O cerco ao Presidente aperta-se. Agora junta-se ao “centrão” e nomeia um ferrenho bolsonarista para o Ministério da Justiça, não vá repetir-se uma deserção como a de Moro
Atacado por inimigos e antigos aliados, acossado por suspeitas judiciais contra si e a sua família, enfrentando a possibilidade de um impeachment, Jair Bolsonaro começou a sua lenta descida ao inferno, no meio de uma pandemia que teima em menosprezar. O Presidente brasileiro enfrenta a saída de dois dos nomes mais respeitados do seu Governo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, um herói para os apoiantes do Presidente, pelo seu papel na Operação Lava Jato. Mas Moro não saiu por desentendimentos políticos: deixou para trás a acusação de que o Presidente forjou a sua assinatura ao destituir Maurício Valeixo, diretor-geral da Polícia Federal, tentando interferir com investigações em curso contra a sua família.
“Fiquei sabendo pelo Diário Oficial, pela madrugada. Eu não assinei esse decreto. Em nenhum momento isso foi trazido”, disse o ministro da Justiça, no seu discurso de demissão. O documento foi republicado pelo Governo, sem a assinatura de Moro, após a denúncia, mas pode tratar-se de crime de falsidade ideológica em documento público, punível com até cinco anos de prisão. Contudo, trata-se de um crime comum e o Presidente não é um cidadão comum. A acusação teria de partir do procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado pelo próprio Bolsonaro, antes de chegar ao Supremo Tribunal de Justiça.
Num plano imediato, a grande ameaça para Bolsonaro é a de destituição. Já se fala nisso nos corredores de Brasília. Ontem, já havia 27 pedidos formais de impeachment sobre a mesa de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, dos Democratas (DEM). Por azar, este antigo aliado de Bolsonaro não está em bons termos com o Presidente: antes desta crise, este já tentava retirar-lhe a liderança da câmara.
Contudo, importa salientar que, por mais fortes que sejam as provas contra o Presidente, a sua destituição não é um processo jurídico, mas sim político – ou seja, depende da relação de forças no Congresso.
Não espanta que Bolsonaro tente desesperadamente encontrar pontes com deputados do velho “centrão”, incluindo Valdemar Costa Neto (PL) e Roberto Jefferson (PTB), condenados no escândalo Mensalão, bem como Gilberto Kasab (PSD) e Ciro Nogueira (PP), que estiveram na mira da Lava Jato.
Mas o Presidente não chega de mãos vazias à mesa de negociações. Pode oferecer cargos como a presidência do Banco do Nordeste, ou a liderança do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Segundo a Veja, o Banco do Nordeste irá para Arthur Lira (PP), que disputa a Câmara dos Deputados com Rodrigo Maia.
Suspeitas e acusações Afinal, que crimes são esses de que a família Bolsonaro é acusada, que terão levado o Presidente a interferir na Polícia Federal? Para começar, o filho 02 de Bolsonaro, o vereador Carlos, foi identificado pela Polícia Federal (PF) como dirigente do “gabinete do ódio”, avançou a Folha de S. Paulo. Este esquema ilegal teria como objetivo espalhar desinformação online, calúnias e ameaças contra autoridades.
“Notaram que nunca falam que notícias seriam essas? É muito mais fácil apontar manipulação feita pela grande mídia. Matéria lixo!”, tweetou ontem Carlos Bolsonaro. Contudo, embora a investigação do Supremo Tribunal continue sob sigilo, já há alguma ideia do tipo de fakenews divulgadas em redes sociais ou correntes de WhatsApp pelo “gabinete do ódio”.
Por exemplo, há algumas semanas, antes de Bolsonaro declarar falsamente que a Organização Mundial da Saúde aprovava a diminuição do isolamento social em alguns países, um vídeo com um discurso descontextualizado do diretor-geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, já tinha sido legendado e divulgado pelo “gabinete do ódio”, avançou o Intercept.
Outro inquérito em que o nome Bolsonaro se multiplica é a investigação ao homicídio de Marielle Franco, a vereadora do PSOL abatida a tiro juntamente com o seu motorista, Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, em 2018. O filho mais velho de Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, tem sido acusado de ligações às milícias, em particular aos principais suspeitos da morte de Marielle.
E outro filho, Jair Renan, de 20 anos, não só namorou com uma filha de Ronnie Lessa, o suspeito atirador, vizinho do clã Bolsonaro, como se suspeitou que o alegado cúmplice deste, Élcio Queiroz, tivesse visitado a residência dos Bolsonaro no dia do crime: o assunto ficou num pântano de acusações e contra-acusações.
Mais recentemente, em fevereiro, Adriano da Nóbrega, alegado líder do “escritório do crime”, uma rede de assassinos a soldo de que fariam parte Lessa e Queiroz, foi abatido numa operação policia. Encontrava-se numa casa de Gilsinho da Dedé, um vereador do PSL – o antigo partido de Bolsonaro -, que disse não fazer ideia de que o ex-polícia militar estava lá escondido. Dias antes, Nóbrega dissera ao seu advogado que temia ser assassinado, como “queima de arquivo”, contou este ao El País.
Bolsonaro não hesitou em acusar Moro de se focar mais neste caso que na tentativa de assassínio que sofreu, durante a campanha presidencial. Seria um dos motivos do seu interesse na Polícia Federal. “Será que é interferir na Polícia Federal exigir, quase implorar a Sérgio Moro que apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A Polícia Federal de Sérgio Moro preocupou-se mais com Marielle Franco do que com o seu chefe supremo”, queixou-se o Presidente.
Entretanto, Bolsonaro já colocou Jorge Oliveira na cadeira deixada vaga por Moro, coincidentemente, trata-se de um leal servidor do bolsonarismo, em tempos chefe de gabinete de Eduardo, outro filho de Bolsonaro, e antigo assessor jurídico do Presidente. “Juntos com o PR Jair Bolsonaro por um Brasil melhor. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!”, tweetou Oliveira no domingo.