Os próximos passos de Lula

O pronunciamento de Lula em 7 de Setembro pode ser o marco da sua recuperação como o grande líder de um processo de mudanças políticas que o Brasil precisa

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Ao citar a frase de Victor Hugo – “o inferno dos pobres é que permite o paraíso dos ricos” – Lula abriu caminho para que se interprete a citação como sua adesão à tese socialista da luta de classes.

Mas, se nos voltarmos à leitura da obra clássica de Victor Hugo, Os Miseráveis, veremos que mesmo denunciando a exploração dos pobres, o personagem principal, Jean Valjean, não chega a ser um revolucionário e de alguma forma defende uma conciliação das classes. O próprio Victor Hugo será mais tarde um crítico de certos aspectos da Comuna de Paris.  Importa saber como Lula leu a frase, que deve ter lhe tocado bastante a ponto de ser um dos trechos mais comentados do seu discurso.

Caso ele a tenha usado como um aviso de que um futuro governo seu ou de alguém apoiado por ele, precisará fazer a sempre adiada revolução social no Brasil, ele se posiciona como o adversário não só do bolsonarismo de direita como também das soluções tradicionais dos partidos de centro.

Alguns sinais, ele deu nesse sentido, ao se referir ao esgotamento do modelo capitalista tradicional e ao falar sobre a necessidade de taxação da riqueza.

É interessante se pensar em até que ponto Lula, pessoalmente um político conciliador, poderá se afastar do modelo de governo que seguiu nos seus dois mandatos, quando procurou  acender uma vela a Deus, os pobres, e outra ao Diabo, os ricos.

Diga-se de passagem, com sucesso durante algum tempo.

Talvez ele tenha se dado conta que essa mágica não é mais possível.

Na eleição passada, Fernando Haddad já deu um sinal nesse sentido, quando comentando os governos de Lula, disse que então era possível que ricos e pobres ganhassem, porque a economia permitia, mas que isso já não seria possível num novo governo petista, quando os ganhos dos ricos não poderiam ser mais os mesmos.

Vamos ver quais são os novos passos de Lula.

Uma decisão a seu favor da Segunda Turma do STF, anulando sua sentença de prisão,  aceleraria o processo e permitiria uma radicalização do seu discurso, preparando o caminho para uma vitória em 2022.

Seria então um debate entre um governo entreguista, anti-popular, mas populista, apoiado novamente pelo grande empresariado, os banqueiros e a mídia, que pretende continuar seu processo de desconstrução do Brasil e uma oposição  radical, ainda que reformista e não revolucionária, capaz de propor a criação de um estado com soluções socialistas mesmo que dentro de um modelo capitalista.

Sobre esse aspecto é interesse pensar que uma série de grandes pensadores de formação marxista, como Meszaros, Ranciere, Badiou e Zizek, fogem da ortodoxia comunista tradicional, para discutir a possibilidade de um sistema que, ao lado do planejamento estatal , não só admite como estimula a presença de setores do mercado capitalista.

A solução chinesa, ainda que lá o processo foi inverso, quando se introduziram no sistema socialista formas capitalistas de produção, poderia, de alguma maneira,  ajudar na construção de um novo modelo.

Lula precisaria agora detalhar como é seu projeto de governo, em oposição ao que hoje domina o Brasil.

Quem sabe ele seja capaz de unir novamente as esquerdas e todas as pessoas que de alguma forma não foram contaminadas pelo autoritarismo de direita dos atuais governantes e nos leve à vitória em 2022?

Esperamos.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

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