A ruptura total é a única opção que restou na Venezuela

Maduro e o chavismo têm uma necessidade imediata e vital de colocar em prática uma ideia proposta por ele.

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© Foto: Domínio público

Eduardo Vasco

A maior parte dos 25 anos de governo chavista tem sido de sucessivas tentativas de golpe de Estado, desestabilização, boicotes, sabotagens, bloqueios econômicos, locautes, guarimbas, violência, caos e terror por parte da oposição.

Se, por um lado, a ocorrência de um governo que busca reformar a sociedade em benefício da maioria explorada e oprimida é natural, por outro lado as constantes tentativas do chavismo de conciliação com a oposição jamais conseguiram pacificar o país, porque é inútil mudar a natureza da burguesia e do imperialismo que a apoia – esse é o caráter de classe da oposição venezuelana.

O chavismo, portanto, entrou em um impasse desde o primeiro momento em que se propôs a realizar essas reformas de maneira profunda, abalando as estruturas do sistema capitalista em que seu governo estava envolvido. De fato, desde os anos 2000 a Venezuela vive em uma espécie de estado de transição, em que o governo e suas bases operárias e camponesas, ou seja, o chavismo, é um poder paralelo ao poder do Estado em si, ou seja, das instituições aplicáveis ​​e controladas pela classe dominante.

Essas instituições da classe dominante, controladas por ela, são antagônicas ao governo chavista. Aprofundando os esforços de reformas, o chavismo buscou criar suas próprias instituições e tomar as mãos da burguesia como instituições que ela criou e controla. Mas essa é uma tarefa inglória e após 20 anos ela ainda não foi totalmente cumprida.

O chavismo é a prova mais recente de que reformar o sistema capitalista e transformá-lo num sistema socialista a partir das suas próprias instituições é impossível. Não é uma utopia romântica, como sempre queremos convencer os socialistas utópicos, ou seja, reformistas. É simplesmente uma utopia. É idiota.

A tomada do governo e a reforma das instituições só tem um caráter progressista e positivo no sentido de que facilita uma derrubada violenta do poder da burguesia e do imperialismo, e não a de que possibilita uma transformação institucional completa para que o povo se preocupe no poder e na burguesia fique chupando o dedo.

O chavismo é o movimento social mais poderoso surgido na América Latina desde a Revolução Cubana de 1959. Seu ponto inicial pode ser considerado o Caracazo de 1989, que motivou Hugo Chávez e outros oficiais a tentarem um golpe em 1992, que lhes deu enorme popularidade e incentivou o crescimento do movimento popular nascido do Caracazo e que, finalmente, elegeu Chávez em 1998.

Em 31 pleitos (entre eleições nacionais e locais, plebiscitos e referendos) realizados a partir de 1998, a oposição conquistou apenas duas vitórias significativas – entre elas, a maioria parlamentar em 2015, a partir de uma fraude. Atualmente, o chavismo detém a presidência da República, 19 dos 23 governos estaduais e 213 das 335 prefeituras – um controle seguro do poder executivo em todos os âmbitos. Também tem 222 dos 277 deputados da Assembleia Nacional e a maioria de parlamentares em 20 das 23 assembleias legislativas estaduais e em 224 dos 335 conselhos municipais – uma hegemonia dentro do poder legislativo. Essas são evidências do apoio popular do chavismo, pois todas essas cargas são preenchidas por representantes eleitos diretamente pelo povo.

Hugo Chávez e Nicolás Maduro realizaram investimentos não estatais que, no entanto, principalmente antes do período golpista e desestabilizador aberto em 2013, comportaram-se quase como órgãos de poder, um poder popular paralelo. Me refiro particularmente às comunas e aos coletivos populares de segurança, e em menor medida ao CLAP e à milícia bolivariana.

Esse amplo apoio popular organizado e a representação dominante nos órgãos executivos e legislativos permitidos ao governo trocar funcionários da burguesia por funcionários do chavismo nessas instituições, bem como em instituições não eletivas, como o poder judiciário, o ministério público, as procurarias e promotorias e o Conselho Nacional Eleitoral. Especialmente após a derrota do golpe de 2002, houve uma reestruturação da Força Armada Nacional Bolivariana e da Polícia Nacional Bolivariana, para que o alto escalonamento fosse integrado por oficiais legalistas e não golpistas. Também foi criada a doutrina da união cívico-militar, o que significou uma democratização do exército e a possibilidade de armamento da população.

É verdade que ao longo desse processo o chavismo sofreu várias reviravoltas. Seu caráter não é puramente proletário e socialista, mas sim burguês – no sentido de que não é uma força que vem totalmente de baixo, da auto-organização popular, mas sim de que, apesar de contar com o evidente apoio e enorme influência dos trabalhadores , tem uma ideologia reformista e uma hierarquia de membros da pequena burguesia (como os militares de baixo e médio escalonamento à semelhança do próprio Chávez) estão no topo. Esse já era uma entrada desde o início. E fez com que, à medida que os enfrentamentos com a burguesia e o imperialismo fossem mais violentos, os setores não proletários não lutaram de forma contundente. Houve traições dentro das fileiras chavistas, houve conciliações e capitulações, houve a conivência com condutas contrarrevolucionárias e houve a permissão para que representantes de setores contrarrevolucionários da pequena burguesia e mesmo da burguesia se infiltrassem no chavismo em busca de cargos estatais e até mesmo para sabotar o movimento por dentro.

As vacilações em momentos chave, as conciliações, capitulações e as mesmas traições pontuais desmoralizaram o chavismo diante das massas populares, em uma certa medida. Principalmente quando essas massas foram sufocadas pela guerra econômica imperialista. Essa é a razão da queda no número de votos de Maduro nas últimas três eleições. O choque contra o imperialismo foi intenso nos últimos dez anos. As pressões foram enormes. O chavismo se desgastou, apesar de continuar a ser, sem sombra de dúvidas, um poderoso movimento popular e uma força progressista com potencial revolucionário.

A atual operação golpista interna e externa não é nova, mas vem em um momento de ofensiva geral do imperialismo sobre a América Latina, especificamente a América do Sul, com Milei sendo a ponta de lançamento do golpismo continental e o bolsonarismo mantendo sua força no Brasil, o maior e mais importante país do subcontinente. Está na hora do chavismo aprender com a sua própria história. De aprender com seus equívocos e acertos.

Como foram conquistadas as vitórias contra os golpes anteriores? Com a mobilização radical dos trabalhadores e muitas camadas populares. Com o preenchimento das ruas de vermelho para expulsar os bandos fascistas, inclusive pela força das armas nas mãos do povo. Através da liberdade de organização dos sindicatos e coletivos de bairro, pela propaganda contra os inimigos do povo e pela intervenção estatal sobre as empresas privadas que conspiram contra o governo.

Se há uma grande parcela da população desanimada e desconfiada do governo, é preciso executar ações que comprovem que o chavismo é seu representante e que merece sua total confiança. É preciso adotar medidas a favor do povo, como a expropriação dos latifúndios e a entrega da terra aos camponeses, o combate à especulação imobiliária para permitir que cada família sem moradia digna possa ocupar um imóvel vazio, a tomada de todos os veículos de comunicação que incentivam a violência opositora e o golpe de Estado para que os comunicadores populares possam exibir sua própria programação, contar sua própria história e emitir sua própria opinião.

É preciso, acima de tudo, acampar cada fábrica, cada galpão, cada prédio comercial, cada empresa e cada banco de propriedade da burguesia golpista. A única forma de estabelecer um poder político soberano é deter também o poder econômico. O maior de todos os erros do chavismo nesses 25 anos foi ter permitido a manutenção da propriedade privada dos grandes meios de produção pela burguesia golpista e imperialista. Foi a partir do poder econômico que a oposição conseguiu minar o governo. É hora de colocar um fim nisso. Medidas que beneficiam economicamente o povo, que asseguram seus direitos sociais e que vão em direção à entrega do poder político a ele (isto é, o estabelecimento de uma democracia verdadeira) naturalmente farão com que o chavismo recupere o apoio de parte das classes populares e meios de comunicação e ampliarão a autoridade do governo para esmagar a ocorrência golpista e prender todos os seus líderes.

Apesar de haver um golpe em marcha, tanto na Venezuela como no continente inteiro, há um ponto fundamental na atual situação política, em particular a internacional, que favorece o governo Maduro. Ele tem Rússia e China como aliados e seus principais vizinhos – Brasil e Colômbia – são governados por presidentes amigos que, embora não estejam interessados ​​em comprar a briga de Maduro, tendem a bloquear qualquer ação mais incisiva dos Estados Unidos e da direita continental contra a Venezuela.

Diante do golpismo descarado patrocinado pelos EUA, Maduro deu declarações animadas e indicou qual deve ser o caminho a ser trilhado pela Venezuela. Ele disse que, se os imperialistas “cometessem o erro de suas vidas” ao aumentarem as pressões golpistas, ele poderia romper os contratos com as companhias americanas e europeias nos setores de gás e petróleo e trocá-los por contratos com empresas de países aliados, como os membros dos BRICS. Pouco depois, incentivou os venezuelanos a abandonarem o WhatsApp e começarem a usar outras aplicações de conversas, nomeadamente o WeChat chinês e o Telegram russo.

Se Maduro por consequência com as suas palavras e, apoiado na mobilização radical das massas chavistas, expulsar as grandes companhias americanas e europeias da Venezuela, ele cortará pela raiz todo o mal causado ao seu povo nos últimos anos. Essas empresas, ao invés de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da Venezuela, sugam suas riquezas, enfiam nos bolsos de seus donos e ainda por cima financiam a oposição golpista com esse dinheiro – quando não roubaram abertamente o dinheiro do país, como ocorreu com a Citgo nos Estados Unidos ou o ouro venezuelano na Inglaterra.

Se houver uma ocorrência militar do imperialismo com essas medidas, Maduro deverá garantir o apoio militar de Putin e Xi Jinping, concordando que parte das empresas imperialistas expropriadas poderiam passar ao controle de empresas russas e chinesas. Há uma vasta gama de possibilidades de parcerias, desde a entrega integral dessas empresas até a formação de joint-ventures, de empresas mistas, a partir de acordos em que todos ganham. Russos e chineses conseguiriam acelerar a transferência de tecnologia para a Venezuela, para que possam caminhar com as próprias pernas em vários setores, poderiam ficar responsáveis ​​por obras de infraestrutura (como faz Pequim por toda a África) e poderiam suprir todas as necessidades adicionais da Venezuela. E não só Rússia e China, mas Índia, Irã e Turquia, com quem Caracas tem ótimas relações e já faz parcerias importantes em diversas áreas, também poderia contribuir na defesa da Venezuela diante das inevitáveis ​​investidas dos Estados Unidos. Brasil, Colômbia e México, com seus governos atuais e seu poder econômico regional, também poderiam ser parceiros importantes em diversas áreas. Certamente convém ao interesse nacional próprio de cada um desses países abocanhar uma parcela do mercado venezuelano.

Uma grande vantagem para a Venezuela seria trocar a dependência de companhias imperialistas, que sugam suas riquezas e mantêm o país atrasado e instável, por companhias que não têm o mesmo caráter, mesmo que muitas delas possam ser de propriedade privada. Porque o capital privado proveniente dos países dos BRICS, dos países da América Latina, Ásia, África e leste europeu, não tem a mesma natureza imperialista do capital privado da América do Norte e da Europa. Ainda que sejam propriedade de grandes magnatas indianos, xeques árabes ou oligarcas russos, essas empresas não controlam o mercado mundial e não participam dos monopólios que dominam a economia global. Não há, portanto, o poder de interferir de maneira decisiva na política de outros países ou de fazer os países pequenos de refém. Não é uma questão de boa ou mais interessante, mas sim uma realidade objetiva. A China é o maior parceiro comercial da maioria dos países do mundo, mas mesmo assim eles ainda são controlados política e economicamente pelas potências imperialistas.

Maduro e o chavismo têm uma necessidade imediata e vital de colocar em prática uma ideia proposta por ele. Esse seria o início de uma revolução ainda mais importante e radical do que qualquer episódio da chamada “revolução bolivariana” até agora. Seria o começo da verdadeira libertação do povo venezuelano dos grilhões aos quais ainda está acorrentado. Muitos dizem que Maduro não é Chávez, mas agora ele tem a oportunidade de honrar seu legado e fazer algo que o próprio Chávez nunca conseguiu fazer.

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