dos imigrantes?

Ora, essa lógica racista que faz a ponte com o anticomunismo para vincular a Rússia, hoje, como o único repositório do passado soviético e daí à sua atual demonização, para justificar agressões, isolamentos e opressões que lhe permitirão ser saqueada – como aconteceu nos terríveis anos 90 do século XX sob Boris Yeltsin – encontra um exemplo claro na permissão do Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) para que seus usuários expressem mensagens de ódio contra os russos.

Essa perspectiva russofóbica, absolutamente inaceitável para uma Europa que se autodenomina “uma Europa de valores”, representa um pilar fundamental para a adesão desses países à OTAN e mostra quais mecanismos os EUA estão usando para fazer com que os países “eleitos” tornem a adesão à aliança atlântica não apenas uma questão de defesa contra a Rússia, mas, acima de tudo, uma necessidade existencial. E o nível de extremismo implantado é tão grande que basta ouvir a maneira como a elite, que compõe o regime de Kiev, fala sobre os russos, sem distinguir entre eles, para perceber que o ódio é indiscriminado, profundo, visceral, como só algo irracional, como o racismo, pode ser. E a própria sobrevivência da OTAN depende desse ódio irracional e animal.

Para preservar no tempo, recuperar e revitalizar a herança histórica nazista, há um país em particular que cumpriu esse papel como nenhum outro: o Canadá! Ainda hoje, o Canadá se recusa a fornecer as identidades dos 900 nazistas fugitivos que encontraram refúgio lá.

Em um artigo anterior , expliquei que museu vivo a Universidade de Alberta e a sociedade canadense são para fugitivos dos julgamentos de Nuremberg, particularmente aqueles da 14ª divisão galega da Waffen SS. No entanto, o legado do Canadá a esse respeito vai muito além, tendo se tornado um refúgio pacífico para cientistas, militares e outros fugitivos nazistas.

Embora neste país, entre 1985 e 1986, e após muita pressão política e popular, tenha sido realizada uma investigação sobre o assunto, na época chamada Comissão Deschênes, inclusive compilando nomes, a verdade é que o trabalho deixou muito a desejar e foi realizado para produzir resultados, no mínimo, ambíguos.

A comissão não investigou materiais mantidos na União Soviética ou nos países do Bloco Oriental, potencialmente perdendo evidências cruciais lá; o juiz Deschênes estabeleceu condições rígidas para consultar evidências desses países, mas como a resposta soviética à consulta só chegou em junho de 1986, isso foi considerado tarde demais para a comissão viajar e examinar , o que sugere que pesquisar a realidade material talvez não fosse o principal objetivo da missão.

A comissão não investigou uma lista de 38 nomes adicionais fornecidos no final do inquérito, devido ao que considerou restrições de tempo; a investigação de uma lista de 71 cientistas e técnicos alemães estava incompleta; a segunda parte do relatório final da comissão, contendo alegações contra indivíduos específicos e recomendações sobre como proceder em certos casos, permanece confidencial e não foi divulgada ao público; uma cópia não editada do relatório de Alti Rodal para a Comissão Deschênes, que contém relatos detalhados de como criminosos de guerra entraram no Canadá e a responsabilidade do governo por sua entrada, não foi totalmente divulgada ; os arquivos do Departamento de Justiça e da Polícia Montada Real Canadense sobre criminosos de guerra nazistas mantidos por essas agências não foram tornados públicos; evidências das atividades anteriores de membros da Divisão Galícia não foram examinadas, particularmente aquelas referentes a potenciais crimes de guerra cometidos em outras unidades policiais alemãs antes de ingressar na divisão. Um estudo secreto conduzido pela comissão descobriu que autoridades britânicas e americanas transportaram colaboradores nazistas do Leste Europeu para o Canadá logo após a Segunda Guerra Mundial sem informar o governo canadense e com escrutínio mínimo.

Mesmo hoje, a retenção dessas evidências leva a debates contínuos sobre a precisão e integridade do trabalho da comissão, com muitos argumentando que o trabalho da comissão, em vez disso, ajudou a encobrir o registro histórico sobre criminosos de guerra nazistas no Canadá. Parece que a Comissão Deschênes visava mais encobrir o passado, em vez de avaliá-lo e julgar os crimes cometidos.

Todo o caso foi revivido durante a controvérsia sobre a recepção de Yaroslav Hunka no parlamento canadense. As acusações de whitewashing se multiplicaram , o que não é surpreendente, considerando que foi esta comissão que declarou os membros da Divisão Waffen SS da Galícia inocentes de cometer crimes de guerra, porque, alegou, eles tinham sido examinados quando foram admitidos no país.

Hoje, depois de toda essa pressão, argumenta-se que a divulgação completa do trabalho da comissão não só poderia prejudicar a credibilidade do governo canadense, mas também poderia “ajudar a Rússia” ao ajudar a reforçar a narrativa de “desnazificação” do Kremlin. O problema é não saber a verdade, o problema é demonizar a Rússia, desacreditar sua versão dos fatos e justificar a continuação da guerra.

O que essa realidade demonstra mais do que nunca, e especialmente quando ouvimos Blinken dizer que os EUA são um país ártico e que querem formar uma organização com o Canadá e os países bálticos europeus para manter essa região “livre de conflitos” (agora seria a hora de rir alto), é que o Canadá não tem sido apenas um importante “armazém de museu” para a preservação, proteção e recuperação de ativos nazistas, mas agora também faz parte do “cinturão sanitário” que os EUA estão promovendo em torno da Rússia. Tudo isso também mostra que o Canadá nada mais é do que uma república das “Bananas” e um campo de retiro para ativos humanos que são importantes para o imperialismo anglo-americano.

O que essa triste realidade nos ensina é que o revisionismo histórico que visava comparar o comunismo ao nazismo não visava apenas normalizar o último e desabilitar historicamente o primeiro, apagando a contribuição da URSS para a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Era muito mais do que isso. Visava criar uma barreira repulsiva entre a Rússia e aqueles países que geograficamente seriam seus aliados naturais, os países europeus… Coincidentemente, para aqueles que acusam Putin de ser “fascista” e “de extrema direita”, é a Europa dos “valores” e da “democracia” que está do lado nazista…

A reabilitação histórica do nazismo não coloca apenas a Rússia do outro lado…. Ela coloca todos nós, os povos ocidentais, do lado e sob a influência nazi-fascista!

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