A eficácia das sanções econômicas de Washington relativamente aos seus objetivos de política externa tem sido muito baixa, para não dizer nula, escreve Mauricio Metri.
Maurício Metri
Em 24 de março de 2024, alguns jornais noticiaram o 25º aniversário do retorno do avião sobre o Atlântico, com o então ministro das Relações Exteriores da Rússia, Yevgeny Primakov, devido ao início dos bombardeios da OTAN sobre a Sérvia, sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU. No meio do ataque contra Belgrado, as forças da OTAN atacaram deliberadamente a embaixada chinesa. Pequim não esqueceu a data e, no dia 7 de maio de 2024, o presidente Xi Jinping esteve na capital da Sérvia para prestar homenagem aos mortos e transmitir uma mensagem ao Ocidente. Estes acontecimentos determinaram o início da reconstrução da Rússia, a aceleração do processo de ascensão chinesa e o aprofundamento das parcerias sino-russas (1).
Durante este período, partindo da fragilidade econômica e de uma posição de atraso militar em relação aos EUA, a Rússia estabeleceu uma vantagem estratégica em armas em 2018 ao desenvolver armas hipersônicas. Também reconstruiu a sua economia nacional, contornando sanções econômicas sem precedentes contra ela. Apesar das sanções, a economia da Rússia expandiu-se significativamente em 2023 em comparação com outros países do Atlântico Norte. Este ano, o FMI corrigiu as suas previsões para a Rússia, duplicando as suas estimativas para cima.
A política de sanções financeiras é uma das expressões do poder monetário do dólar no sistema internacional, especialmente após a Doutrina Bush de 2002 (2). No entanto, a eficácia das sanções econômicas de Washington relativamente aos seus objetivos de política externa tem sido muito baixa, para não dizer nula. Por exemplo, apesar das severas sanções introduzidas em 2007, o Irã adquiriu a capacidade de resistir e desenvolver uma capacidade militar ofensiva adequada, o que lhe permitiu alterar o equilíbrio de forças no Sudoeste Asiático. Há um mês, em 12 de Abril de 2024, Teerã abandonou a sua “política de paciência estratégica” e revelou ao mundo, através do ataque com mísseis, a sua capacidade de perfurar o sistema de defesa antiaérea israelita.
Os principais alvos das sanções dos EUA (Rússia, Irã, Coreia do Norte, Venezuela e Cuba) têm geralmente conseguido resistir a este tipo de violência, e uma das razões mais relevantes para isso é a ascensão da China ao estatuto de maior economia, ultrapassando o dos EUA. Em 2023, a participação da China no PIB mundial com base na paridade do poder de compra atingiu 18,73%, enquanto a dos EUA foi de 15,56%. Devido ao seu dinamismo, tamanho e sofisticação, a economia chinesa tornou possível contornar os sistemas de pagamentos controlados por Washington. Por exemplo, após o início da intervenção militar russa na Ucrânia, quando foram impostas sanções sem precedentes, o comércio sino-russo cresceu 64%, atingindo um recorde de 240 bilhões de dólares em 2023.
Não por outra razão, em 8 de abril de 2024, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, em visita a Pequim, ameaçou as empresas chinesas, afirmando : “Haverá consequências significativas para as empresas que fornecem apoio material à Rússia. Quem não cumprir sofrerá as consequências”.
A resposta chinesa veio alguns dias depois, quando o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, visitou Pequim. Ambos os países comprometeram-se a manter a estabilidade da cadeia de abastecimento industrial, incluindo o apoio material chinês à guerra da Rússia contra a Ucrânia e à base industrial de defesa russa. De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Moscou e Pequim “reforçaram os apelos para que os seus dois países trabalhem mais estreitamente contra o ‘hegemonismo’”.
Algumas semanas depois, mais uma vez em território chinês, uma autoridade norte-americana reiterou as ameaças de Washington. O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, numa declaração durante a sua visita oficial à China, afirmou: “Os Estados Unidos estão prontos para tomar novas medidas e impor sanções contra a China e o pano de fundo da situação na Ucrânia. (…) Se a China não tomar medidas para resolver este problema, os EUA fá-lo-ão.”
As ameaças persistentes de Washington revelam um consenso bem estabelecido no Atlântico Norte de que, por um lado, o poder do dólar como instrumento de sanções econômicas tem vindo a diminuir continuamente. Por outro lado, a China é a principal razão para isso. Fala-se abertamente sobre o tema. Em 29 de abril de 2024, a presidente do Comitê Seleto do Tesouro da Câmara dos Comuns do Reino Unido e membro da Assembleia Parlamentar da OTAN, Harriet Baldwin, declarou : “Há um consenso de que as sanções não estão funcionando em termos de sua intenção declarada – causar problemas reais para a economia russa.” Poucos dias depois, da mesma forma, o ministro da defesa italiano, Guido Crosetto, expressou que “as sanções econômicas contra a Rússia falharam e apelou ao Ocidente para que se esforçasse mais para negociar uma solução diplomática com o presidente Vladimir Putin para acabar com a guerra na Ucrânia. (…) o Ocidente acreditou erradamente que as suas sanções poderiam impedir a agressão da Rússia, mas sobrestimou a sua influência econômica no mundo.” Há poucos dias, em 6 de maio de 2024, após reunião com o presidente chinês na capital francesa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, voltou ao tema. Ela afirmou : “Também discutimos o compromisso da China de não fornecer qualquer equipamento letal à Rússia. São necessários mais esforços para restringir a entrega de bens de dupla utilização à Rússia que chegam ao campo de batalha. E dada a natureza existencial das ameaças decorrentes desta guerra tanto para a Ucrânia como para a Europa, isto afeta as relações UE-China.”
Portanto, nas estruturas de poder do Atlântico Norte, já está consolidada a percepção de que existe uma espécie de “degradação” do dólar como instrumento de violência através de sanções financeiras. Contudo, outro entendimento continua a prevalecer em Washington relativamente ao privilégio de comandar a moeda de referência global: o alargamento da sua capacidade de gastos sem limites aparentes e a imposição ao mundo do fardo financeiro das suas guerras globais. Este privilégio, ao contrário das sanções, continua a funcionar com força total, como é o caso do pacote de ajuda de 95 bilhões de dólares para a Ucrânia, Israel e o Indo-Pacífico recentemente aprovado pela Câmara dos Representantes dos EUA.
(1) For more details, see: Metri, M. “História e Diplomacia Monetária”. Ed. Dialética, São Paulo, 2023. (cap. 15).
(2) For more details, see: Nascimento, Maria A. W. V. do. “A Doutrina Bush e a Institucionalização do Poder Coercitivo do Dólar”. Dissertação de Mestrado. PEPI, IE-UFRJ, 2024
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