A Internacionalização do Choque Neoliberal

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Hugo Dionísio

Olhar para os dias de hoje, sob a luz da formulação revelada pela obra “A Doutrina do Choque”, de Astrid Klein, é um desafio esclarecedor e revela absolutamente a importância histórica da análise realizada, ainda que, a meu ver, sofra de uma certa “pontualidade histórica”, considerando os momentos de aplicação de um processo que passou a ser conhecido como “teoria do choque econômico neoliberal”.

A análise de Klein, baseada em fatos históricos conhecidos, relata experimentos secretos da CIA em psicologia e psiquiatria, a aplicação das técnicas no Chile de Pinochet e em muitos outros países (incluindo a Rússia pós-soviética) e a doutrina neoliberal dos “Chicago Boys” de Milton Friedman, nos fala de um processo pelo qual a população é colocada em um estado de choque permanente para deixá-la sem reação (como nos tratamentos de lobotomia), de modo que, sob a cobertura do amorfismo gerado, são aplicadas medidas extremamente impopulares que, acima de tudo, são diametralmente opostas aos interesses da maioria. O próprio processo de descrédito da política e dos políticos também serve de pretexto para o mesmo tipo de ação. Veja Trump, Bolsonaro, Milei, Meloni, Duda ou Zelensky. O tipo de choque demagógico (usando corrupção, migração em massa, etc.) dá origem a um pretexto que funciona sob as mesmas premissas.

No entanto, e tendo em mente a inquestionável atualidade da abordagem, analisar o mundo atual de acordo com essa teoria revela uma verdade que, em minha opinião, nega a ideia de uma certa “pontualidade histórica” do choque econômico neoliberal. Em minha opinião, a abordagem de Astrid Klein, naquela época, nos mostrava um mundo em que os EUA estavam desencadeando – e estão desencadeando – processos de transformação destinados a subverter a soberania nacional e popular, a democracia e a liberdade dos povos, a fim de colocar suas nações a serviço do processo de acumulação neoliberal e imperialista. Os sucessivos confrontos estão ocorrendo em espaços nacionais circunscritos e em uma cronologia cujas origens remontam ao Chile de Pinochet, mas que carece de certa continuidade, como se estivéssemos lidando com uma quadrilha que pulasse de país em país, sem nunca atingir o todo.

Agora, enquanto a abordagem de Klein propõe uma certa circunscrição nacional, os eventos históricos dos últimos 23 anos nos apontam para uma globalização ou internacionalização da doutrina do choque, para sua continuidade histórica e para uma dimensão totalizante, abrangendo todas as dimensões de nossas vidas desde o início e não apenas na chegada.

Considerando o que sabemos hoje, não posso deixar de pensar que os exemplos cronologicamente vinculados da aplicação da doutrina do choque nada mais são do que experimentos, constantemente aperfeiçoados, visando a um epílogo, um epílogo que estamos vivenciando hoje. A globalização e a internacionalização do choque neoliberal, juntamente com sua diversificação fenomenológica. Ele não afeta mais apenas o componente econômico ou social, mas também a saúde, o Estado, a segurança, a defesa, a informação e a propaganda. Essa é a materialização clara de outra doutrina, a doutrina do “domínio de espectro total”.

Com a virada do século XXI, tudo mudou! Em 11 de setembro de 2001, o mundo ficou chocado com um ataque terrorista de proporções espetaculares, que culminou com o colapso de três torres em Nova York. Como se Hollywood tivesse sido convidada a preparar um ataque terrorista. A população americana – e ocidental – ficou em estado de choque, atordoada, e logo começamos a ver ataques diretos ao modo de vida que tantos consideravam eterno – lembre-se de Fukuyama – e historicamente aperfeiçoado. Nos EUA, vimos a publicação do Patriot Act e o início da Guerra ao Terror.

A vigilância estatal passou a fazer parte da vida americana e, um pouco mais tarde, da vida europeia, principalmente após novas ondas de choques terroristas na Espanha, Inglaterra e França. O vínculo comprovado entre os autores de atos terroristas – Al-Qaeda – e seus criadores, muito poucos tomaram ou quiseram tomar conhecimento. Hoje, entramos em um supermercado, visitamos um museu, fazemos uma ligação telefônica ou tiramos uma foto e temos a garantia de que, em algum lugar do espaço, essas informações serão processadas, agregadas, integradas, analisadas e armazenadas. O terrorismo tornou-se parte de nossas vidas e, sob esse pretexto, a vigilância em massa. Bin Laden tornou-se o próprio diabo, o demônio que aterrorizava os sonhos de nossas crianças, que seriam protegidas pelo onipresente Pentágono e outras agências do “estado profundo”. Foi esse “estado profundo” que aproveitou a oportunidade para generalizar e normalizar a tortura, os campos de concentração como Guantánamo e as prisões secretas, ou não tão secretas, onde todos aqueles que se opõem aos desígnios imperiais são mantidos até hoje. Era hora de internacionalizar o terror que o Oriente Médio sentia quase desde a fundação da ponta de lança anglo-saxônica na região, o Estado sionista de Israel e seu infame Mossad.

Em 2008, o mundo ficou chocado com a crise do subprime. Supostamente, o sistema bancário americano estava entrando em colapso, o que logo foi seguido pela Europa e por muitos outros países do mundo. O pretexto da crise bancária, então combinado com o choque da dívida soberana, criou o terreno social ideal para a aceitação de medidas de ataque desenfreado aos direitos dos trabalhadores e de suas famílias, algo nunca visto nos países da Europa Ocidental. A Europa Oriental já havia passado por isso com a queda da URSS.

Salários, pensões, férias, negociações coletivas, liberdade de associação, direito de greve, empregos públicos, horas de trabalho, vários subsídios, serviços públicos de saúde, educação, moradia – tudo foi cortado, com um ímpeto destrutivo que só foi superado pela insanidade de Milei. Esse é um fato histórico conhecido, documentado e comprovado pela degradação das condições de vida das vítimas: a distopia neoliberal nunca funcionou, nem mesmo temporariamente. Ela é apenas a forma mais agressiva de acumulação, materializada em sucção, pilhagem e saque total, destruindo valor e potencial social latente.

Esses dois momentos de choque, o choque de segurança em 2001 e o choque econômico em 2008, em contraste com o que estava acontecendo aqui e ali até o final da década de 1990, com as intervenções do Fundo Monetário Internacional em vários países; esses dois casos representaram um salto ambicioso no modus operandi das elites dominantes; a pilhagem neoliberal estava agora sendo realizada em grande escala, de forma generalizada, beneficiando-se da arquitetura institucional e normativa internacional, que havia sido criada após a Segunda Guerra Mundial e foi totalmente dominada após a queda da URSS.

O terreno estava preparado para passar do teste pontual, caso a caso e circunscrito para sua globalização. Em vez de atacar país por país, usando o FMI como catalisador do processo de dolarização e apropriação (principalmente por meio de privatizações) do capital e da influência financeira, ou com o Pentágono como guarda avançada das forças da “liberdade e da democracia”; com o dia 07/11/2001 e a “crise do subprime”, todos pudemos testemunhar a internacionalização e a globalização da doutrina do choque. As ondas de choque neoliberais foram transmitidas de forma transnacional e global. Poucos países resistiram aos seus efeitos e ao seu uso como pretexto para impor medidas econômicas e sociais draconianas. Aqueles que resistiram – e resistem – sofreram as “sanções do inferno”! Era hora de trazer a selvageria criada em outros lugares para o “jardim” de Borrel.

As pessoas ainda não haviam se recuperado desses dois choques quando acordamos com os espasmos de um ainda maior, infinitamente mais forte e mais poderoso. A pandemia da Covid-19. Se os anteriores haviam funcionado e ninguém relativamente capaz havia questionado e complicado os relatos, por que não tentar algo ainda mais avassalador? As imagens de Wuhan percorreram o mundo e, de acordo com as crônicas, milhões de pessoas iriam morrer somente na China… Só para descobrir mais tarde que foi exatamente lá que isso não aconteceu.

As vacinas passaram a fazer parte de nossas vidas como nunca antes, pagas a um preço alto e, de preferência, de uma fonte norte-americana. As que foram produzidas em todo o mundo não faziam parte do cardápio ocidental, com pouquíssimas exceções e amplas reservas. Ursula Von der Leyen negociou contratos sob medida, agora secretos e fornecidos com rasuras para que não pudessem ser lidos em sua totalidade, tendo comprado o equivalente a 5 vacinas por cidadão europeu, a maioria delas do laboratório dirigido por seu próprio marido. Era uma época em que todos os dias, todos nós, acordávamos com o som, ou a leitura, dos relatórios diários de mortes e infecções. A sucessão de choques durou literalmente dois anos, e nunca antes a humanidade havia experimentado um choque induzido nessa escala.

Mas, embora a quantidade de dinheiro arrecadada pelas empresas farmacêuticas americanas nesse processo de globalização neoliberal da saúde, que prospera justamente com as doenças, tenha atingido recordes nunca antes alcançados pela Phizer, Moderna, Johnson&Johnson e outras, as ondas de choque não se limitaram a esse ato de pilhagem total, no qual o dinheiro dos contribuintes foi chamado para financiar o desenvolvimento, a aquisição, a distribuição e a administração de vacinas. Outra loteria foi a dos testes de diagnóstico. Nunca antes os laboratórios privados de testes haviam lucrado tanto.

Mas quem pensa que, sob a cobertura das ondas de choque neoliberais, a pilhagem parou nas vacinas e nos testes de diagnóstico está enganado. O mundo testemunhou toda uma onda de privatização da assistência médica, resultante do aumento do poder financeiro relativo da indústria farmacêutica e dos serviços de saúde. Com mais poder econômico do que nunca (e já era muito), como resultado da pilhagem ocorrida, não demorou muito para que eles o utilizassem para exercer uma pressão sem precedentes sobre os serviços públicos de saúde, buscando privatizá-los. Eles financiam partidos, pagam campanhas de informação, programas de televisão, conferências e até mesmo… novas e possíveis pandemias!

Para aumentar as ondas de choque, o medo e o terror, até mesmo a sociedade fechou as portas, assim como na Idade Média, quando a peste chegou. Foi uma época em que as grandes empresas obtiveram lucros brutais com demissões pagas pelos Estados, especialmente os europeus, com um prêmio. Elas paravam, não produziam nada, mas continuavam lucrando… Algo melhor do que isso? No entanto, as reclamações não pararam e, como sempre, choveram subsídios para as empresas – pequenas empresas no início – mas que, como sempre e na chegada, acabaram nos bolsos das grandes.

Mais uma vez, os direitos trabalhistas foram pisoteados, a liberdade de expressão, a liberdade de opinião e até mesmo a liberdade de imprensa e de informação. Na grande imprensa, nada foi dito sobre a menor crítica. Como os “arquivos do Twitter” revelaram, as grandes corporações de saúde não pouparam esforços para esconder seu rastro de corrupção, doenças e sangue. E no final, depois de tanta desinformação, censura e manipulação, as pessoas estão lentamente começando a admitir que as vacinas também matam, com os defensores dessa terapia pandêmica entrando em justificativas falíveis sobre a suposta maior mortalidade da Covid-19.

Nos EUA, o país que produziu as vacinas, o maior número de pessoas morreu. E, por favor, não veja nenhuma pretensão de minha parte em negar o importante papel das vacinas e das políticas públicas de vacinação, quando elas são justas e dedicadas a preservar a saúde em vez de lucrar com as doenças. O que aconteceu aqui foi algo bem diferente: uma doença é introduzida, agindo como uma onda de choque, para fazer com que as pessoas baixem a guarda e vendam vacinas caras de origem duvidosa. Vacinas com testes acelerados e não confiáveis, resultados manipulados, ocultos e censurados, que foram impostas à maioria das populações ocidentais. O direito de escolha foi violado, por exemplo, ao obrigar aqueles que viajavam a se vacinar. Quando os esforços vão tão longe e tantos direitos são pisoteados, pagando para ocultar as informações existentes, é porque algo não está bem explicado.

De 2020 a 2022, era hora de globalizar os experimentos que já se sabia que estavam ocorrendo em países pobres, especificamente na África. Se a Guerra ao Terror globalizou o choque terrorista como pretexto para invadir, saquear, controlar, censurar, perseguir e monitorar, processos que já haviam sido experimentados em países africanos, do Oriente Médio, da Ásia e da América Latina; com a Covid-19, tratava-se de expandir o choque pandêmico que já havia sido experimentado em países empobrecidos. Países onde a pobreza é usada como pretexto para testar novos métodos de transmissão e tratamentos de choque inovadores. Não me surpreende que grande parte desse trabalho também encontre apoio teórico no infame relatório Kissinger, que se dedica a encontrar soluções para o controle da população mundial. Os laboratórios secretos que encontramos por toda parte certamente não deixarão de nos trazer novas ondas de choque.

Hoje, podemos dizer que, após anos e anos de testes em todo o mundo, chegou a hora da internacionalização e da globalização da guerra. Depois do Euromaindan, todo um processo de normalização da guerra, do medo e do terror da guerra, começou em nossa vida cotidiana. Primeiro, com a forma como foi conduzida a Operação Militar Especial, caracterizada como uma invasão bárbara, durante a qual novos choques foram induzidos na população ocidental, seja por meio de narrativas falsas como o “massacre de Bucha”, o bombardeio de “escolas e hospitais”, o infame – e caricatural – bombardeio da central nuclear de Zaporozhye, em que se pode dizer que está cheia de soldados russos e, ao mesmo tempo, que é bombardeada por eles; a possibilidade sempre presente de ataques químicos, biológicos e nucleares pelos mesmos de sempre: os russos “infernais e malignos”.

Sob a cobertura das ondas de choque, a guerra, a distribuição de armas e o investimento no complexo militar-industrial são normalizados, enquanto a saúde, a moradia, a educação e os salários são deixados para trás; a guerra nuclear – antes impossível – está gradualmente entrando em nossas mentes, especificamente por meio da ameaça constante da “invasão da OTAN” pela Rússia. Ninguém fala sobre o absurdo que isso significa, ou sobre a inconsistência histórica e científica da hipótese. Não é hora disso, é hora do choque propagandístico.

E se o conflito na Ucrânia permitiu a internacionalização da guerra eterna, arrastando uma Europa inteira para seu próprio suicídio econômico e social, o choque ucraniano permitiu outra globalização, a da propaganda uniforme, a de uma única narrativa. Nunca antes uma narrativa foi tão sólida na arena internacional. Mais uma vez, é a mesma metodologia: infligir sucessivas doses de choque, tantas quantas forem necessárias, até que até mesmo os mais críticos fiquem sem reação. Não porque a narrativa seja verdadeira, mas porque ela se torna sufocante.

Esse choque deu origem a mais um pretexto para atacar nossos direitos, dessa vez afetando diretamente a liberdade de expressão e de opinião. O fato é que o legado dessa terapia é a internacionalização e a normalização da censura, seja ela direta, dos canais russos, ou indireta, de todos os opositores, nas redes sociais. Nunca mais as informações circularão como antes, e serão filtradas sob o pretexto da necessidade de nos defendermos da desinformação e da propaganda. Em outras palavras, choques sucessivos de desinformação e propaganda, dando origem à censura contra a verdade. Porque a censura, e que não haja engano, é sempre contra a verdade. Ela sempre visa a esconder a verdade, a possibilidade de comparação, o movimento dialético na construção do pensamento.

Dessa evolução, podemos tirar duas conclusões diretas: o processo de aplicação da doutrina do choque evoluiu do Estado-nação para o mundo inteiro; evoluiu também, do componente financeiro, para outros mais amplos, como a guerra total; sempre em uma lógica crescente de evolução do menos para o mais complexo, até, se não o impedirmos, nossa destruição total.

Do particular para o geral, esse é o movimento que levou ao refinamento, à expansão e à globalização da doutrina do choque. Os países mais empobrecidos servem como cobaias, permitindo o teste que depois é generalizado para o mundo inteiro. Essa é a essência da hegemonia americana e ocidental; é por isso que ela está em contradição direta com os interesses dos povos!

E eles nos levam a um mundo de choques permanentemente induzidos, internacionais, multifacetados e totalizantes, sempre sob o pretexto da “necessidade de proteção”; mas o resultado é inequívoco: a cada sessão, a cada camada, nos vemos cada vez mais amordaçados, condicionados e empobrecidos.

A contradição final: quanto mais chocados ficamos, mais desarmados nos tornamos!

Strategic Culture

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